Íris abriu a porta de casa e passou direto pela sala de estar. O pai e mãe discutiam baixo sobre a matéria do noticiário, enquanto seu irmão caçula permanecia entretido com os brinquedos.
Sem dizer nada, ela seguiu para o quarto, fechou a porta com cuidado e soltou um suspiro.
O dia tinha sido longo, e a conversa com Beto a havia deixado mexida.
Algo nele parecia diferente, algo que ela não conseguia entender, mas sentia profundamente.
Ela passou os dedos pelos cabelos, tentando organizar os pensamentos.
Queria entende-lo. O problema é que talvez essa não fosse uma questão fácil de resolver.
Ela e as amigas, ativas e extrovertidas da academia, marcaram de se encontrar. Caminharam juntas, conversando. As duas rindo sem aparentar preocupações.
Silmara e Raquel se divertiam juntas as custas das sandices vistas no vídeo da internet. Íris andava quieta, desinteressada para o gosto das amigas.
Silmara tornou a perguntar.
— Íris... ainda tá aí?
— Desculpa. Ando meio desligada. Sobre o que falavam?
— Sobre o vídeo do Hudson — disse Raquel. — Chegou a ver?
— O Hudson? Cheguei. Óbvio — disfarçou ela fingindo entrar no ritmo da conversa. — Gente! O Hudson é muito s*******o!
As amigas continuaram falando com mesma energia sobre uma nova loja que havia aberto na esquina, e, como a mesma energia, os planos para o fim de semana sobre um filme que queriam assistir.
Íris, ao oposto delas, só abrira a boca para despedir-se, entrando na sorveteria logo adiante.
Pediu um de chocolate, pagou com alguns trocados que guardava dentro da pochete envolta da cintura.
Com o pedido em mãos, se acomodava do lado de fora, quando Manu apareceu. Elas se cumprimentaram afetiva, e, antes mesmo de sentar, a amiga foi logo contando:
— Há, sabe quem eu encontrei? O Beto. Tentei falar com ele. Acredita que ele teve a coragem de fingir que não me viu?
— Eu também.
— Mentira! E como foi? Me conta.
— Eu... — disse Íris — estava indo à academia e daí, do nada, ele apareceu como um vulto bem na frente da bike. Perguntou se eu queria ir a um passeio com ele.
— E você? Topou? — perguntou a amiga.
— Óbvio que não, né Manu? Cê tem cada ideia! Uma semana antes, eu e ele nos falamos. Ele parecia ter se acidentado, se envolvido em uma briga ou coisa assim.
— E o que ele disse?
— Que... não tinha sido nada. Que... tava bem. Ele não quis falar muita coisa. Também achei melhor não se aprofundar nos detalhes, pra não dar a entender que estivesse com desconfiança dele ter se metido em coisa erra.
— Será? Logo o Beto. Isso não é muito do feitio dele.
— Também foi o que pensei.
Falou calmamente.
Logo após apareceu um convite de última hora, que comentava sobre um churrasco na casa de um conhecido.
Provavelmente, onde todos que não estivessem ocupados, se reuniriam.
— Mudando de assunto — disse Manu. — Vai rolar um esquema hoje na casa do Saulo e da Paula. A galera toda vai.
— Parece uma boa — Íris disse se incluindo — Tava mesmo precisando de um pouco de distração.
Não podia disfarçar. Pelo menos a ideia parecia uma fuga temporária das preocupações.
*****
A área estava tomada. A atmosfera animada. O pagode bombando alto nos ouvidos. Conversas espalhadas. Manu, com seu estilo irreverente se misturava ao grupo, tomando conta de uma roda de conversa. Descontraídas, ela e Paula discutem sobre questões triviais do dia a dia.
Enquanto, em um canto afastado da aglomeração, Íris parecia deslocada.
— Podia disfarçar melhor — disse Iago chegando sem ser notado.
— Disfarçar o que?
— Esse jeito.
— Não sei que jeito..
— Se minha namorada está com problema, tenho ser o primeiro a saber, concorda?
— Já falei, não foi nada. Impressão sua.
— Impressão é? Então vem cá.
Iago puxou ela pela cintura.
Os corpos enroscados, o rosto colado, o desânimo, a princípio incômodo, sendo afastado pra bem longe, até que, em uma roda de amigos, a presença discreta de Beto, fora percebida. Íris emudeceu como se tivesse mordido a própria língua, ao vê-lo paralisado, mordido de ver como o amigo, Iago, a tinha nos braços: o jeito libidinoso que se olhavam embalados pelo ritmo lento.
Pra ele aquilo era visto como um escárnio. E numa atitude impulsiva, talvez por preservação, bateu em retirada.