Um garoto corria feito um louco pela areia da praia quase deserta. Ele estava sem camisa, e seu corpo magro e definido chamaria a atenção de várias pessoas, se houvessem pessoas para apreciar a vista. Ele estava descalço também e só usava uma bermuda folgada cinza e uma mochila azul de ginástica. Um típico garoto classe B na sociedade litorânea.
Todos seus pertences estavam dentro dessa mochila. Ao chegar na borda da praia ele parou ofegante e a abriu. Tirou uma regata branca, um par de havaianas azuis e seu celular. Viu a hora e praguejou sozinho.
Ele estava atrasado para uma entrevista.
Como eu sei de tudo isso?
Prazer, meu nome é Pedro. O garoto atrasado. Essa é a minha história. Uma história que começa com um sabor de café com leite e termina com um gosto amargo (mas gostoso) de uma boa dose de rum com coca-cola. Sejam bem vindos.
***
Olhei novamente a mensagem no celular.
"Harara calçados.
Boa tarde Pedro Silas,
"Você poderia comparecer hoje às 15:00? Na nossa empresa?"
Retomei minha caminhada apressado. Quem marcava uma entrevista tão em cima da hora? Rapidamente respondi um breve "Claro, estarei aí".
(Droga, droga, droga!)
Eu precisava muito desse emprego! Eu e minha mãe vivíamos sozinho numa cidade ainda desconhecida (e não muito barata)e eu precisava ajudar nas contas. Além do fato dela me cobrar isso sempre que podia.
- Pedro - ela vivia dizendo - Eu preciso da sua ajuda, filho, você já fez 18 anos, começou uma faculdade que não é nada barata, e nossa mudança me custou um bocado de dinheiro. Preciso realmente da sua ajuda.
(Eu sei mãe,eu sei)
É realmente eu tinha procurado! Entreguei currículos em lojas e escritórios. Enviei por e mail... O que mais eu podia fazer? O país estava em crise,oras!! A culpa não era minha.
Então eu alternava em uma escala de 12x36. Um dia eu ia procurar emprego e no outro eu saia pra conhecer alguma praia. Obviamente pra minha digníssima mãe minha procura era em tempo integral. Mas como dizem "o que os olhos não vêem o coração não sente",certo?
Hoje era um dia de ir pra praia. Por uma conhecidência do destino (só que não) os dias de ir pra praia caíam nos dias de trabalho dela. Sim, ela trabalhava numa escala de 12x36...de verdade. Acordei pouco depois que ela saiu, coloquei uma roupa de verão qualquer e fui vadiar.
Meu amigo da faculdade tinha comentado sobre umas praias da hora numa cidade vizinha e eu estava lá, de boa, sentado numas pedras e curtindo a natureza quando recebi a mensagem da entrevista.
"Realmente aquela praia do Guarujá era linda" Pensei já no ponto de ônibus. "Água clarinha, um povo bonito...Bem como o Serginho tinha falado."
Meu pensamento sonhador deu lugar ao desespero.
"Puts!! Tô no Guarujá! Até voltar pra casa já estaria atrasado pra entrevista. Certeza!"
Olhei para a avenida mas nem sinal do ônibus. Me lembrei que nesse momento, se não tivessem me mandado essa mensagem, eu provavelmente estaria ficando com uma mulata que estava tomando sol perto de mim mais cedo.
Eu nem estava muito afim de ficar com ela. Mas ela estava me dando mole e eu meio que seria obrigado a agir. Sempre gostei de agradar os outros.
Eu e a mulata já estávamos trocando uns olhares desde a hora que ela é a amiga chegaram e eu sabia que ela tinha gostado do que viu. Modéstia parte, eu sou um conjunto bem interessante. Não tenho aquela vaidade absurda, mas sempre me cuidei.
Ah!! Vocês não sabem como eu sou ainda né?
Sou loiro claro, de cabelo curto, olhos que ora, são azuis, ora verdes (depende do meu estado de espirito), sou magro,com um corpo muito bem trabalhado na academia e no futsal, ainda bem branco, a despeito de quatro meses de andanças pelas praias da Baixada Santista.
Isso somado ao meu" jeitinho mineiro", simpático, alegre, sorridente e prestativo me tornava um pacote completo! As minas adoram um cara que tem carisma e beleza e aqui na Baixada já tinha percebido que não era exceção.
Elas se aproximavam de mim que nem abelhas no mel. Quando eu ainda morava em Minas Gerais e tinha o Luka e meus amigos pra impressionar, isso era bem legal. Mas agora sozinho e longe deles não tinha mais tanta graça.
Eu e minha mãe havíamos nos mudado de juiz de Fora há quase 5 meses. Motivo? Homem. Mais especificamente? Meu pai. Aliás, acho que ela aguentou muito, meu pai nunca foi um exemplo de homem da casa, podemos dizer assim.
Então assim que me formei no colégio foi me dada uma escolha: Eu poderia ir com minha mãe pra Baixada Santista, onde ela tinha arrumado um bom emprego, ou ficar com meu pai. Não pensei duas vezes. Não que eu não gostasse de Juiz de Fora, cresci lá oras! Mas eu sentia que lá não era meu lugar.
E eu sempre gostei de uma praia.
Eu tinha descoberto muito sobre mim nesse tempo sozinho. Muita coisa que eu achava que gostava de fazer lá ( como paquera alheia) eu descobri que eu não gostava de fazer por minha causa, era mais algo que a galera gostava e eu ia no embalo. Descobri que me dava bem com a solidão, o que não queria dizer que eu era solitário. Tinha poucos e bons amigos, e o melhor deles era meu mano de infância, Lukas Fratos.
O ônibus chegou e eu suspirei aliviado. Mas só um pouco. Esse ônibus ia até a balsa. Da balsa teria que pegar outro ônibus até o local da entrevista.
Sentei num assento vago e pensei no Luka de novo. O cara valia pela cidade inteira, parceiraço! Se ao menos ele morasse aqui...aí tudo estaria perfeito. Sentia muita falta dele por perto.
Num impulso mandei um Whats.
"Fala irmão! Saudades..."
Me recostei no vidro da janela do ônibus e passei a rezar para que os semáforos ficassem todos verdes pelo caminho.
***
14:52.
Cheguei em frente da loja suando em bicas. O dia estava quente e seco. Minha roupa era ótima pra um dia assim...mas não pra uma entrevista.
Bermuda cinza claro com alguma areia no traseiro, camisa regata branca, daquelas bem abertas do lado (eu estava na praia oras!), chinelo havaianas azul e mochila de ginástica.
(Que merda)
Como eu imaginei não tinha dado tempo de ir pra casa me trocar...Mal tinha dado tempo de chegar aqui no Gonzaga, em Santos, pra fazer a entrevista!
Agora que eu já tinha um senso de locomoção pelos pontos principais de Santos, foi fácil chegar no meu destino. O bom é que era perto da praia. E não muito longe da minha casa.
Nos mudamos para uma cidade vizinha à Santos, São Vicente. Num bairro que apesar de chamar Gonzaguinha, era mais conhecido por Divisa, pois era colado com Santos. O bairro Gonzaga, onde eu estava, segundo meus colegas de faculdade, era o "novo centro" onde haviam os maiores shoppings, as melhores lojas e restaurantes. O bairro era bonito mesmo, bem aberto e amplo, por isso anotei o nome de alguns lugares de lá para mandar currículos.
E tinha dado certo. Eu estava na frente de um desses lugares agora, completamente m*l vestido e com muita sede.
"Um dia perfeito pra uma entrevista!" Pensei amargo...
A loja em questão era uma imensa loja de sapatos, nada a ver com a minha faculdade de Ed. Física, eu sei... Mas eu precisava ajudar em casa e pra isso qualquer trabalho servia.
Respirei fundo e após mais uma olhada para meus parcos trajes, entrei na loja. O ar condicionado potente me deu um alívio quase palpável. Após me apresentar para uma vendedora fui encaminhado para esperar em uma cadeira no fundo da loja.
A despeito do clima fresco lá dentro, eu já estava suando novamente, se tudo corresse bem esse seria meu primeiro emprego. E eu precisava desse emprego.
Estava desligando meu celular quando alguém atrás de mim me chamou.
- Pedro Silas?
Eu não sabia, mas esse era o começo da minha perdição.
Ergui os olhos e me deparei com um rapaz. Um rapaz que entraria na minha vida com a força de um tiro, um rapaz que viraria meu mundo do avesso.
Se eu soubesse de tudo que estava por vir, saberia que minha vida, a minha vida real, teria começado exatamente naquele instante.
Ou terminado naquele instante.
- Boa tarde, eu vou entrevistá-lo, meu nome é Leonardo.