Cada elemento — som, luz e movimento — convergia para criar um ambiente imersivo, onde a tecnologia moldava a experiência sensorial. Rostos, gestos, sorrisos e olhares fugidios em flashes intermitentes.
— …e depois da transa, ele nem se deu ao trabalho de ligar. Pelo menos pra dar uma satisfação. Tipo assim, rejeição total — expressou Júlia com um sorriso incrédulo.
Selena revirou os olhos.
— Clássico!
As duas estavam em um canto reservado, seus drinques coloridos repousando sobre a mesa pequena.
Sob o brilho pulsante das luzes frenéticas, uma visão desfocada, distante, destoava da euforia que preenchia o espaço.
Júlia deu um gole na bebida saboreando o paladar doce de frutas tropicais, e escaneando o salão identificou uma figura solitária, sentado em um dos sofás de couro puído. A luz fraca m*l o iluminava, mas ela o reconheceu. Ombros largos, a postura curvada, o rosto inerte, encarando o vazio, como se a resposta para todos os seus problemas estivesse além do que se vê com os olhos.
— Selena — ela cutucou a amiga. — Aquele não é o Maurício?
— Onde?
— Ali aquele, perto do bar — Júlia inclinou a cabeça discretamente.
Selena disfarçou esforçando a vista além do jogo psicodélico de luzes e sombras.
— Certeza que é ele?
— Se quiser tirar a prova...
— E te deixar aqui sozinha. Esquece.
— Vai, pode ir. Eu me viro.
Selena exalou, lançando um último olhar para ela antes de se levantar, atravessando os corpos em frenesi no interior da pista com movimentos minuciosamente calculados. Um novo beat bombava na pista. Luzes piscavam freneticamente, congelando seu movimento em pequenos frames — e, em apenas um piscar de olhos, ela já estava ao lado dele.
— Oi.
Maurício ergueu o rosto, os olhos escuros prendendo-se aos dela por um instante prolongado. — Oi.
— Coincidência te encontrar.
Ela sorriu provocativa, acomodando-se na mesa.
— Pensei que o vestibular fosse daqui a alguns meses. E que, por essa condição, tivesse de afundar a cara nos livros.
— Digamos que as coisas tem andado um tanto complexas. Precisei encontrar um tempinho pra respirar o ar da superfície.
— Tá falando do Renato e a Nick? Soube que os dois... bom, que eles estão daquele jeito de novo. Impressionante como eles nunca se acertam.
— Foi bem pior.
Uma ruga de preocupação se formou no rosto dele.
— Depois que discutiram, é como se a Nicole estivesse em uma espécie de conflito interno. Como quando nos sentimos perdidos. Ou quando descobrimos que é inútil lutar, porque nos falta forças suficiente — sustentou.
— Também não é pra menos. As vezes a mente fica tão sobrecarregada que a única solução é encontrar uma válvula de escape. A questão é o que se deve fazer quando se chega a esse ponto.
— Desabafar com alguém, talvez possa ajudar.
— É. Talvez.
Maurício tragou o líquido tingindo metade do copo em suas mãos.
A cabeça em outro lugar. Em problemas que não tinha absoluta certeza se era capaz de compartilhar.
Selena ajeitou a jaqueta, olhando impaciente para os lados.
— Algo errado com as horas?
— Não, nada, é que a Júlia e eu viemos juntas, só que perdi ela de vista. E para piorar, já são quase onze e meia.
Ela checou o celular sem resposta.
— Se quiser posso chamar um motorista pelo aplicativo. Por minha conta — Maurício se ofereceu com cavalheirismo, abrindo o aplicativo no celular.
Do lado de fora, o frescor da noite trazia um alívio sutil. O vento trazia consigo uma melodia distantes abafada pelo concreto. E em questão de minutos, o veículo chegou até eles. Maurício e Selena entraram e se acomodaram silenciosamente. O motorista deu a partida e o carro deslizou com suavidade atravessando a avenida movimentada. A tranquilidade durou pouco.
Entre rostos indiferentes e anônimos, o amigo que a semanas tinha se esvaído como fumaça, estava ali, a poucos metros. No entanto, havia um detalhe estranhamente peculiar que não podia ser ignorado.
Os dois se fitavam transitoriamente, até que Warley surgiu no foco.
Beto não apenas evitava o contato, ele também se afastava, se perdendo em novos círculos, cercado por uma confiança que muitos sabia ser tão volátil quanto a próprio natureza da cidade insone.
— Tudo bem? — sondou Selena atenta a mudança repentina.
— Tudo na mesma — ele disfarçou. — Eu só estava aqui pensando na... naquela árvore velha que tinha no seu quintal, lembra? Onde costumávamos nos balançar quando éramos pequenos.
— Faz tanto tempo, eu nem me lembrava mais. Porque estava pensando nisso agora?
Selena manteve o tom investigativo.
Os olhos curiosos, mas com uma pitada de cautela.
— Porque... na época, nenhum de nós tinha se tocado que, ali naquele balanço, havia um perigo em potencial. As cordas estavam gastas prestes a arrebentar. E quando fomos perceber, já era muito tarde.
— O resultado foi um baita tombo. O maior que eu já levei — Selena sorriu um pouco envergonhada. — Doeu tanto.
— Imaginei, porque abriu o berreiro. E chorava... e chorava... — completou Maurício fingindo indignação, mas deixando escapar um sorriso divertido.
— E você em desespero, m*l sabia se ficava parado ou buscava ajuda.
As lembranças dos momentos felizes que pareciam tão distantes e, ao mesmo tempo, tão vivos, se interrompeu com a visão de quem o percurso havia terminado.
Os dois ainda riam sobre efeito da animação quando o carro parou. As portas se abriram com sincronismo e os dois ficaram parados a frente do portão.
— Obrigada pela companhia. Foi muito bom ter te encontrado.
— Disponha — Maurício respondeu com um olhar intenso.
Ela ajeitou o casaco, e virou-se para ele antes de entrar.
— Bom acho que é isso. Boa noite.
— Boa noite.
Mauricio observou a porta se fechar.
Nada de extraordinário.
Apenas um final apropriado para uma noite que até então estava predestinada a sair pela culatra.