35. Luna

1244 Words
Ficamos um bom tempo no shopping, e aquela sensação de normalidade era ao mesmo tempo maravilhosa e assustadora. Depois que a Clara terminou a batata frita e o refrigerante, Dante comprou um sorvete para ela. Eu recusei quando ele me ofereceu, com um aperto no peito. Estar naquele lugar, com pessoas olhando, com ele ao meu lado como se fôssemos uma família... mexia comigo de um jeito que eu não sabia nomear. Na volta para o carro, ele parou em frente a uma loja de roupas. Entrou com a mesma naturalidade com que fazia tudo, escolhendu várias peças para Clara: vestidos, calças, uma jaqueta e pagando tudo à vista sem hesitar. Mas então, sem transição, ele se voltou para mim, o olhar percorrendo meu corpo desgastado. — Agora você — disse, e antes que eu pudesse recusar, ele já estava puxando meu braço suavemente para o fundo da loja. — Dante, não preciso — tentei argumentar, baixinho. — Eu sei que não precisa. Eu quero — respondeu, sem deixar espaço para discussão. Ele escolheu com um cuidado que eu nunca teria imaginado. Vestidos, jeans, blusas, até mesmo roupas íntimas. Coisas simples, mas de qualidade, que eu jamais teria condições de comprar. Quando a vendedora se aproximou para ajudar, ele apenas balançou a cabeça. — Eu escolho para ela — disse, e seu tom não deixava dúvidas. Pagou tudo novamente em dinheiro, as cédulas saindo da carteira sem que ele sequer as contasse. Ao voltarmos para o carro, meu corpo inteiro formigava com a estranheza da situação. Foi então que o celular dele vibrou no painel. O nome que apareceu na tela me fez gelar: Lívia. Uma das mulheres que sempre o cercavam na boca. Uma daquelas que me olhavam como se eu fosse um acidente de percurso. Ele pegou o telefone, atendeu com a voz baixa, quase um sussurro. Fiquei no banco de trás com Clara, tentando disfarçar que escutava, mas cada palavra dele me cortava por dentro. — Depois eu resolvo isso... Estou ocupado agora. Desligou. Mas o m*l-estar já estava instalado. Passei o resto do caminho em silêncio, encarando a janela, com um gosto amargo na boca. Quando chegamos em casa, ele desceu com Clara no colo, natural como se sempre tivesse feito aquilo. Ela riu, abraçou seu pescoço e pediu para brincar com os brinquedos novos. Ele entrou, deixou as sacolas na sala e foi lavar o rosto no banheiro. Aproveitei que estava sozinha e fui para a cozinha, tentando ocupar minhas mãos lavando louça, mas a raiva e o desconforto só cresciam dentro de mim. Não era só a ligação. Era o jeito dele. Como se eu lhe pertencesse, mas ele não fosse meu. Como se fosse normal outras mulheres ligarem... como se fosse natural ele atender quando quisesse. Senti o sangue ferver. Quando ele voltou para a sala, fui atrás. — Quem era? — perguntei, direto. Ele me olhou por cima do ombro, com aquela calma que me deixava ainda mais irritada. — Não é da sua conta. — Se eu sou sua, então é sim. Ele arqueou uma sobrancelha, como se surpreso com minha reação. — Está com ciúmes? — Não — menti. — Só acho engraçado você querer me controlar enquanto sai por aí com outras. Ele sorriu lentamente, daquele jeito que mostrava que gostava de me ver com o pavio curto. — Quem disse que eu saio? — Não precisa dizer. Eu vejo. Ele caminhou até mim, devagar, até colocar as mãos na minha cintura, me puxando contra ele. — Só tu me tira do sério assim — sussurrou, a voz baixa e áspera. — E é só com você que eu gasto meu tempo... meu dinheiro... e minha paciência. Virei o rosto, tentando manter a raiva. — Não é suficiente. Ele riu, como se eu fosse uma provocação ambulante. — Um dia será. Se virou, foi para a sala e se jogou no sofá como se nada tivesse acontecido. E eu voltei para a cozinha bufando de raiva com o peito doendo e com aquela certeza irritante de que, gostasse ou não, estava ficando cada vez mais presa àquele homem. (...) Os últimos dias tinham me levado ao limite. Dante andava sumido. Passava mais tempo fora do que em casa. E quando aparecia, era sempre com pressa, com o celular tocando sem parar, com aquela expressão carregada de quem resolvia problema atrás de problema. Eu fingia que não me importava. Fingia muito bem. Mas só eu sabia quantas vezes fui até o portão olhar, achando que era ele, só para encontrar o vento. Na manhã de quarta, saí para comprar mantimentos para o almoço da Clara. Enquanto escolhia legumes, ouvi risadinhas. Aquele tipo de riso que mulheres dão quando estão falando m*l de outra. Levantei os olhos e vi. Lívia, encostada no balcão dos cigarros, com mais duas meninas da boca ao lado. — Olha quem resolveu dar as caras... — ela disse alto, me olhando de cima a baixo. — A nova madame do morro. As outras riram, encarando-me também. Fingi que não era comigo. Peguei os tomates e fui direto ao caixa. — Dizem que ela acha que virou namorada dele — a outra continuou. — Só rindo mesmo. Daqui a pouco ele larga ela como largou as outras. Minhas mãos tremiam enquanto passava os itens no caixa. Respirei fundo e saí de lá antes de fazer alguma besteira. Mas o veneno já estava dentro de mim. Passei o resto do dia remoendo aquilo. Pensando nas outras, no passado dele, nas mulheres que sempre o cercavam. Quando o ronco da moto dele cortou a rua no fim da tarde, meu estômago embrulhou. Ele desceu e entrou como sempre, dono de tudo. — Que cara é essa? — foi a primeira coisa que perguntou. — Nada — menti. Ele me olhou de cima a baixo, com o olhar afiado, como se pudesse rasgar meus pensamentos. — Fala. — Não é nada, Dante. Deixa pra lá. Ele se aproximou rápido, puxando meu queixo, forçando meu olhar a encontrar o dele. — Alguém falou alguma merda para você? — Não importa. — Quem foi? — Não importa! Já estou acostumada. Ele soltou meu rosto e saiu da sala bufando, com os olhos em chamas. Dez minutos depois, ele saiu de casa, montado na moto, e desapareceu rua abaixo. Naquela noite, depois de colocar a Clara para dormir, ouvi o portão abrindo com força. Dante entrou como uma tempestade, os olhos ainda mais escuros, a mandíbula tensionada. — Vem cá. — O que foi? — perguntei, assustada. Ele me puxou pelo braço com força, me levando para a sala. — Você acha que eu fico com outras? Que passo a noite na cama de mulher enquanto você fica aqui me esperando? — Eu não espero por você — falei, em um tom que eu mesma não acreditei. Ele deu uma risada seca. — Não? Engraçado... parece. — Engraçado é você querer me controlar enquanto sai por aí com o resto do morro! Ele me empurrou contra a parede, pressionando com seu corpo, com o cheiro de cigarro, suor e raiva misturados. — Quem te disse isso? — Não importa quem me disse. Só estou cansada, Dante! Cansada de ser tratada como sua posse enquanto você faz o que quer! Seu olhar ficou ainda mais pesado. Sem aviso, ele me beijou com tanta força que meu corpo bateu contra a parede. Sua boca era pura raiva, domínio, urgência.
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