Serena despertou lentamente. O silêncio era profundo, quase reconfortante. Virou-se devagar e viu Alessandro ainda dormindo profundamente ao seu lado. Ele estava parcialmente descoberto, vestindo apenas uma cueca. Seu corpo estava relaxado, os traços do rosto suavizados pelo sono. Parecia em paz — um contraste c***l com o homem intenso e tempestuoso que dominava seus dias.
Ela ficou o observando por alguns instantes, mordendo levemente o lábio inferior, perdida nos próprios pensamentos. Seu coração acelerava ao encará-lo assim tão vulnerável, mas junto com aquele sentimento, vinha a confusão. Havia tanto a dizer, tanto a esclarecer, mas as palavras sempre morriam na garganta diante da arrogância dele.
Suspirou. Levantou-se com cuidado, para não acordá-lo. Depois de se arrumar, desceu as escadas em passos calmos.
Na cozinha, o aroma de café fresco a envolveu como um abraço. O ambiente era acolhedor, com cortinas rendadas nas janelas e uma toalha florida sobre a mesa. Dona Alzira estava ali, com o avental amarrado à cintura, mexendo algo em uma panela.
— Bom dia, dona Alzira — disse Serena com um sorriso gentil.
— Bom dia, menina. Dormiu bem? — respondeu Alzira, lançando-lhe um olhar carinhoso.
— Dormi sim… — murmurou. — Posso tomar café aqui com você?
— Claro, minha filha. Aqui sempre tem espaço pra um bom papo e um café quente.
As duas sentaram-se à mesa. Serena pegou uma xícara e começou a comer uma fatia de bolo de fubá. Conversaram amenidades até que, enquanto Serena secava algumas louças, deixou escapar um desabafo.
— Ai, dona Alzira… — disse com a voz baixa, os olhos voltados para o prato que enxugava — Eu tenho que confessar uma coisa. Não tá sendo nada fácil lidar com o Alessandro. E sabe o que é pior? — fez uma pausa e engoliu em seco — É que eu… não sou mais a mesma. Cada atitude dele parece mudar algo em mim.
Alzira a observava com atenção, sem interromper, apenas deixando-a desabafar.
— Eu sei que amo ele. Desde a primeira vez que vi, senti algo… Só que agora… — seus olhos marejaram — Ele me confunde. Me afasta com p************s, depois volta com gestos que me desmontam. Me deixa perdida. Às vezes, eu nem sei o que pensar.
A velha senhora aproximou-se e, com delicadeza, pousou a mão enrugada sobre o braço da jovem.
— O menino Alessandro se apaixonou por você, menina. Só que ainda não sabe disso… ou não quer aceitar. — disse com voz firme, mas doce.
Serena ergueu o rosto com surpresa. Seus olhos ainda úmidos buscaram os de Alzira, como quem procurava uma verdade impossível.
— Você acha mesmo? — murmurou, hesitante. — Eu acho que está enganada…
— Não estou — garantiu Alzira, com convicção. — Ele está preso na própria raiva, por ter sido contrariado pelo senhor Inácio e se casado. Alessandro sempre foi mimado, teve tudo do jeito dele. Mandava e todos obedeciam. Agora, com você, ele se vê desarmado. Ele sente algo… mas não sabe como lidar com isso.
Serena mordeu o lábio, desviando o olhar, balançando levemente a cabeça em negação.
— É difícil acreditar. Sempre ele faz questão de deixar claro que esse casamento é só um teatro... Que fingiríamos até o momento certo de nos separarmos… E eu... eu já tinha me conformado. — a voz dela fraquejou — Mas tem vezes que ele age como se... se importasse. E isso me machuca ainda mais.
Alzira sorriu com ternura, enxugando uma lágrima que escapava do canto do olho da moça.
— Porque ele se importa. Só não sabe como demonstrar. E ainda vai levar tempo pra entender isso... Mas escuta o que eu tô te dizendo: você mexeu com ele mais do que imagina.
Nesse momento, um funcionário entrou na cozinha e pediu um café à dona Alzira. Ela se afastou para atendê-lo, deixando Serena novamente sozinha com seus pensamentos.
A jovem retomou o movimento de secar a louça, mas a mente estava distante. O coração pesava, os sentimentos se misturavam. Amor, dor, esperança, medo. Tudo aquilo a corroía por dentro.
“Eu não posso me iludir…”, pensou, com um nó na garganta. “Ele é complexo demais. E meu coração… já sofreu tanto.”
Enquanto enxugava a última xícara, seus olhos ficaram fixos em nada. Tudo dentro dela era um turbilhão.