Ele vestiu um jeans casual com uma camisa polo básica e saiu cedo, e antes das Dez, de acordo com o que ficara acertado, pegou o ônibus lotado em direção ao centro, sentindo o desconforto de estar entre pessoas que seguiam um rumo claro na vida.
A construtora impressionava no tamanho. Era diferente de tudo o que ele conhecia. O ambiente era organizado, limpo, com gente de crachá indo e vindo, carregando papéis ou ao telefone.
A entrevista foi rápida. O pessoal do RH, fez perguntas simples sobre experiência e disponibilidade. Warley respondeu o melhor que pôde.
Ao que parece, definindo-o com o perfil certo para a vaga. Solicitado após isso, a entrega das documentação apenas para complemento.
O nervosismo era tanto que o deixava eufórico. Mas não a ponto de fazê-lo esquecer de onde vinha.
Naquela mesma tarde, a galera se reunia envolta dos carros.
Preto foi o primeiro a tirar onda.
— Diz aí, trabalhador, como é que foi na firma?
— Acha que consegue dá conta do recado?
Perguntou Renan parando perto.
Warley deu de ombros, sem se importar com os deboches.
Douglas riu com sarcasmo.
— Se durar um mês nesse negócio é muito, parceiro.
Warley engoliu seco.
Faltava força suficiente para rebater as críticas.
Era um perdido, um João ninguém, um perigo para a sociedade, como a própria havia lhe ensinado.
Sentia-se desorientado longe do pai, o único no mundo com quem conversava e que o compreendia melhor que ninguém, e na manhã nublada de domingo, decidiu procurá-lo. A estrada até a penitenciária parecia se estender por quilômetros. Isolada do restante da sociedade. Ele ainda não tinha se costumado a ideia de visitar o pai na cadeia. Mas, com tudo o que estava acontecendo — o emprego, as pressões em casa, as provocações dos amigos — sentiu que mesmo que contra a vontade precisava daquele encontro.
Passou pelos procedimentos de segurança dos detectores de metais com o olhar baixo, fazendo o possível para ignorar os olhares inquisitivos dos guardas e outros visitantes. O detector apitou, as portas pesadas se abriram com um rangido agudo. Avistou Vitor do outro lado da mesa da sala de visitas algemado.
Vitor ergueu o olhar, o canto da boca levemente curvado em um sorriso desafiador.
Warley puxou a cadeira, jogando o corpo para trás com ares de quem não devia nada a ninguém.
— Pensei que havia se esquecido do seu velho pai.
Ele lançou um olhar rápido para os guardas.
— Veio contar como estão as coisas do lado de fora?
— Arrumei um emprego.
Vitor o analisou friamente.
— Emprego?
— Onde o tio Jair trabalha. Fui a uma entrevista. Disseram que, daqui um vão me chamar. Carteira registrada. Convênio médico e tudo.
— Esqueceu de dizer ser feito de capacho, cumprir ordem de bacana, por um salário de merda. Que sequer da pra sobreviver.
— Pelo menos é honesto — rebateu Warley afiado.
O sorriso de Vitor sumiu. Ele passou a mão pelo rosto, inclinando-se para frente.
— Escuta aqui, moleque. Se eu estou preso aqui não é por questão de honestidade não.
— Não? E por que então? — retrucou Warley, apontando para o ambiente ao redor. — Se sente feliz do jeito que está? Jogado aqui nesse buraco? Atrás desses muros... dessas grades?
A pergunta pegou Vitor de surpresa e ele desviou o olhar. Não queria demonstrar fraqueza.
— Não se trata de estar ou não feliz, ou de orgulho. Se trata de sobrevivência. Isso você ainda vai aprender.
Warley apertou os lábios, encarando Vitor por longos segundos.
A visita acabou. Vitor se levantou, foi algemado, conduzido pelo corredor estreito, o eco das botas dos guardas sumindo aos poucos.
Warley saiu do complexo. Por sorte, aquela seria a última vez que passaria pela porta de um presídio.
Quando retornou a mãe, Maristela, já esperava por ele.
— Saiu cedo. Não disse nada onde ia.
Warley bateu a porta.
— Ver o Vitor.
A expressão dela enrijeceu.
— Foi até lá?
— Tinha que conversar com alguém. Afinal ele ainda é meu pai.
— E o que ele disse. Que não teve escolha? Não, não. Que o mundo é responsável por ele ser quem ele é?
Warley bufou. — Falou em sobrevivência — o maxilar travado.
— E o que "tirar a vida de alguém" tem haver com “sobrevivência”? Ser respeitado? Honra?
— Não é tão simples.
— É sim, claro que é — rebateu a mãe. — Põe isso na sua cabeça, Warley. Seu pai não é digno de pena. Olha bem pra ele. Sei que não é fácil. Nunca foi. Mas eu também sei que tem escolha. Seu pai... ele fez as dele, e olha o que fez com ele. É isso que quer pra sua vida?
Ela respirou profundamente e olhou pra ele.
— Não era assim no começo. Ele tinha o sonho de se formar. Ter um emprego descente. Ser um engenheiro... um advogado de respeito. Mas foi se perdendo... — detalhou. — Tudo que eu quero é que, diferente dele, venha a se tornar uma pessoa melhor. Por acaso isso é pedir muito?
E então saiu da sala. Deixando-o com os próprios pensamentos.