Alessandro foi o primeiro a despertar. Os olhos se abriram devagar, ainda pesados de sono, mas logo se fixaram na figura adormecida ao seu lado. Serena dormia profundamente, abraçada a um travesseiro, com os cabelos espalhados em ondas castanhas sobre o tecido branco. Seu rosto, sereno, transmitia uma paz que o incomodava. Como podia parecer tão calma depois de tudo?
Por alguns instantes ele ficou apenas observando. Os cílios longos descansavam sobre a pele delicada, os lábios entreabertos, a respiração tranquila. Uma beleza natural, sem esforço — e isso o irritava mais do que gostaria de admitir. Ele lutava contra os próprios pensamentos, tentando resistir ao impulso de tocá-la ou se perder na lembrança do que um dia foi desejo.
“Ela e nem meus pais irão vencer essa guerra,” pensou, e a expressão dele se fechou. Passou a língua pelos dentes, contrariado, e então resmungou quando a viu abrindo os olhos:
— Até que enfim... — o tom foi seco, como se as palavras pesassem na garganta. — Temos que descer juntos. Você dorme demais.
Sem esperar por resposta, se levantou e foi direto ao banheiro.
Serena, confusa com o tom ríspido. Sentou-se devagar na cama, esfregando os olhos.
Ao ouvir o chuveiro ligado, respirou fundo e pegou o celular para responder aos amigos no grupo.
Alice: Amiga, como foi a viagem? Já estamos com saudades!
Miguel: Bom dia! Queremos saber de você, Serena. Espero que esteja bem.
Serena: Bom dia, gente! Acabei de acordar. A viagem foi tranquila. Já estou com saudades de vocês!
Alice: Que bom, amiga. Mais tarde podemos fazer chamada de vídeo?
Miguel: Seria ótimo.
Serena: Podemos sim! Até mais tarde!
Quando Alessandro saiu do banheiro com os cabelos ainda úmidos e uma toalha jogada sobre os ombros, nem sequer olhou para Serena. Foi direto ao closet, pegou algumas peças e começou a se vestir. Enquanto isso, ela aproveitou para tomar seu banho.
No banheiro, Serena cantava baixinho, uma melodia suave que lhe acalmava o peito — talvez para se convencer de que estava tudo bem. m*l sabia que Alessandro a ouvia do outro lado da porta, e aquilo mexia com ele mais do que deveria. Ele apertou a mandíbula, irritado. Como ela conseguia cantar depois de tudo o que ele havia dito?
Quando Serena saiu, vestida com um vestido floral simples e o cabelo ainda úmido, Alessandro já estava pronto, impaciente, andando de um lado para o outro.
— Dá pra terminar logo? Ou só vamos sair desse quarto amanhã? — disparou, com sarcasmo e um olhar impaciente.
— Já vou... já vou — respondeu Serena, sem encará-lo, ajeitando o cinto fino do vestido.
Mas quando passou por ele, o cheiro doce e suave que exalava invadiu os sentidos de Alessandro. Ele cerrou os olhos por um segundo, respirando fundo. Aquilo o irritava ainda mais. Ela o afetava — e ele odiava isso.
— Pronto. Vamos fazer parecer real — disse com um sorriso torto e debochado. — Vamos, minha querida e amada esposa.
Serena o olhou com os olhos cansados, inspirou fundo e apenas assentiu.
Ao chegarem perto da escada, Alessandro a puxou bruscamente pelo ombro, envolvendo-a com o braço. O gesto a pegou de surpresa, e seus olhos se arregalaram.
— O que foi agora? — ele murmurou, baixo, próximo ao ouvido dela. — Temos que parecer próximos. Não faça essa cara. E tenta se acostumar. Não seja burra.
Serena apenas murmurou, sem coragem de enfrentá-lo:
— Sim... é claro.
Enquanto desciam, ele percebeu que o rosto dela ainda carregava a tensão. Então sussurrou entre os dentes:
— p***a, relaxa. Se continuar com essa cara, até o mosquito vai perceber que estamos fingindo.
— Ah... desculpa — ela respondeu, sem graça.
Quando chegaram no térreo, Inácio surgiu no corredor com um jornal na mão.
— Olá, bom dia! — cumprimentou com um sorriso cansado.
— Bom dia, pai — respondeu Alessandro, forçando um tom neutro.
— Bom dia, senhor Inácio — disse Serena, um pouco mais tímida.
— Estão indo para o café?
— Ah, sim. — Alessandro envolveu Serena novamente com o braço e beijou o topo de sua cabeça. — Serena está ansiosa para matar a saudade da fazenda, não é, amor?
Serena tentou sorrir, mesmo sem forças.
— Sim, estava com tanta saudade daqui...
— Então vamos, sua mãe já deve estar esperando — disse Inácio, conduzindo-os até a varanda.
Na mesa do café, o ambiente era iluminado, com a brisa leve da manhã misturada ao aroma de café e pão fresco. Alzira sorria gentilmente ao ver todos reunidos. A conversa fluía entre assuntos de negócios e o clima da fazenda, até que Luiz Fernando se aproximou.
— Patrão, bom dia. O senhor pediu que eu viesse...
Ao ver Serena, seus olhos se iluminaram.
— Luiz Fernando! — disse ela, se levantando rapidamente para abraçá-lo. — Que saudade!
— Dona Alzira comentou que você viria — respondeu ele, sorrindo.
Mas o gesto foi como uma faca girando no estômago de Alessandro. Seu maxilar travou, e os olhos escureceram. Com a voz fria e contida, ele disparou:
— Sente-se, Serena. E Luiz Fernando... você não deveria tratá-la por “você”. Ela é minha esposa. E, que eu saiba, você é o capataz desta fazenda.
Luiz Fernando estreitou os olhos, visivelmente desconfortável.
— Sim, patrão... é que eu e...
— Não quero saber de p***a nenhuma — cortou Alessandro, já perdendo a compostura.
— Alessandro! — Serena tentou intervir. — Luiz Fernando é meu amigo. Ele não...
— Pouco me importa, querida esposa — disse, com ironia, lançando-lhe um olhar gelado.
Eleonora, que até então estava calada, ficou visivelmente tensa. Inácio, por sua vez, bateu a mão na mesa com força, interrompendo.
— Chega! O que é isso, Alessandro?! Eles são amigos de infância!
— Pai, da minha esposa cuido eu.
— E da minha casa e dos meus empregados, cuido eu! — retrucou Inácio, firme. — Então respeite!
Inácio olhou para Luiz Fernando com um pesar nos olhos.
— Depois conversamos, Luiz Fernando.
O capataz assentiu, claramente constrangido, e se afastou.
— Meu filho, o que foi isso?! — perguntou Eleonora, visivelmente decepcionada.
— Nada do que eu faço é suficiente pra vocês — retrucou Alessandro, levantando-se de repente. — Agora querem controlar até meu casamento?
— Enquanto você for esse moleque egoísta, que só pensa em si, sim, eu vou! — disse Inácio, com a voz firme, o olhar ferido. — Infelizmente, percebi isso muito tarde.
Alessandro o encarou com fúria, os olhos queimando, mas não respondeu. Apenas virou as costas e saiu.
Serena permaneceu sentada, os olhos arregalados, o coração apertado. Estava em choque.
Inácio se voltou para ela com um olhar mais brando, embora ainda carregado de angústia.
— Por isso, preciso que seja sincera conosco em relação ao Alessandro. — Sua voz estava baixa, quase um sussurro. — Estou tentando salvar nosso filho... — E ali, Serena viu, pela primeira vez, tristeza nos olhos do homem que até então parecia tão forte.
Ela apenas assentiu em silêncio, sentindo que, por trás daquela tempestade, algo mais profundo estava prestes a vir à tona.