Capítulo 40 - Entre Encenações e Verdades

969 Words
A tarde se arrastava tranquila pela fazenda. Serena tomava chá na varanda ao lado de Dona Eleonora, sentada em uma confortável cadeira de balanço. O céu permanecia nublado, tingido de tons azulados e cinzentos. Dona Eleonora, com um sorriso nostálgico no rosto, narrava passagens da infância de Alessandro, descrevendo-o como um menino teimoso. Serena a ouvia com atenção e um sorriso suave dançava em seus lábios. Por instantes, ela se permitia esquecer a dureza dos últimos dias. Enquanto isso, no escritório, Alessandro e Inácio finalmente conversavam como pai e filho, algo que não acontecia há tempos. A tensão pairava no ar, mas a conversa seguia, ainda que com pausas longas e palavras medidas. O passado e o presente se misturavam em argumentos e silêncios. Mais tarde, Serena saía da cozinha após um papo breve com Dona Alzira. O cheiro de pão assado e café forte ainda impregnava o ambiente. Ao cruzar o corredor, encontrou Alessandro e Inácio conversando no saguão. Antes que pudesse dizer algo, Alessandro a surpreendeu. — Amor... — disse ele, com um sorriso quase convincente enquanto a puxava suavemente pela cintura e depositava um beijo em seu rosto. Serena travou por um segundo. O gesto fora tão natural, tão diferente do homem ríspido que ela conhecia. Seu corpo se enrijeceu, e ela forçou um sorriso, lembrando-se do acordo entre eles. Não passava de encenação. — Ah... Oi. — ela respondeu, controlando o tremor na voz. — Minha querida — disse Inácio, com expressão carinhosa —, está matando a saudade da fazenda? — Sim, estou sim... — ela respondeu com um sorriso sincero. — Hoje só não fui até meu barraco porque o tempo não ajudou muito. Mas em breve darei uma passada por lá. Inácio assentiu, satisfeito, e se despediu com um leve aceno antes de se retirar para dentro. Agora a sós, Alessandro e Serena trocaram olhares. Ele arqueou uma sobrancelha, com um sorriso irônico no canto dos lábios. — O que foi? — provocou. — Não era pra tornarmos as coisas mais fáceis? Paz, serenidade... — inclinou o rosto próximo ao dela, baixando a voz. — Minha adorável esposa. Serena soltou um suspiro e tentou manter o equilíbrio. — Sim... melhor assim. — murmurou, forçando um sorriso. Alessandro não se afastou. Ao contrário, aproximou ainda mais o rosto, deixando o hálito quente roçar na pele dela. — Só cuidado para não se apaixonar... — disse com um tom provocativo. — Mas acho que você já sabe muito bem qual é o seu lugar. Serena manteve o olhar firme, embora por dentro o coração parecesse prestes a explodir. — Sei sim. E quanto ao se apaixonar... — ela respirou fundo. — Isso já aconteceu uma vez. E, sinceramente, duvido que aconteça de novo. As palavras saíram suaves, mas carregadas de mágoa. Alessandro piscou, surpreso com a resposta. Pela primeira vez, ficou sem reação. Antes que pudesse dizer algo, Serena desvencilhou-se do toque dele e se afastou. — Até mais, querido marido — disse, com um meio sorriso debochado. Ele ficou parado, observando-a se afastar pelo corredor, o som dos passos dela ecoando como um lembrete de que, talvez, subestimara a mulher com quem se casou. Serena, por sua vez, sorriu discretamente ao virar a esquina, surpresa com a própria coragem. Talvez estivesse, finalmente, aprendendo a lidar com Alessandro Castellani. Mais tarde, já sob o céu estrelado e a brisa fresca da noite, a varanda principal da casa estava animada. Homens contratados por Inácio tocavam violão e cantavam modas de viola, enquanto a família apreciava o momento. Serena, sonolenta, repousava ao lado de Alessandro. Ele fingia naturalidade, mas não conseguia ignorar o perfume suave que exalava do cabelo dela. Quando ela encostou a cabeça em seu peito, ele se sobressaltou internamente, embora por fora mantivesse a expressão neutra. Sabia que era apenas parte do teatro, mas o calor do corpo dela tão próximo o confundia. — Filho — disse Dona Eleonora com ternura —, sua esposa dormiu. Alessandro olhou para baixo. Serena estava entregue ao sono. Engoliu seco, sentindo-se desconfortável com a i********e da cena. — Acho que ela está cansada... — disse, levantando-se com esforço contido e a carregando nos braços. Antes que pudesse sair, a voz de sua mãe o deteve. — Alessandro... estou tão feliz. Serena é uma boa mulher. Não há nada melhor para uma mãe do que ver o filho assim... com alguém que o faça bem. Ele ficou sem palavras, apenas assentiu e seguiu com Serena nos braços, tentando manter os pensamentos longe da confusão que sentia. Ao subir as escadas, ela murmurou sonolenta, escondendo o rosto no pescoço dele. Alessandro fechou os olhos por um segundo. A respiração dela contra sua pele causava arrepios que ele preferia ignorar. Ao chegar no quarto, a deitou na cama. Serena se mexeu, e ao se ajeitar, o vestido subiu um pouco, revelando parte da coxa e a calcinha branca. Os olhos de Alessandro pararam ali, presos. Uma onda de desejo o atingiu com força. Ele se inclinou levemente, observando o contorno das pernas dela, o modo como dormia entregue, inocente. Engoliu seco, sentindo o próprio corpo reagir. Uma parte dele queria tocá-la, beijá-la. Mas algo o impediu. — Que merda... — murmurou, irritado consigo mesmo, virando-se bruscamente e indo ao banheiro. Jogou água no rosto, tentando se recompor. “Deve ser só abstinência... É só isso.” — pensou, encarando o próprio reflexo. Ao retornar para o quarto, cobriu Serena. Quando ela se mexeu e murmurou: — Acabei dormindo... obrigada... Alessandro apenas a observou em silêncio, depois apagou o abajur e se deitou de barriga para cima, fitando o teto escuro, perdido nos próprios pensamentos. A presença dela tão próxima era um tormento. Um desejo não convidado, mas impossível de negar. Na escuridão, ele soube que aquela noite seria longa.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD