Armin POV
– Por quê você olhar para Vikram assim?
Sua voz macia e confortável para meus ouvidos como um tufo de algodão reverbera naquelas paredes consumidas pela umidade.
Como ele queria que eu o encarasse?
Ele é o primeiro humano que eu vejo que tem orelhas de gato sobre a cabeça entre os cabelos e uma cauda no final de sua coluna da mesma cor com vida própria.
Uma aberração, sendo mais sincero.
Eu sentia meu corpo tremer me afastando dele receoso do que ele seria capaz de fazer comigo.
Ainda possuía muitos planos em minha mente, não queria morrer atacado por uma aberração como essa em um lugar tão imundo quanto este.
– De onde você veio?
Perguntei me afastando e ele pareceu não entender a pergunta assim como também não entendia minha expressão de medo e pendeu a cabeça para o lado.
Me entenda, nem de longe esse garoto, bicho ou sei lá o que, é feio, mas suas anomalias me deixavam nervoso demais para notar qualquer outra coisa com mais clareza.
– Daqui.
Ele aponta para onde ele estava e eu rio vendo que ele realmente não havia entendido a pergunta.
– Não. Eu perguntei de qual lugar você veio. Onde você mora?
Perguntei mais uma vez e ele bufou parecendo irritado com minhas perguntas, como se elas fossem desnecessárias.
Será que além da anomalia física ele também possui algum problema mental?
Ele tem uma fala atrasada e obviamente não está entendendo o que eu estou perguntando.
– Aqui!
Ele aponta mais uma vez para esta sala e eu balanço minha cabeça passando a mão por meu rosto.
Agora isso definitivamente tinha se tornado um problema para mim.
O que eu iria fazer com ele?
Se eu simplesmente não tivesse entrado aqui como um e******o, outra pessoa o acharia e com toda certeza não iria ser tão calmo quanto eu ao ponto de parar para conversar com esse bicho.
Ninguém teria tanta coragem quanto eu estou tendo agora mesmo que quase tendo um infarto de medo.
Mas mesmo sabendo que ele não tinha como ficar aqui, eu não poderia simplesmente sair com ele por aí.
Do jeito que as pessoas são maldosas, é bem capaz de dizerem que ele era um amante meu que estava escondido em minha casa e eu realmente não quero esse tipo de atenção.
Sem contar que, se perceberem a anomalia dele, vão querer estudar ele e vão machucá-lo.
Não que eu esteja do lado desse desconhecido que por acaso é uma aberração, mas isso meio que seria por minha culpa.
E se alguém estiver procurando por ele? E se ele for filho de alguém importante? Isso pode dar muitos problemas!
Aric sempre me falava de teorias conspiracionistas de que os filhos de pessoas importantes para o governo ou de ricassos que nasciam com anomalias eram abandonados ou escondidos da imprensa.
– Tudo bem, você lembra quem trouxe você aqui?
Perguntei ainda sem me aproximar daquela coisa com medo do que ele possivelmente iria me responder.
Então ele coçou a cabeça fazendo as orelhinhas rosadas por dentro remexerem me assustando.
– Mamãe mandou Vikram ficar aqui, e depois se foi!
Ele explica tentando se aproximar mais uma vez e eu me esquivo medroso vendo seus olhos parecerem meio perdidos ao que reagi assim.
– Você tá com medo?
Vi sua voz alterar para algo mais dócil - se é que isso era possível - então eu apenas afirmei verdadeiro, já que isso não era uma mentira.
Eu realmente estava com medo.
Mas não só dele.
Estava com medo por estar sozinho no mundo, estava com medo por saber que teria que me casar com Victor Goldberg, estava com medo das reações de meu pai ao perceber que eu não sou a favor dessa união...
Estava com medo de ser considerado o fracasso da família.
O único herdeiro que falhou em seus compromissos com sua família.
– Medo de Vikram?!
Mais uma vez vi ele com as sobrancelhas suspensas expondo mais ainda seus olhos azuis, então percebi que eu estava na verdade sendo um t**o ao pensar que ele era perigoso.
Se ele realmente fosse um selvagem perigoso ele já teria me atacado, certo?
Mas por não saber do que ele se alimenta e por quanto tempo ele está sem comer aqui, eu não vou me arriscar muito.
Afirmei novamente para a sua pergunta e vi suas orelhas se abaixarem um pouco mostrando que ele ficou meio decepcionado com minha resposta.
– Por quê?
Ele perguntou cabisbaixo e eu apontei para suas orelhas e cauda vendo as mesmas se colocarem de pé novamente.
– Orelha? O que orelha de Vikram tem?
Ele pareceu confuso e passou a mão pelas mesmas atordoado, então aquela visão me fez rir levemente.
– Tem coisa nela? Tira! Tira!
Ele correu até mim com a cabeça inclinada e eu arregalei meus olhos sem saber como reagir, se corria, se gritava ou se apenas permanecia em choque.
Mas quando ele chegou bem perto eu vi sua cabeça inclinada em minha frente e não resisti em tocá-las.
E com extremada delicadeza eu encostei meu indicador na orelhinha esquerda vendo a mesma protestar pelo toque me mostrando - pelo movimento e pelo calor da mesma - que não era uma fantasia.
E passando meus dedos até o final da mesma onde ela estava ligada com seu couro cabeludo me deixando um pouco mais surpreso do que estava.
Não eram de mentira.
Ele realmente tinha uma anomalia.
– Tirou? O que era? Era bicho?
Ansioso ele perguntou fazendo elas se mexerem e eu apenas fiquei espantado com a maciez das mesmas me afastando um pouco para entender melhor o que estava acontecendo.
– Você disse que sua mãe te trouxe aqui...
Mudei de assunto tentando não demonstrar o quão aterrorizado eu estava com aquela situação, e vi que ele me olhou ainda confuso.
– Sabe onde ela está? Assim eu posso te levar até ela e...
Antes que eu pudesse concluir minha sentença ele n**a veemente se afastando e abaixando suas orelhas para trás instintivamente.
– Vikram fica.
Seu semblante fechou e mesmo que eu tentasse dizer qualquer coisa eu não saberia exatamente o quê.
Tentei me aproximar dele para convencê-lo, mas ele recuou saltando para cima da escrivaninha e sibilando felino com os caninos expostos.
– Okay, tudo bem! Fica aí então!
Dou um basta me virando para sair.
Eu já tinha problemas o suficiente, não precisava de mais um tão grande quanto uma aberração de estimação.
Ele sobreviveu sozinho até agora, não é? Então vai conseguir se virar.
Eu preciso cuidar do que realmente importa para mim. Cuidar de meu melhor amigo que está devastado e de meus irmãos que precisam de apoio, e não de um alguém que eu conheci por acaso e que ainda por cima é um bicho.
Me virei batendo meu blazer com as mãos para tirar qualquer resquício ou vestígio de que eu estive aqui e comecei a andar em direção a saída.
– Você deixar Vikram sozinho?
Escuto a voz dele baixinha mas apreensiva e parei de andar ao perceber em seu tom de voz que ele estava assustado. Talvez até mais do que eu.
Me virei suspirando e me surpreendo ao ver que ele já estava atrás de mim com os olhos azuis brilhantes cheios de lágrimas empoçadas.
– Eu não posso te tirar daqui, Vikram. E se sua mãe voltar?
Expliquei para ele que não parecia muito convencido disso, então suspirei pegando ele pelos ombros e o guiando até o sofá o colocando sentado.
– E se machucarem você por estar comigo? Você precisa ficar aqui.
Digo e vejo ele ficar um pouco mais abatido olhando para suas mãos em seu colo.
Percebi finalmente que ele possuía alguns machucados nas mesmas e seus pés estavam no mesmo estado, sem contar com suas roupas não tão limpas.
Senti pena ao vê-lo assim, já que sobre ele, nesta casa, vivemos confortavelmente alheios do que ele passa aqui.
Mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa vejo que ele erguer a cabeça com um sorriso travesso no rosto.
– Então promete que vai visitar Vikram? Promete?!
Ele pergunta estendendo o dedinho em forma de promessa.
Era uma verdadeira infantilidade aquele ato, mas de alguma maneira eu me senti em débito com ele por ele estar maltratado daquela forma aqui sob nossos pés.
Uni nossos dedinhos rindo levemente agora um pouco mais distraído dos problemas que passei em meu dia por ter Vikram sorrindo para mim como uma criança feliz apenas por aquela promessa insignificante.
Talvez eu nem mesmo voltasse aqui, já que agora tinha um motivo bem plausível para não voltar, mas agradecia mentalmente por ele ter me distraído no meio de tanta dor.
Ele conseguiu me fazer rir em um dia como esse, então talvez ele não seja alguém tão r**m assim.
– Tudo bem, então. Mas só uma vez por dia!
Adverti mesmo não tendo tanta certeza assim de que voltaria, e ele torceu o nariz cruzando os braços em descontentamento com um bico em seus lábios avermelhados.
– Duas vezes!
Ele exige e eu rio não crendo nas exigências daquele garoto.
Então apenas suspirei rendido afirmando e fazendo ele sorrir largo e me abraçar de súbito e eu arregalo os olhos assustado pela proximidade.
Sem contar que é totalmente antiético um rapaz solteiro estar sendo abraçado por um homem que nunca viu em toda a sua vida.
– Qual seu nome, moço?
Ele perguntou ainda agarrado em mim e eu engoli a seco meio nervoso.
Se nos vissem daquele jeito eu com toda certeza estaria arruinado!
Bocas maldosas diriam que eu perdi minha virtude e meu recato e isso era realmente muito vergonhoso.
– Ar-Armin...
Gaguejei e ele esfregou as orelhinhas em meu pescoço sorrindo satisfeito e eu arrepiei pela sensação, mas ainda sim assustado e com medo do que pudessem pensar.
– A-Até, Vikram!
Me solto dos braços dele e subo as escadas correndo até me ver no hall da mansão Black novamente.
Respirei aliviada e senti o cheiro doce de Vikram em mim.
Eu só podia estar ficando doido, era isso.
Um humano com feições de gato, Armin?! Você só pode estar perdendo sua sanidade!
O que eu vou fazer com esse homem em meu porão?
E se descobrirem que eu estou escondendo ele lá?
E se descobrirem que ele encostou em mim?!
Meu pai vai me mandar para um colégio de padres!
Sinto calafrios me percorrerem só de pensar nisso.
Se bem que tudo é melhor do que me casar com alguém da família Goldberg.