A tarde se arrastava tranquila pela fazenda. Serena tomava chá na varanda ao lado de Dona Eleonora, sentada em uma confortável cadeira de balanço. O céu permanecia nublado, tingido de tons azulados e cinzentos.
Dona Eleonora, com um sorriso nostálgico no rosto, narrava passagens da infância de Alessandro, descrevendo-o como um menino teimoso. Serena a ouvia com atenção e um sorriso suave dançava em seus lábios. Por instantes, ela se permitia esquecer a dureza dos últimos dias.
Enquanto isso, no escritório, Alessandro e Inácio finalmente conversavam como pai e filho, algo que não acontecia há tempos. A tensão pairava no ar, mas a conversa seguia, ainda que com pausas longas e palavras medidas. O passado e o presente se misturavam em argumentos e silêncios.
Mais tarde, Serena saía da cozinha após um papo breve com Dona Alzira. O cheiro de pão assado e café forte ainda impregnava o ambiente. Ao cruzar o corredor, encontrou Alessandro e Inácio conversando no saguão. Antes que pudesse dizer algo, Alessandro a surpreendeu.
— Amor... — disse ele, com um sorriso quase convincente enquanto a puxava suavemente pela cintura e depositava um beijo em seu rosto.
Serena travou por um segundo. O gesto fora tão natural, tão diferente do homem ríspido que ela conhecia. Seu corpo se enrijeceu, e ela forçou um sorriso, lembrando-se do acordo entre eles. Não passava de encenação.
— Ah... Oi. — ela respondeu, controlando o tremor na voz.
— Minha querida — disse Inácio, com expressão carinhosa —, está matando a saudade da fazenda?
— Sim, estou sim... — ela respondeu com um sorriso sincero. — Hoje só não fui até meu barraco porque o tempo não ajudou muito. Mas em breve darei uma passada por lá.
Inácio assentiu, satisfeito, e se despediu com um leve aceno antes de se retirar para dentro.
Agora a sós, Alessandro e Serena trocaram olhares. Ele arqueou uma sobrancelha, com um sorriso irônico no canto dos lábios.
— O que foi? — provocou. — Não era pra tornarmos as coisas mais fáceis? Paz, serenidade... — inclinou o rosto próximo ao dela, baixando a voz. — Minha adorável esposa.
Serena soltou um suspiro e tentou manter o equilíbrio.
— Sim... melhor assim. — murmurou, forçando um sorriso.
Alessandro não se afastou. Ao contrário, aproximou ainda mais o rosto, deixando o hálito quente roçar na pele dela.
— Só cuidado para não se apaixonar... — disse com um tom provocativo. — Mas acho que você já sabe muito bem qual é o seu lugar.
Serena manteve o olhar firme, embora por dentro o coração parecesse prestes a explodir.
— Sei sim. E quanto ao se apaixonar... — ela respirou fundo. — Isso já aconteceu uma vez. E, sinceramente, duvido que aconteça de novo.
As palavras saíram suaves, mas carregadas de mágoa. Alessandro piscou, surpreso com a resposta. Pela primeira vez, ficou sem reação. Antes que pudesse dizer algo, Serena desvencilhou-se do toque dele e se afastou.
— Até mais, querido marido — disse, com um meio sorriso debochado.
Ele ficou parado, observando-a se afastar pelo corredor, o som dos passos dela ecoando como um lembrete de que, talvez, subestimara a mulher com quem se casou.
Serena, por sua vez, sorriu discretamente ao virar a esquina, surpresa com a própria coragem. Talvez estivesse, finalmente, aprendendo a lidar com Alessandro Castellani.
Mais tarde, já sob o céu estrelado e a brisa fresca da noite, a varanda principal da casa estava animada. Homens contratados por Inácio tocavam violão e cantavam modas de viola, enquanto a família apreciava o momento.
Serena, sonolenta, repousava ao lado de Alessandro. Ele fingia naturalidade, mas não conseguia ignorar o perfume suave que exalava do cabelo dela. Quando ela encostou a cabeça em seu peito, ele se sobressaltou internamente, embora por fora mantivesse a expressão neutra. Sabia que era apenas parte do teatro, mas o calor do corpo dela tão próximo o confundia.
— Filho — disse Dona Eleonora com ternura —, sua esposa dormiu.
Alessandro olhou para baixo. Serena estava entregue ao sono. Engoliu seco, sentindo-se desconfortável com a i********e da cena.
— Acho que ela está cansada... — disse, levantando-se com esforço contido e a carregando nos braços.
Antes que pudesse sair, a voz de sua mãe o deteve.
— Alessandro... estou tão feliz. Serena é uma boa mulher. Não há nada melhor para uma mãe do que ver o filho assim... com alguém que o faça bem.
Ele ficou sem palavras, apenas assentiu e seguiu com Serena nos braços, tentando manter os pensamentos longe da confusão que sentia.
Ao subir as escadas, ela murmurou sonolenta, escondendo o rosto no pescoço dele. Alessandro fechou os olhos por um segundo. A respiração dela contra sua pele causava arrepios que ele preferia ignorar.
Ao chegar no quarto, a deitou na cama. Serena se mexeu, e ao se ajeitar, o vestido subiu um pouco, revelando parte da coxa e a calcinha branca. Os olhos de Alessandro pararam ali, presos. Uma onda de desejo o atingiu com força.
Ele se inclinou levemente, observando o contorno das pernas dela, o modo como dormia entregue, inocente. Engoliu seco, sentindo o próprio corpo reagir. Uma parte dele queria tocá-la, beijá-la. Mas algo o impediu.
— Que merda... — murmurou, irritado consigo mesmo, virando-se bruscamente e indo ao banheiro.
Jogou água no rosto, tentando se recompor.
“Deve ser só abstinência... É só isso.” — pensou, encarando o próprio reflexo.
Ao retornar para o quarto, cobriu Serena. Quando ela se mexeu e murmurou:
— Acabei dormindo... obrigada...
Alessandro apenas a observou em silêncio, depois apagou o abajur e se deitou de barriga para cima, fitando o teto escuro, perdido nos próprios pensamentos. A presença dela tão próxima era um tormento. Um desejo não convidado, mas impossível de negar.
Na escuridão, ele soube que aquela noite seria longa.