Selena se desfez da mochila, colocou o celular em cima da escrivaninha e reabriu os livros quando o aparelho, tornando a vibrar, quebrou a concentração.
Enganada quanto a ser uma notificação sem importância, ela ignorou o toque. Imediatamente atendendo ao ver o nome de Nicole sendo exibido na tela.
— Céu?
A voz dela soava trêmula, como se houvesse uma tristeza reprimida.
— Tá ocupada. Se tiver, posso ligar depois.
Selena se endireitou na cadeira, esquecendo instantaneamente os estudos.
— Não. Pode falar. Tudo bem com você?
— Não sei...
A respiração da amiga soou como um soluço contido.
— Acho que não — continuou.
— Onde você está?
— Em casa. No quarto.
— Tô indo pra aí — disse Selena.
— Não, não precisa.
Disfarçou Nicole, mas Selena já estava de pé pegando a bolsa.
— Não discute comigo. Me espera.
Sem pensar em nada, Selena desligou a chamada, pegou as chaves e saiu às pressas. Menos de cinco minutos depois já estava diante da casa da amiga, batendo a porta com urgência.
Deu duas batidas.
Nicole abriu com o rosto parcialmente inchado, o olhar esquivo carregado de mágoa.
— Entra — disse com a voz ainda fraca.
As cortinas estavam fechadas, e a falta de iluminação era compensada somente pela presença modesta de um abajur de mesa no canto da sala.
— Vai me conta. É sobre o Renato? O que rolou dessa vez?
Perguntou Selena compassiva.
Nicole afundou no sofá, encolhendo as mãos para dentro das mangas do moletom.
— Estava lá, não estava? Viu tudo. O jeito dele. A maneira como ele agiu. Como se eu fosse nada.
— Vi, foi confuso. Vocês conversaram? E depois? Tão comentando que se separaram de vez.
— Pois é, eu e ele tivemos uma “D.R” daquelas. Como sempre, ele veio com aquele papo de “calma amor, vamos ficar numa boa”, e a pressão era tanta que acabei não segurando.
Nicole fechou os olhos por um instante, tentando conter a avalanche de sentimentos que ameaçava transbordar.
— Ele não quer nada sério. Nunca quis. Eu que sou uma i****a que fica se iludindo, achando que ele pudesse mudar aquele jeito cafajeste dele.
— Nicole me escuta. Olha pra mim. Fica tranquila. Tá tudo bem. Eu tô aqui com você.
Selena colocou a mão sobre a da amiga, fazendo uma leve compressão.
— Olha, não tem que sofrer por alguém que não saiba dar valor a quem você é, que, como você mesmo falou, não quer nada sério.
— Antes fosse só sobre ele não querer algo sério — Nicole balançou a cabeça em negação.
As veias da testa saltadas como nunca.
— No início, eu acreditava que estivesse exagerando, mas... talvez, eu não quisesse enxergar o óbvio que sempre este bem diante dos meus olhos. No fundo, eu só não queria enxergar... — esboçou, tomada por uma mistura amarga de pena e raiva de si mesma.
Entre recepções calorosas e conversas descontraídas a céu aberto, aquela era uma típica reunião em família. Vista como uma fuga dos intempéries do dia a dia.
Pouco depois, ao portão, André Luiz aguardava com um sorriso fácil, os cabelos lambuzados de gel, braços cruzados em uma postura relaxada.
Seus olhos percorreram Selena de cima a baixo.
— Tá um arraso! — brincou apreciativo.
Selena vestia um macacão jeans justo e um top branco, equilibrando com perfeição charme e simplicidade.
— Você também não tá nada m*l — ela sorriu com simpatia, ajeitando o cabelo atrás da orelha.
André Luiz abriu o portão, e a acompanhou para o interior da casa, onde a animação dos familiares ganhava maior amplitude.
A sala de estar era espaçosa, com móveis de madeira escura e paredes decoradas com fotos de família. A mesa já estava repleta de pratos típicos, e os familiares antigos discutiam lembranças de outros tempos, enquanto as crianças transformavam o quintal em um centro de laser improvisado.
Ao entrar, dona Lurdes, a matriarca no auge dos seus 76 anos de vida, os recebeu cheia de entusiasmo.
— Selena, querida, que satisfação imensa tê-la aqui conosco! — exclamou, acolhendo-a em um abraço caloroso. — Está tão linda!
— Dona Lurdes, sempre exagerando... — respondeu Selena, retribuindo a hospitalidade com a mesma energia.
— Que bom que pôde vir. Sinta-se em sua própria casa — disse dona Lurdes.
Com cordialidade, André Luiz acompanhou, mas antes que pudessem se acomodar em um dos lugares à mesa, o primo de segundo grau, surgiu a frente.
— Então essa é a famosa Selena? O André vive falando de você... Bem obviamente — insinuou cravando os olhos nela com uma mistura de interesse e desfaçatez. — Caio. Muito prazer
— Encantada.
Selena sorriu educada estendendo a mão.
— Vai devagar, primo — advertiu André Luiz mordaz. — Ou vão acabar percebendo suas segundas intenções.
— Foi apenas um cumprimento, André. Não tem que se sentir ameaçado por causa disso — argumentou Caio, embora sua real conduta expressasse o inverso.
André Luiz puxou uma cadeira para Selena ao lado dele. O ambiente seguia acolhedor e, entre brindes e histórias, a reunião transcorreu sem maiores complicações.
Após o almoço, André Luiz apoiou-se no parapeito que contorna a piscina, observando o movimento disperso no jardim antes de se voltar para Selena.
— Valeu por ter vindo. Sabe como são essas reuniões. Se não tivesse vindo, eu nem sei se teria dado conta.
— Eu que agradeço. É muito agradável estar aqui com você e seus familiares.
— Não viu nada ainda — comentou ele. — Bom, vou dar uma circulada por aí. Se quiser vir junto.
— Pode ir, eu vou ficar aqui um pouco.
— Como quiser. Bom, eu vou lá e já volto.
Ele deu meia volta misturando-se aos familiares espalhados por todo o terreno.
Caio esperou até que ele se afastasse, depois chegou nela ostentando aparência despreocupada.
— Se divertindo?
— Bastante — revelou Selena, informativa. — Se está atrás do André, ele acabou de sair daqui não tem nem um minuto.
— Mesmo? Que azar o meu. Parecem bem próximos. “Íntimos” eu diria.
Ele lançou ao vento, como se apenas pensasse alto.
— Frequentamos juntos a escola — desvendou Selena.
— E, são só amigos... ou existe algo mais... íntimo? — ele insistiu lançando um olhar de esguelha.
— Quem o André e eu? Nada haver. Eu e ele nunca...
Antes que Selena pudesse completar a resposta, Dona Lurdes, a anfitriã, apareceu chamando por ela.
— Desculpe eu tenho que ir — disse aproveitando a deixa.
Caio por sua vez não se entregou tão facilmente. — Quem sabe não voltamos a se falar um dia desses — murmurou refletindo com sigo mesmo enquanto ela se distanciava.
As mãos nos bolsos da calça.
Os ombros caídos.
O olhar despretensioso de antes agora se fazia visível de modo insinuante — contemplativo.