No canteiro de obras a correria já não intimidava como antes. As primeiras semanas haviam sido marcadas por olhares desconfiados e ordens ríspidas. Enquanto, discretamente, o cenário continuava suas mudanças. Mauricio conhecia os nomes de todos, desvendado as rotinas, aprendido os atalhos para lidar com os desafios.
O calor podia ser sufocante. Em correspondência, a resistência adquirida também aumentava a medida que se acostumava. Ele carregava uma pilha de sacos de cimento com uma eficiência que não passava despercebida. Os antigos, que antes o tratavam com indiferença, trocavam elogios de aprovação dentre os comentários.
— Pegou o jeito, hein, novato. Nem sei mais se devo te chamar assim — disse Casé.
Maurício colocou o último saco no chão e enxugou o suor da testa com a camisa. — É, quanto mais se aprende, maior é o reconhecimento.
Casé riu, balançando a cabeça. — Disse uma coisa certa. Não é só aprender. Tem que ter postura. E isso cê tem mostrado.
As palavras de Casé soaram de modo inesperado. Ele sentiu orgulho, e sem deixar transparecer, apenas fez um aceno rápido e voltou ao trabalho.
Durante o intervalo, sentou-se em um canto solitário da obra. Alguns dos colegas se juntaram a ele, o que antes era raro. Entre comentários exaltados voltados para questões do trabalho, ficava visível dele cruzar um limite antes inalcançável.
— Foi você que mexeu o concreto lá em cima? — perguntou Jair, o supervisor, enquanto mastigava um lanche de pão com mortadela. — Está indo bem. Dá pra ver que tá com cuidado no nivelamento. É isso que é valorizado aqui: gente que leva a sério.
Maurício assentiu, encarando o elogio como um sinal claro de que estava no caminho certo. Ganhar respeito naquele meio não era fácil, e isso era motivo suficiente para redobrar os esforços.
Durante uma tarefa complicada de alinhamento de vigas, ele foi chamado para ajudar. A experiência dos últimos dias falou prevaleceu, e ele rapidamente se destacou, apontando soluções que facilitaram o trabalho.
— Vê se pode um negócio desse: m*l saiu dos cueiros e até já tá até dando aula — brincou um dos pedreiros veteranos, conhecido tanto pelo trabalho impecável quanto pela língua afiada.
— Os professores são vocês, eu aqui sou só um aprendiz — respondeu ele mantendo a humildade enquanto com certa satisfação retirava as luvas da mão.
Não era apenas o trabalho; era um espaço que ele estava conquistando, tijolo a tijolo, com muito esforço e dedicação.
Depois do exaustivo dia na obra, parou um instante para refletir. A poeira grudada no rosto e o peso nas costas eram um sinal claro de que ele estava dando o melhor de si. Enquanto olhava para o horizonte, pensava no quanto havia mudado desde o primeiro dia. Ali, as dúvidas e inseguranças tinham dado lugar a uma confiança discreta, mas sólida.
Nesse momento o supervisor se aproximou. O semblante sério. A voz, com uma pontinha de cordialidade.
— Escuta, o pessoal do escritório da construtora ligou. Têm algumas urgências que precisa resolver.
— Que tipo de urgências?
— Sobre a conta no banco, levar os documentos. O escritório fica longe, viu? Pra chegar lá, vai ter que pegar duas conduções.
Maurício ficou animado e, também apreensivo. Ser chamado ao escritório soava como um reconhecimento, mesmo que fosse para resolver meras burocracias.
O jovem se preparou com cuidado, e saiu cedo de casa com os documentos em uma pasta simples. Pegou o primeiro ônibus, sentando-se próximo à janela, observando a cidade passar em flashes de concreto e placas de anúncio comercial. Quando desceu para pegar a segunda condução, quase se deixou levar pela tentação de parar. A ansiedade, o empurrava adiante.
O escritório ficava em um prédio discreto, de fachada azul desbotada, em uma rua movimentada. Ele subiu as escadas e abriu a porta de vidro, onde foi recebido pelo frescor do ar-condicionado e pelo som suave de um teclado sendo digitado.
Uma mulher de longos cabelos escuros, vestindo roupas formais, estava atrás de uma mesa com pilhas de papéis. Ela ergueu os olhos assim que percebeu a entrada dele.
— Vou precisar da certidão de nascimento, identidade, CPF e comprovante de residência.
Ele abriu a pasta e, com um cuidado exagerado, tirou o envelope com os papéis que havia organizado à noite.
A secretária pegou os documentos e começou a digitar no sistema, sem muita pressa. Enquanto esperava, ele se permitiu observar o ambiente ao redor. Havia quadros com imagens de grandes obras que a construtora já havia realizado, e ele se perguntava se um dia poderia dizer que havia participado de algo daquele porte.
— Pronto — disse a secretária, interrompendo seus pensamentos. — Resta só ir até o banco afiliado a empresa para a******a da conta. O salário será depositado todo quinto dia útil do mês.
Ela devolveu o envelope com os documentos, além de entregar um papel com orientações detalhadas as quais teria de levar a agência.
Ele desceu as escadas.
O peso da responsabilidade aumentava. Resolver aquelas burocracias era algo que ele nunca tinha feito antes, ao mesmo passo que parecia ser de total importância. Entendia que estava entrando em um mundo onde precisava provar seu valor, tanto com o trabalho braçal, quanto com a capacidade de lidar com as formalidades que a vida adulta viria a impor.
Apesar de nunca ter lidado com nada parecido, decidiu confiar no que havia aprendido até agora: dar um passo de cada vez.
Depois de caminhar por algumas ruas, Mauricio encontrou a agência bancária. Um prédio grande, de fachada de vidro, com portas giratórias um tanto complicadas para alguém desacostumado. Ele esperou um segundo e entrou, imediatamente envolvido pela temperatura amena.
Na recepção, uma atendente de uniforme o cumprimentou. — Bom dia. Posso ajudar?
— Bom dia. Vim para abrir uma conta.
— Trouxe os documentos?
— Trouxe — disse com a entrega da folha.
— Aguarde só um instantinho.
A atendente se levantou e desapareceu por uma porta.
Alguns minutos depois, o gerente, um homem vestindo terno e gravata, surgiu com um sorriso profissional e um olhar avaliador.
Maurício apertou a mão dele, um pouco tenso no começo.
Conduzido por um corredor até uma sala pequena, com uma mesa retangular e duas cadeiras confortáveis. O gerente indicou para que ele se sentasse e tomou lugar do outro lado da mesa.
— Vamos começar. Já tem conta em banco ou é a primeira vez? — perguntou enquanto abria o sistema no computador.
— Primeira — ele admitiu.
— Sem problemas. É bem simples. Primeiro, vamos verificar a documentação.
Ele deslizou o envelope pela superfície lisa da mesa até o gerente que imediatamente começou a analisar o conteúdo, digitando as informações no sistema enquanto explicava as etapas do procedimento com paciência.
— Essa conta é vinculada à empresa. Usada para depósito de salário, pagamentos e, eventualmente, economizar, se quiser. Também podemos oferecer um cartão de débito e, adiante, até um de crédito, dependendo da sua movimentação.
Disse entregando as informações impressas em uma folha de papel sulfite.
— E será que tem algum custo extra?
— Essa aqui é uma conta básica, então as tarifas são bem baixas. E, como é vinculada à empresa, alguns serviços podem ser isentos. Vou te explicar tudo quando terminarmos.
O gerente finalizou o cadastro e se levantou chamando pelo ramal uma das atendentes para concluir o procedimento.
Uma mulher jovem, organizada, entrou na sala. Ela carregava um tablet e um sorriso amigável. — Olá. Vamos precisamos coletar sua assinatura digital e uma foto para o cadastro. Tudo bem?
— Pois não — respondeu ele com educação, ainda se sentindo um pouco fora de orbita, e um certo alívio.
A etapa foi concluída, e o gerente voltou para apertarem as mãos novamente. — Parabéns, sua conta está em nossos sistemas. Seu cartão será enviado para o endereço cadastrado em até 15 dias úteis.
Maurício se levantou da cadeira. — Eu agradeço. Foi menos complicado que achei que seria.
Abrir uma conta bancária podia ser um detalhe trivial, pra ele, era um símbolo de autonomia.