As fotografias

1435 Words
Selena perguntou se a filha iria para a cidade com ela, mas Julie negou, disse que queria passar o restante das férias com seu avô. Raul apreciava a companhia da neta, era a única dos doze netos que realmente se preocupava com ele. Selena sabia que Julie estava arrumando desculpas para fugir daquele encontro com o tal noivo que sua mãe lhe arrumou. Antes de entrar em seu carro ela tratou de dar alguns conselhos a filha: ___ Terá um final de semana inteiro para refletir sobre sua decisão de fazer faculdade de medicina com um futuro promissor. Sabe que tem meu apoio Julie! (Disse Selena lhe beijando a face) ___ Mãe eu não quero me casar... (Julie disse com a voz triste) Selena lhe enviou um olhar cheio de impaciência, iria entrar no carro mas recuou, voltou para perto da filha: ___ Você acha que eu quis me casar? Seu avô me obrigou e apesar de hoje não estarmos mais casados foi através dele que me tornei a mulher que sou hoje! Consegui um lugar de destaque na sociedade e tenho sucesso! (Disse Selena) ___ Mas a senhora não é feliz! (Disse Julie) Poucas vezes ela enfrentava a mãe, sabia que Selena tinha argumentos, não era atoa que era uma renomada e respeitada advogada criminal, ela defendia as vítimas de tentativa de assassinatos e não tinha a capacidade de defender a própria filha: ___ Eu não quero seguir os seus passos mãe! Já tenho idade suficiente para decidir meu destino! ___ Filha você ainda é uma criança! Dediquei os anos da minha vida por você e não acha injusto não ter nada em troca? Tudo bem que queira fazer esse curso de fotografia mas não vou abrir mão que conheça Fábio, ele estava ansioso por esse encontro desde que você tinha quinze anos. ___ Tá bom mãe, eu aceito ir conhecê-lo como a senhora quer mas agora me deixe sozinha por favor! Quero passar esse final de semana em paz aqui com meu avô! (Julie pediu quase sem ar) ___ Tudo bem meu amor! Você não vai se arrepender de conhecer Fábio Arantes, ele é o único homem nesse mundo digno de você! Selena se retirou com seu carro, os demais parentes também partiram deixando Raul a sós com a neta na varanda. Raul não precisou fazer algum esforço para ver a tristeza nos olhos de Julie. Ela esforçou para sorrir, pegou uma coberta e colocou sobre as costas do avô: ___ Obrigada querida! (Disse Raul) ___ Vovô vou revelar algumas fotos no porão se precisar de mim pode me chamar! (Disse Julie beijando o rosto do avô) Julie enxugou a primeira lágrima que escorreu no canto de seu olho e foi às pressas em busca de sua câmera que estava na sala. No porão da casa da fazenda seu avô tinha construído um laboratório de fotografia para ela. Sabia que ali era o único refúgio que encontrava para escapar de sua mãe. Julie passava horas trabalhando em suas fotos, se isolando do mundo a sua volta. Enquanto suas primas da sua idade estavam frequentando baladas, "curtindo" a noite com bebidas e rapazes, Julie só queria paz e só encontrava enquanto fotografava a natureza ou estava ali preparando o processo para revelação. Aquela tarde Julie tinha um motivo a mais para estar ansiosa naquele porão. Havia captado várias fotos daquele desconhecido na floresta e ela estava curiosa para ver os detalhes das fotos. Preparou tudo e começou a trabalhar. Mesmo em pleno século XXI Julie apreciava o processo rudimentar da revelação de filme negativo, para ela era mágico e lhe dava prazer. Ainda pensava em comprar uma impressora para trabalhar mais rápido no processo de revelação, mas era um projeto para o futuro quando iniciasse o curso de fotografia na universidade. Assim que as luzes iniciaram o processo de infravermelho Julie começou a ver os sinais do rosto daquele homem. Para sua surpresa era um um homem muito bonito, apesar de também ter carácter de alguém que vivia nos século passado com aquelas roupas simples e gastas. Usava uma calça de tecido fino, e o peito largo juntamente com o tórax forte e cheio de músculos rígidos enchiam os olhos de Julie de curiosidade. "O que ele fazia ali na mata?" pensava Julie observando as feições delicadas de seu rosto. Nunca havia se sentido envolvida em olhar uma simples fotografia, ainda mais de um desconhecido. Guardou todos os seus instrumentos de trabalho e levou a foto consigo. Uma empregada preparava o jantar e seu avô estava na cozinha tentando conectar seu velho rádio a alguma estação FM para ouvir o noticiário. Julie sentou se ao lado dele e mostrou a fotografia: ___ É um belo rapaz! Seu namorado? Sua mãe vai ficar uma fera se souber disso! (Disse Raul) ___ Não vovô, não o conheço... Tirei essa foto sem seu conhecimento quando eu andava pela propriedade... Na verdade me afastei das terras da fazenda e o vi na cachoeira... Achei estranho alguém vestido de trapos em um lugar deserto... Raul lhe deu um sorriso cheio de orgulho, ela era sem dúvida a neta que mais amava, mesmo sendo adotada, Julie tinha o seu velho coração: ___ Pode usar seu talento com a fotografia como detetive! Vai encontrar muitas pistas por aí! (Disse Raul) Uma música ainda cheia de chiado começou a tocar, aos poucos foi sintonizando a estação: ___ O senhor o conhece? (Disse Julie) ___ Não nunca vi esse rapaz por aqui...Mas temo que seja um dos habitantes da comunidade fechada! (Revelou Raul animado com a música) ___ Comunidade fechada? (Disse Julie se mostrando confusa e curiosa) ___ Espere vou buscar algo para te esclarecer melhor! (Disse Raul se levantando e apoiando em sua bengala de p*u) Julie sentia que fazia parte de uma investigação criminal. Cresceu vendo sua mãe agitada pela casa tentando encontrar uma forma de defender seus clientes e sabia o quão tedioso era aquela vida. Mas naquele instante seu avô lhe despertou ainda mais sua curiosidade sobre o desconhecido que havia fotografado. Raul retornou a cozinha e colocou sobre a mesa um velho jornal, já amarelado pelo tempo que ficou guardado: ___ Aí está! A primeira e única reportagem sobre a comunidade fechada! Ganhei esse jornal de Emílio o fundador dessa comunidade. Ele era um bom amigo, me arrependo amargamente de não ter ouvido suas palavras e o seguido em sua aventura! Na época eu era muito jovem não queria perder os prazeres da vida! Julie segurou o jornal com medo de rasga-lo pela fragilidade do material. Seu olhos azuis estavam atentos ao que lia. E seu avô estava atento ao jantar que a sua fiel cozinheira preparava. Sabia que aquele assunto prenderia a atenção de Julie, ela era inteligente e sensível ao contrário de sua mãe: ___ Essa comunidade existe mesmo? (Perguntou Julie assustada com o que descobria) ___ Sim, e provavelmente esse rapaz que você encontrou é um habitante nato desse lugar! Procure ter cuidado Julie, eles não são civilizados, se isolaram do mundo criando suas próprias leis e regras, não aceitam ninguém fora da linhagem sanguínea, ou seja só aceitam os filhos dos fundadores... ___ Porque se isolaram? (Disse Julie curiosa) ___ Por causa da maldade que há no mundo! Conseguiram uma ordem judicial para não serem perturbados, Emílio tinha muito dinheiro e depois que mataram sua mãe e seu irmão caçula ele não queria mais riqueza alguma. Mais dois colegas amigos meus na época foram seus discípulos, eles criaram uma espécie de abrigo na floresta, longe da vida urbana e ali levaram suas mulheres e vivem há quarenta anos assim, sem nunca retornar para cá...(Disse Raul) ___ Mas e como sobrevivem? (Perguntou Julie espantada com a verdade) ___ Como nossos ancestrais. Buscam tudo que precisam na natureza. Não necessitam de nós, não nos querem junto deles... Emílio me disse que criaria uma comunidade sem tecnologia, sem política e sem violência e cumpriu sua promessa ... As crianças estudam, brincam mas a vida é sempre limitada, não falam sobre nós... Apenas quando crescem e decidem partir que descobriram o mundo aqui fora... O maior medo dos pais da comunidade fechada é quando os filhos tomam conhecimento do mundo exterior e desejam conhecer o que aqui há... Muitos nunca mais voltam para suas famílias... A história que seu avô lhe contava parecia ter saído de alguma fábula, Julie estava perplexa com cada palavra. Não conseguia nem imaginar que em pleno século XXI existiam pessoas que se submetem a uma vida sem tecnologia, sem perspectiva alguma. Aquilo a assustou como também serviu para aguçar ainda mais sua curiosidade.
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