Capítulo dezenove - 19:1

914 Words
Quando não estava no salão de beleza fofocando com as amigas, fazendo as unhas bem cuidadas, ou tratando da pele viçosa, Morena era vista sempre naquele meio. A cintura de violão realçada por um vestidinho colado, os lábios vermelhos, as pernas torneadas. Era sábado. As tardes de maior movimento. Os rostos variavam. O espaço apertado do barzinho parecia não dar conta de tanta gente. O zunzunzum animado reverberando na atmosfera que se exaltava com as tacadas estalando nas mesas de sinuca em conjunto das algazarras das rodas de carteado, onde as discussões com direito a pancadas truculentas na mesa — uso regular de palavras de baixo calão — são um costume frequente. Muitos a veem como peça fundamental. O sorriso sempre a mostra no rosto de gata manhosa. Sempre com um comentário solto inclinando-se para espiar as cartas dos marmanjos. — Que feio, hein Carlão? — disse divertindo-se as custas do homem bruto. — Gente ele tá blefando. Na mesa de bilhar, a aposta era para ver quem acertava mais tacadas em menor número de tentativas. Morena se aproximou da mesa no momento em que uma das tacadas fáceis tirava fina arrancando murmúrios de decepção da plateia. — Se preocupa não. Tenho certeza que na próxima você acerta — disse consolando o rapaz alto com a barba bem desenhada. — Também não era assim uma bola difícil, mas... — Se a moça acha que consegue melhor... — Posso te mostrar como se faz. Porém... não estou muito a fim de desperdiçar meu tempo. — sussurrou provocando o rapaz com sensualidade. — Vai correr? — Quanto? Morena arqueou as sobrancelhas, tomou o taco nas mãos e girou no dedo com destreza apoiando-se na mesa. — Isso a gente vê depois. Mascou os chicletes, mirou meticulosamente o taco na direção da bola, que com um estalido seco, deslizou certeira para a caçapa. Um lance improvável, de rara pontaria, cujo resultado poucos esperava. Cumprimentada pelo acerto, ela largou o taco no canto da mesa, e se pôs a observar a movimentação casual do bar, quando tomou conhecimento do visitante que a assistia sem alarde de uma das mesas. Não fez menção de se levantar nem mesmo de chamar sua atenção. Ficou na mesa, posando de desinteressado, parecendo bem à vontade para quem não dava nenhum sinal de vida fazia uma semana. Já não era novidade a pose aprumada de quem se estabeleceu bem na vida — as roupas claras, os tênis de marca calçando os pés. — Olha só quem resolveu dar o ar da graça — cantarolou Nadja com um ar venenoso. Morena disfarçou enrolando uma mexa do cabelo nos dedos. — Por mim. Tô nem aí. Malandro do jeito que é, de certo está esperando que eu vá correndo pros braços dele. — Vai dizer que não está nenhum pouco se roendo de vontade? — Quem eu? Nem vem que não tem bebê. Tá pensando o que? Que eu fico babando atrás de qualquer um metido a conquistador que nem ele? Faça-me o favor né Nadja. Eu hein! Palhaçada! Por mim, que espere sentado. — Ah Morena... Se eu ganhasse um centavo a cada vez que ouvisse isso... Nadja balançou a cabeça. — A lá, tá vendo? Fica se fazendo de difícil — apontou lançando uma espiada discreta para a mesa vazia. Morena ignorou fingindo não se importar, — até que, como quem não quer nada, Beto reapareceu. — Oi meninas. Falando sobre mim? — perguntou. Morena rebateu mantendo a pose. — Impressionante um negócio desse. Não pode ver alguém conversando, que já vai logo supondo que o assunto é com ele. Não, ego inflado é pouco, né? — Isso foi um “sim” ou um “talvez”? Beto inclinou a cabeça com aquele jeito meio cafajeste pelo qual as garotas se derretem. Nadja se intrometeu. — Então Beto... ainda ontem tava pensando nas nossas faras. As noites aqui sem sua companhia perderam o encanto. Não é morena? Morena continuou com o descaso. — Leva a m*l não. Ela faz assim, mas todo mundo sabe que é só pose. — Não tudo bem, tudo bem Nadja. Na boa, eu já esperava por isso — respondeu ele, dando de ombros. Sem drama, sem insistência. Não insistiu. Não ousou questionar a rejeição. Morena esperou até que ele estivesse a uma distância segura. — Ele já foi? — Foi, né? Fica aí toda cheia charminho. Queria o que? — Charme eu? Ah tenha dó vai, Nadja! — rebateu Morena revirando os olhos. — Tá. Tudo bem. Também não precisa me olhar desse jeito. Ela saiu pisando duro. Por dentro, uma pequena parte se culpava pela maneira que o tivera tratado. Enquanto a outra ainda se negava a admitir. Nadja parou em uma das barracas de comida de rua para comprar um lanche, e durante um bom pedaço da caminhada, os passos na calçada molhada era o único som que se ouvia. — Não quer mesmo? Hum... Tá bom! Ofereceu. — Não. Respondeu Morena olhando para o alto como se contasse as estrelas. — Olha eu não tava querendo dizer que o certo era esquecer de tudo e, se jogar nos braços dele. É que só mesmo sendo cega pra não enxergar como você mexe com ele. — Não é essa parada, Nadja. O caso foi a maneira como ele me tratou, entende? Pra ele foi como se nada tivesse acontecido. Sabe quando da pra sentir que tem outra na jogada, então, comigo foi exatamente assim.
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