Capítulo dois - 2:3

1146 Words
Selena se desfez da mochila, colocou o celular em cima da escrivaninha e reabriu os livros quando o aparelho, tornando a vibrar, quebrou a concentração. Enganada quanto a ser uma notificação sem importância, ela ignorou o toque. Imediatamente atendendo ao ver o nome de Nicole sendo exibido na tela. — Céu? A voz dela soava trêmula, como se houvesse uma tristeza reprimida. — Tá ocupada. Se tiver, posso ligar depois. Selena se endireitou na cadeira, esquecendo instantaneamente os estudos. — Não. Pode falar. Tudo bem com você? — Não sei... A respiração da amiga soou como um soluço contido. — Acho que não — continuou. — Onde você está? — Em casa. No quarto. — Tô indo pra aí — disse Selena. — Não, não precisa. Disfarçou Nicole, mas Selena já estava de pé pegando a bolsa. — Não discute comigo. Me espera. Sem pensar em nada, Selena desligou a chamada, pegou as chaves e saiu às pressas. Menos de cinco minutos depois já estava diante da casa da amiga, batendo a porta com urgência. Deu duas batidas. Nicole abriu com o rosto parcialmente inchado, o olhar esquivo carregado de mágoa. — Entra — disse com a voz ainda fraca. As cortinas estavam fechadas, e a falta de iluminação era compensada somente pela presença modesta de um abajur de mesa no canto da sala. — Vai me conta. É sobre o Renato? O que rolou dessa vez? Perguntou Selena compassiva. Nicole afundou no sofá, encolhendo as mãos para dentro das mangas do moletom. — Estava lá, não estava? Viu tudo. O jeito dele. A maneira como ele agiu. Como se eu fosse nada. — Vi, foi confuso. Vocês conversaram? E depois? Tão comentando que se separaram de vez. — Pois é, eu e ele tivemos uma “D.R” daquelas. Como sempre, ele veio com aquele papo de “calma amor, vamos ficar numa boa”, e a pressão era tanta que acabei não segurando. Nicole fechou os olhos por um instante, tentando conter a avalanche de sentimentos que ameaçava transbordar. — Ele não quer nada sério. Nunca quis. Eu que sou uma i****a que fica se iludindo, achando que ele pudesse mudar aquele jeito cafajeste dele. — Nicole me escuta. Olha pra mim. Fica tranquila. Tá tudo bem. Eu tô aqui com você. Selena colocou a mão sobre a da amiga, fazendo uma leve compressão. — Olha, não tem que sofrer por alguém que não saiba dar valor a quem você é, que, como você mesmo falou, não quer nada sério. — Antes fosse só sobre ele não querer algo sério — Nicole balançou a cabeça em negação. As veias da testa saltadas como nunca. — No início, eu acreditava que estivesse exagerando, mas... talvez, eu não quisesse enxergar o óbvio que sempre este bem diante dos meus olhos. No fundo, eu só não queria enxergar... — esboçou, tomada por uma mistura amarga de pena e raiva de si mesma. Entre recepções calorosas e conversas descontraídas a céu aberto, aquela era uma típica reunião em família. Vista como uma fuga dos intempéries do dia a dia. Pouco depois, ao portão, André Luiz aguardava com um sorriso fácil, os cabelos lambuzados de gel, braços cruzados em uma postura relaxada. Seus olhos percorreram Selena de cima a baixo. — Tá um arraso! — brincou apreciativo. Selena vestia um macacão jeans justo e um top branco, equilibrando com perfeição charme e simplicidade. — Você também não tá nada m*l — ela sorriu com simpatia, ajeitando o cabelo atrás da orelha. André Luiz abriu o portão, e a acompanhou para o interior da casa, onde a animação dos familiares ganhava maior amplitude. A sala de estar era espaçosa, com móveis de madeira escura e paredes decoradas com fotos de família. A mesa já estava repleta de pratos típicos, e os familiares antigos discutiam lembranças de outros tempos, enquanto as crianças transformavam o quintal em um centro de laser improvisado. Ao entrar, dona Lurdes, a matriarca no auge dos seus 76 anos de vida, os recebeu cheia de entusiasmo. — Selena, querida, que satisfação imensa tê-la aqui conosco! — exclamou, acolhendo-a em um abraço caloroso. — Está tão linda! — Dona Lurdes, sempre exagerando... — respondeu Selena, retribuindo a hospitalidade com a mesma energia. — Que bom que pôde vir. Sinta-se em sua própria casa — disse dona Lurdes. Com cordialidade, André Luiz acompanhou, mas antes que pudessem se acomodar em um dos lugares à mesa, o primo de segundo grau, surgiu a frente. — Então essa é a famosa Selena? O André vive falando de você... Bem obviamente — insinuou cravando os olhos nela com uma mistura de interesse e desfaçatez. — Caio. Muito prazer — Encantada. Selena sorriu educada estendendo a mão. — Vai devagar, primo — advertiu André Luiz mordaz. — Ou vão acabar percebendo suas segundas intenções. — Foi apenas um cumprimento, André. Não tem que se sentir ameaçado por causa disso — argumentou Caio, embora sua real conduta expressasse o inverso. André Luiz puxou uma cadeira para Selena ao lado dele. O ambiente seguia acolhedor e, entre brindes e histórias, a reunião transcorreu sem maiores complicações. Após o almoço, André Luiz apoiou-se no parapeito que contorna a piscina, observando o movimento disperso no jardim antes de se voltar para Selena. — Valeu por ter vindo. Sabe como são essas reuniões. Se não tivesse vindo, eu nem sei se teria dado conta. — Eu que agradeço. É muito agradável estar aqui com você e seus familiares. — Não viu nada ainda — comentou ele. — Bom, vou dar uma circulada por aí. Se quiser vir junto. — Pode ir, eu vou ficar aqui um pouco. — Como quiser. Bom, eu vou lá e já volto. Ele deu meia volta misturando-se aos familiares espalhados por todo o terreno. Caio esperou até que ele se afastasse, depois chegou nela ostentando aparência despreocupada. — Se divertindo? — Bastante — revelou Selena, informativa. — Se está atrás do André, ele acabou de sair daqui não tem nem um minuto. — Mesmo? Que azar o meu. Parecem bem próximos. “Íntimos” eu diria. Ele lançou ao vento, como se apenas pensasse alto. — Frequentamos juntos a escola — desvendou Selena. — E, são só amigos... ou existe algo mais... íntimo? — ele insistiu lançando um olhar de esguelha. — Quem o André e eu? Nada haver. Eu e ele nunca... Antes que Selena pudesse completar a resposta, Dona Lurdes, a anfitriã, apareceu chamando por ela. — Desculpe eu tenho que ir — disse aproveitando a deixa. Caio por sua vez não se entregou tão facilmente. — Quem sabe não voltamos a se falar um dia desses — murmurou refletindo com sigo mesmo enquanto ela se distanciava. As mãos nos bolsos da calça. Os ombros caídos. O olhar despretensioso de antes agora se fazia visível de modo insinuante — contemplativo.
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