O barulho do meu salto no chão de piso era audível. Claramente, não da forma elegante que queria, sim, por conta do meu maldito atraso. Caminhava pelo imenso corredor do escritório de maneira rápida, as pilhas de papéis em minhas mãos e meu foco procurando o relatório da contabilidade me impediam de ver qualquer um em minha frente.
— Olha por onde anda, Ariel! — senti mãos firmes em meu ombro e dei um giro rápido de oitenta graus, impedindo-me de cair ao chão e derrubar todo café que segurava junto aos papéis. — Como conseguiu carregar tanta coisa em uma mão?
Thomas Fernandez pegava sem permissão alguns papéis da minha mão após recompor a postura. Ele sorria de maneira leve para mim, um tipo de sorriso que transmitia paz. Thom era belíssimo, o tipo de homem que toda mulher seguiria com os olhos. O terno azul ficava levemente grudado em seu corpo, os olhos azuis pareciam o mar de tão cristalinos. Os cabelos loiros penteados com gel para trás, a pele bronzeada pelo clima gostoso de Ribeirão Preto.
— Desculpe, Thom, estou atrasada... demorei para dormir — disse enquanto andávamos até a porta da minha sala. — Senhor Soares já chegou?
— Sim, e sinto informar que está um porre — Thomas revirava os olhos enquanto colocava metade dos papéis na minha mesa. — Pesadelo novamente?
— Nada com que se preocupar! — dei leves batidas em seu ombro enquanto corria até minha mesa. — Tenho que ir logo para a sala dele!
— Ariel... Podemos almoçar juntos hoje? — sinceramente não conseguia ouvir nada que ele dizia, pois estava preocupada em colocar todos os papéis certos na pasta preta. — Ari?
— Sim, claro!
Foi a única coisa que disse junto de um sorriso forçado, mas que de maneira fácil parecia amigável. Um dos meus melhores talentos era parecer simpática e uma bela mentirosa. Fazia esse papel há vinte e quatro anos para minha família, amigos de serviço e pessoas que não conhecia. Era fácil enganar.
Thomas realmente era amigável e considerava ele um belo amigo. Sairia fácil dessa empresa e levaria ele para minha vida, mas no momento estava nervosa. Tinha um cargo importante na empresa de transporte, secretária principal do CEO, não foi fácil conseguir este emprego. Mas ultimamente, meus problemas pessoais estavam atrapalhando muito meu profissional.
— Licença, senhor Soares... — ajeitava a postura enquanto entrava na sala. — Aqui estão os papéis da contabilidade. Enquanto estava no caminho, já liguei e remarquei sua reunião para hoje às seis.
— Está atrasada, Gonzalez. Sente, precisamos esclarecer alguns pontos sobre hoje.
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Jogava meus óculos de grau na mesa, enquanto passava as mãos no rosto respirando fundo. O dia estava estressante, e não ter uma boa noite de sono não me ajudava. Já tinha enviado mais de três e-mails e respondido cinco, meu telefone tocava de dez em dez minutos e meu dia não estava indo bem.
Meu estômago roncava de fome, pois além de não ter parado, não havia tirado meu horário do almoço. Ao olhar no relógio, eram seis e quinze, mas precisava levar uma pasta ao RH antes de pensar em comer. Meu dia era assim, andava de cima a baixo por essa empresa, enviava e-mails, planejava reuniões.
Sinceramente, amava tudo aquilo. Ficar parada por muito tempo fazia meu humor entrar em melancolia.
— Mãe, pelo amor de Deus, estou no serviço! — atendia ao telefone irritada. — Faça o que a senhora e meus irmãos quiserem com a herança do papai! Mas me deixe em paz!
Desliguei o telefone antes que pudesse ouvir minha mãe me dizer algo. Tinha exatamente cinco meses que meu pai havia morrido, minha mãe me infernizava para voltar para a Itália. Não iria voltar, e nem tinha respondido aos e-mails do advogado, meus irmãos junto com minha mãe cairiam como lobos na carne exposta de dinheiro. Um ninho de cobra que eu não iria me colocar agora.
O nó em minha garganta se formava, meus olhos começavam a arder. Sentia meu coração palpitar, antes de começar a sentir o fôlego deixar meus pulmões. Peguei meus óculos e voltei a mexer no computador. O trabalho era a única coisa que me salvava de mim mesma e todos os sentimentos que me sufocavam. Enquanto ajustava os slides da reunião de hoje, balançava meus pés em baixo da mesa.
Três batidas na porta fizeram minha atenção se esvaziar.
— Gonzalez, o senhor Soares pediu para você ir até a firma do senhor Bastião. Pediu para você pegar uma encomenda, disse que iria, mas ele insistiu... — Anna, minha assistente, entrava na minha sala de maneira constrangida. — Desculpa atrapalhar.
— Que isso, Anna, não tem problema. Você pode dizer a ele que a reunião de hoje já foi enviada em PDF para ele. — levantava de maneira rápida enquanto pegava minha bolsa e chaves do carro. — Volto daqui uma hora, aguenta as pontas? — Anna era tímida e apenas sorriu balançando a cabeça. — Caso ele fale muito, conta até três e anote tudo que ele disser.
Entregava um sorriso leve às pessoas do escritório, acenei para Thomas assim que entrei no elevador, e a porta se fechou. Soltei um suspiro longo enquanto o elevador fazia seu trabalho de me levar ao térreo. Ignorei mais uma das inúmeras mensagens da minha mãe. Assim que entrei no carro, joguei tudo no banco do carona.
Hoje simplesmente o tempo em Ribeirão não estava agradável, a chuva estava intensa, o tempo totalmente escuro. Agradeci pela estrada estar vazia, poucos carros e o trânsito mais leve. Batucava os dedos no volante, cantarolando qualquer música em minha mente. Novamente ouvia meu celular tocar, era a décima ligação somente hoje. Revirei os olhos enquanto atendia.
— Ariel Gonzalez, não desligue! — minha mãe berrava do outro lado da linha. — Seu pai deixou uma cláusula específica, só podemos abrir o testamento com a sua presença. Já faz cinco meses! — o sotaque da minha mãe era forte enquanto tentava falar comigo em português. — Não acredito que ele fez isso! Você é uma bastarda!
— Por favor, se ligou para me insultar, irei desligar... — revirei os olhos enquanto diminuía a velocidade. Dois carros pretos se encostavam na lateral do meu, resolvi dar a passagem a eles. — Eu vou dar um jeito no trabalho e ver se consigo uma semana livre... — escutei minha mãe eufórica na linha. — Assim acabamos com essa novela.
— Quando?! — a voz dela alegre apertava meu coração. — Essa semana?
— Não, hoje é segunda, preciso deixar umas coisas em ordem no serviço ainda e... meu Deus! — gritei assim que um dos carros fechou o meu, freiei rapidamente para não bater no mesmo. O telefone rapidamente caiu do meu ombro.
Assim que olhei pelo retrovisor, o outro carro estava na minha traseira. Ambos estacionados de maneira estranha, impedindo que eu desse partida novamente. Antes que eu tivesse qualquer reação, armas foram apontadas em minha direção. Por reflexo, levantei as mãos, ouvia a voz masculina no vidro ao meu lado, um idioma que não entendia nada. Me encolhi de imediato assim que o barulho de um tiro foi ouvido, e o vidro do meu carro quebrado.
Gritei por espanto, assim que destravaram as portas me arrependi. Fui puxada pelo cabelo para fora do carro, a chuva forte rapidamente atingiu meu rosto, comecei a me debater, mas logo senti uma dor forte na cabeça e meus olhos se fecharam sozinhos.
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Podia sentir meu corpo deitado em algo frio e nada confortável. Assim que abri os olhos, estava em uma sala escura, praticamente um porão. Chão e paredes pintadas de preto, uma porta de ferro dava aonde uma pequena luz do vão da porta vinha.
Aquele lugar enorme fazia eco, eu sentia frio. Minha cabeça estava doendo e me sentia perdida. Isso poderia ser um pesadelo, não é mesmo, mas minha mente e coração diziam que não era. Levantei do chão, analisei a porta com a pouca luz que tinha, tirei meus óculos fazendo a limpeza e melhorando minha visão.
A porta abria direcionada para a direita, fiquei ali naquele canto quieta. Não sabia dizer se haviam passado horas, ou até mesmo minutos. Mas não iria deixar o medo me atingir, precisava saber onde estava e que merda estava acontecendo. Finalmente ouvi passos, logo fiquei alerta, a porta foi destrancada e pude ouvir a voz de um homem que não entendia muito bem.
Meu cálculo foi feito de forma correta, logo que abriram a porta, eu fiquei atrás da mesma. Mesmo meu corpo sendo meio volumoso, a porta me escondeu bem, esperei o homem chegar até a metade do caminho. Empurrei a porta apenas para dar espaço para passar, assim que passei por ela ouvi o homem gritar. Minha visão era de uma escada estreita, dando acesso a uma única porta.
Consegui subir metade da escada, mas antes que minha mão chegasse à maçaneta. Senti pegarem meu tornozelo, me puxaram para baixo e perdi o equilíbrio, meu queixo bateu contra a escada, virei meu tronco de maneira torta chutando o rosto do rapaz. Ele continuava gritando palavras que não entendia, aquele cara era bem mais forte que eu, apenas em um puxão ele pegou meu braço. Me puxou para frente daquela porta, e senti um tapa no meu rosto, meu ouvido direito zumbiu e meu corpo caiu no chão gelado novamente.
— Não entendo o que você está falando! — disse alto em inglês enquanto me arrastava para trás, tentando me afastar dele. Ouvi o rapaz rir, isso significava que ele me entendia.
Em menos de dois passos ele estava na minha frente, puxando meu cabelo, mesmo com o capuz podia ver seus olhos pretos brilhando. Novamente senti outro tapa, depois um chute seguido de outro. Não conseguia fazer nada além de gemer de dor.
Ouvi dois passos e logo dois rapazes segurando o homem que me batia. Eles gritavam um com os outros, em uma discussão estranha, um dos rapazes apontava para mim gritando para o outro. O homem direcionou o rosto na minha direção, me xingando finalmente em inglês, algo que entendia. Os três saíram daquele lugar me deixando sozinha novamente.