— Pois é, Dante. Porque é isso que eu sou, não é? Qualquer uma. Uma p*****a qualquer. Uma v***a de esquina que você adora f***r e depois finge que não conhece. — As palavras saíram tremidas, carregadas de ódio, vergonha e desespero.
Ele respirou fundo e passou a mão no rosto como se estivesse se segurando para não explodir de vez.
— Você... — Ele começou, mas parou no meio da frase.
O olhar dele foi direto para o corredor. A porta do quarto da Clara estava entreaberta. Ele fechou os olhos por um segundo, como se aquilo lembrasse ele de que não estava sozinho comigo.
Quando abriu de novo, veio na minha direção em dois passos. Segurou meu rosto com força, firme o bastante para calar minha boca, mas sem machucar.
— Depois, a gente termina essa conversa — disse com os olhos queimando nos meus.
E antes que eu pudesse reagir, ele me beijou.
Rápido. Forte. Como se fosse uma punição.
Depois virou as costas e saiu, deixando o gosto amargo de raiva e medo misturado na minha boca.
Fiquei ali parada, com a respiração presa e o corpo inteiro tremendo, sentindo que, quando a noite caísse, o castigo de verdade ia chegar.
(…)
O dia passou arrastado. Cada minuto parecia durar uma eternidade. A cada barulho de moto subindo a rua, meu estômago virava. Eu me encolhia na cozinha, na sala, até no banheiro, como se me esconder atrás das paredes pudesse impedir o inevitável.
A Clara passou a tarde grudada em mim. O olhar dela estava mais quieto, mais atento. Ela sentia. Sentia que eu estava diferente. Perguntou duas vezes se a gente ia voltar ao mercado. Perguntou se alguém ia bater em mim de novo. O peito doeu como se tivessem enfiado uma faca.
Fiz bolo de caixinha. Coloquei desenho. Brinquei de boneca. Nada funcionava. Nem nela, nem em mim.
Quando o sol desceu, a luz laranja entrou pela sala e o peso nas minhas costas aumentou. Lavei o rosto várias vezes, tentando tirar da pele a lembrança da manhã inteira, mas a água não levava nada embora.
Às seis e meia, ouvi o ronco de algumas motos. Não era ele ainda. Era a ronda dos meninos da segurança. Mesmo assim, meu corpo travou.
Tentei adiantar o jantar da Clara. Servi arroz, feijão e frango. Ela comeu devagar, quieta, olhando para mim como se esperasse eu desabar a qualquer momento. Depois, foi para o quarto pegar os livrinhos da escola.
Eu fiquei na sala, com a TV ligada num volume quase mudo, mas nada entrava na minha cabeça. A tensão parecia viva no ar, circulando pela casa.
Quando a noite caiu de verdade e a rua ficou escura, o silêncio do lado de fora ficou ainda mais ameaçador.
Às nove, ouvi o barulho.
A moto dele.
Dessa vez, eu soube. Soube no primeiro segundo.
Levantei num pulo. Corri até o quarto da Clara.
— Clarinha, fica aqui. Fecha a porta e lê seus livrinhos, tá bom? Eu já volto.
Ela me olhou assustada.
— Mãe, ele vai gritar com você de novo?
— Não vai acontecer nada. Vai ficar tudo bem.
Dei um beijo na testa dela, fechei a porta e tranquei por fora com a chave. Depois caminhei até a sala com o coração tão descompassado que parecia que meu peito ia rasgar.
O portão bateu. Depois, a porta da sala foi aberta com tanta força que bateu na parede.
Ele entrou.
O cheiro dele, a postura dele, o peso da presença dele encheram o ambiente de um jeito sufocante. Dante. Corpo tenso, olhar escuro, a raiva inteira acumulada desde de manhã.
Ele bateu a porta atrás de si e ficou parado me encarando. O silêncio entre nós era grosso, denso, pronto para explodir.
— Quer saber o que me deixou mais puto? — começou com a voz baixa, arrastada, cada palavra mais perigosa do que a anterior. — Não foi a briga.
Meu corpo gelou. Esperei. Tentei manter alguma firmeza, mas minhas pernas tremiam. Ele deu um passo. Depois outro.
— Foi você ter feito aquilo sabendo que tava a minha filha vendo tudo.
Meu coração quase parou.
— Filha? — perguntei sem acreditar.
Ele travou. O olhar dele vacilou por um segundo, como se ele próprio tivesse se traído. O silêncio pesou entre nós.
Ele respirou fundo, desviou o olhar para o chão, mas voltou para mim com ainda mais intensidade.
— Aquela menina é minha responsabilidade agora. Não quero mais ela vendo esse tipo de cena.
Eu cruzei os braços, tentando parecer forte.
— Eu não comecei. Ela me humilhou na frente da Clara, na frente de todo mundo.
Ele fechou a distância num movimento só. Me prensou contra a parede com o corpo inteiro. As mãos dele seguraram meus pulsos, firmes, me prendendo sem machucar, mas deixando claro quem tinha controle.
O olhar dele estava cheio de raiva. E desejo. Um desejo bruto, perigoso, incontrolável.
— Tu acha que eu não vi? — ele rosnou perto da minha boca. — Vi seu olhar, Luna. Vi a maneira que você foi pra cima dela. Vi o desafio. Vi a coragem i****a de bater de frente.
Tentei me soltar.
— Me larga, Dante.
— Nem fodendo.
Ele apertou mais meu corpo contra a parede. Meu peito colou no dele. Meu coração batia tão rápido que parecia querer fugir.
— Você tá brincando com fogo, Luna.
— E você? — retruquei, com a voz falhando. — Tá achando que é o quê? Meu dono? Só porque me jogou nessa casa, me deu comida e uns móveis baratos? Acha que pode decidir até a hora que eu respiro?
O sorriso dele veio lento. Perigoso. Doentio.
— Eu não acho. Eu tenho certeza.
Antes que eu respondesse, ele me beijou.
Um beijo bruto, possessivo, como se quisesse me quebrar por dentro.
Eu tentei resistir. Tentei afastar o rosto. Tentei agarrar algum resto de controle. Mas minhas pernas falharam. O corpo inteiro tremia.
Ele soltou meu pulso só para pegar minha cintura com força. A outra mão subiu para minha nuca, puxando meu cabelo, me obrigando a inclinar o pescoço. O beijo dele desceu para minha pele. Os dentes roçaram na minha clavícula.
— Cada vez que você me desafia, dá mais vontade de te quebrar de vez — sussurrou na minha garganta.
Meus joelhos fraquejaram.
— Eu te odeio — eu disse, tentando parecer forte.
— Mente m*l demais. — sorriu contra minha pele.
Quando me soltou, eu quase deslizei pela parede. Fiquei ali, com as pernas fracas, o rosto quente, o corpo inteiro em alerta.
Ele deu alguns passos para trás e me olhou de cima a baixo como se estivesse calculando o que fazer comigo.
— Mais tarde — murmurou, já indo em direção à porta. Antes de sair, virou de novo. — E fica avisada, Luna. A próxima vez que eu ouvir teu nome envolvido em barraco na rua, não vai ser essa parede que vai te proteger.
Ele saiu. O portão bateu forte.
Eu fiquei ali, com a mão na boca, o corpo tremendo, a respiração presa, sem saber se tinha vontade de chorar, gritar, quebrar algo ou fugir correndo daquela casa.