Rayssa
Entrei no hospital já sabendo que meu dia seria bem corrido. Hospital lotado e bem movimentado, e de certo parecem não resolver nada sem mim.
Entro no mesmo batendo ponto e colocando meu jaleco, passo na cozinha e tomo um café rápido, antes que alguém me chame, como sempre fazem.
— Rayssa! — Ouço a voz de Julia chamar por mim, eu digo que não tenho paz quando estou aqui dentro. — Que bom que você chegou!
— Qual é o problema da vez? — pergunto sentando numa cadeira próxima, para pelo menos ter a chance de tomar um café tranquila.
— Precisamos de você para fazer a troca de curativo de um paciente, ele acabou de sair da sala de cirurgia. — Julia se senta ao meu lado tomando o copo de café da minha mão. — Ele é uma fera, já xingou o hospital inteiro.
— E por que diabos eu tenho que ir agora para ser insultada? — pergunto irônica, era só o que me faltava. — Qual o boletim dele?
— O bope invadiu o morro, ele comanda a Penha. — Julia sempre era ligada a tudo que acontecia dentro do Rio de Janeiro, desconfio que ela seja dona de uma dessas páginas de fofoca. —Trocou tiro com a polícia e tomou alguns, os corredores estão cheios esperando a recuperação dele para ser encaminhado para o sistema prisional.
— De certo, boa bisca não é. — Julia olha para mim negando com a cabeça. — O que foi? Estou falando a verdade. Mas não vou ferir meu código de ética, infelizmente temos que tratar todos da mesma forma. — me levanto ajeitando o coque do cabelo e ando em direção à saída do refeitório. — Eu vou lá domar essa fera selvagem.
Sou enfermeira geral do hospital, então resumindo, eles precisam de mim para resolver absolutamente tudo. E quando não estou de plantão, eles me ligam. É um Deus que nos acuda!
Caminho pelo corredor em direção ao quarto que eu nem preciso perguntar qual era, já que havia vários policiais na porta vigiando.
Cumprimento eles e entro no quarto, vendo um homem com o cabelo bem sério deitado sob a cama hospital, e com um semblante nada agradável. Ele olhava fixamente para a parede e seus olhos pararam em mim, assim que passei pela porta.
Ainda com a ficha na mão, olhei todo o prontuário dele. O que esses caras pensam? Que tem peito de aço? Trocar tiro com o bope é dar um tiro no próprio pé.
Coloquei os utensílios que usaria para a troca de curativo em cima de uma mesinha próxima, e separei devidamente, tinha toque com coisas m*l organizadas.
— Filipe Carvalho? — pergunto e ele me olha sério.
— tu tá lendo meu nome aí, não sei por que tá me perguntando. — me segurei para não dar uma resposta a sua altura e meu emprego ir com Deus. Respirei fundo e revirei os olhos ficando de costas pra ele.
— Vim trocar seu curativo. — me aproximei colocando a mão sobre a borda de sua camisa, ele me olhou lançando aquele olhar mortal, para minha sorte, suas duas mãos estavam algemadas. — Posso? — me refiro em levantar sua blusa, já que os tiros foram na região do tórax, Deus gosta muito desse filho, pelo lugar, ele teria morrido em dois tempos.
Levanto sua camisa retirando o esparadrapo ali colado, com o auxílio de um algodão molhado com álcool 70. Ele faz uma cara de dor, mas não dou importância.
— Vai devagar aí, doutora! — Ele geme quando o algodão gelado entra em contato com sua pele, e eu sorrio por dentro.
— Eu sou enfermeira. — continuo retirando os outros curativos e faço uma certa pressão em um de seus ferimentos.
— Pra mim é tudo a mesma coisa. — olho para ele negando e observo aquele cabelo verde, um homem nessa idade com essas palhaçadas. Ele tenta levantar uma das mãos e a algema em contato com o ferro da cama faz um barulho, me fazendo assustar. — Dá pra fazer isso devagar ou eu tenho que quebrar seu braço?
Algemado? Olha a audácia desse ser inconveniente. Só Santo Cristo para me dar bastante paciência com esse tipo de paciente revoltado.
— Olha, eu acho que você não está em posição de me ameaçar. — finalizo o último curativo e abaixo sua blusa. — Eu posso perfeitamente injetar uma seringa de ar em suas veias.
— Isso não me mataria. — ele sorri irônico, deixando amostra todos seus dentes perfeitamente alinhados.
— Em pequena quantidade, não. — me ajeito colocando as gazes sujas na bandeja. — Mas o que me diz de 100ml de ar percorrendo suas veias até chegar em seu coração, fazendo você ter um ataque cardíaco? Ninguém saberia que foi esse motivo.
— Está me ameaçando, doutora? — Ele pergunta franzindo o cenho — Tá lidando com qualquer bandido não.
— Está falando uma língua desconhecida para mim. — me sento na poltrona em sua frente preenchendo o prontuário — Aqui dentro você é somente mais uma pessoa normal. E pela sua situação, vai deixar de ser bandido para ser um detento!
— Se eu cair lá dentro, não fico um mês. — sorrio negando com a cabeça e ele me olha. — Rayssa, né? Eu vou me lembrar dessa sua ameaça quando estiver lá fora.
— Que bom, isso significa que você tem uma ótima memória. E eu ainda não tirei a possibilidade de injetar ar em suas veias da minha cabeça. — me levanto tampando a caneta e colocando dentro do bolso pequeno do meu jaleco — Outra enfermeira voltara mais tarde para trocar sua bolsa de soro.
— Quero que tu faça isso! — Filipe fala num tom autoritário e sério.
— Esse hospital inteiro depende de mim para funcionar, então não estou disponível a qualquer momento só porque você quer que seja assim. — solto meu cabelo movimentando a cabeça para os cachos ficarem nos seus devidos lugares — Eu só passarei aqui amanhã para ver seus curativos. E se quiser um banho no leito, peça para chamar alguma técnica.
— Tu não pode fazer isso? — Que homem enjoado, nem as ameaças deu conta.
— Já tem gente que faça. — abro a porta dando de cara com aqueles polícias armados e olho para trás percebendo que seus olhos ainda estão em mim. — Vê se não xinga nenhuma das minhas meninas.
Fecho a porta caminhando para o setor de UTI, não é nem meio dia e já estou cansada.