O ECO DA TENTAÇÃO
O quinto dia amanheceu com um brilho diferente, mas não o brilho da leveza do dia anterior. Havia uma luminosidade ardente, quase desafiadora, espreitando por trás das nuvens finas. Estrela acordou antes do despertador, mas a sensação de bem-estar de antes havia sido substituída por uma inquietude sutil. O corpo, agora adaptado à nova alimentação, ansiava por algo mais, algo que ela conhecia de uma vida pregressa.
Ao se dirigir ao Cantinho com Deus, a mente de Estrela divagava. Em vez da gratidão fluída, pequenos flashes de memórias de sabores esquecidos invadiam seus pensamentos. Um pão de queijo quentinho, o aroma inconfundível do café fresco acompanhado de um bolo de fubá, o crocante sabor de um frango assado bem temperada.
Ela balançou a cabeça, tentando afastar as imagens.
"Pai, eu Te agradeço pela força que me deste até aqui," ela começou a orar, a voz um pouco mais rouca do que o normal. "Ajuda-me a resistir às tentações que se levantam. Que o meu propósito seja maior que qualquer desejo."
A leitura dos Salmos foi um pouco mais difícil. Suas palavras pareciam distantes, e a mente de Estrela lutava para se concentrar. Ela sentia como se a "purificação" do dia anterior tivesse aberto caminho não só para a leveza, mas também para os ecos mais profundos de seus antigos hábitos.
Quando Eliandre se levantou, o sorriso de Estrela era um esforço consciente.
Eliandre: "Bom dia, meu amor! Tudo bem? Parece um pouco pensativa hoje." Ele a abraçou, e Estrela sentiu o conforto familiar.
Estrela: "Bom dia. Estou bem, sim. Só... pensando. É engraçado como a gente se sente diferente a cada dia nesse processo, né?" Ela tentou parecer casual, enquanto preparava sua porção de frutas e um omelete com café sem açúcar.
Eliandre serviu-se do café e pegou um pedaço do pão que havia comprado na padaria. O cheiro de pão fresco se espalhou pela cozinha, e Estrela sentiu um leve tremor no estômago.
Eliandre: "Ah, sim. O corpo tem as suas próprias fases. Mas você está indo muito bem. Quase uma semana já!" Ele deu uma mordida no pão, e Estrela teve que desviar o olhar.
Estrela: "É... quase lá." Ela focou em seu mamão, tentando sentir a doçura e a textura, mas a imagem do pão persistia. "E, sabe, eu percebi que não é só a comida que me testa. É a rotina, os pequenos detalhes que me lembram o que eu costumava fazer."
A manhã, que antes parecia leve e produtiva, agora se arrastava. Estrela se viu checando a geladeira mais vezes do que o normal, olhando para as frutas e avistou alime que Eliandre consumia. A clareza mental do dia anterior havia cedido lugar a uma névoa de desejos reprimidos.
Enquanto realizava suas tarefas, o sol parecia mais quente, o ar mais denso. Era como se a natureza mesma estivesse participando do seu desafio interno. O desafio não era mais a dor física da desintoxicação, mas a batalha com a própria vontade.
Ao final do dia, Estrela sentou-se exausta, não por esforço físico, mas pela luta constante contra seus próprios impulsos. O quinto dia não trouxe a recompensa da leveza, mas a dura lembrança de que a disciplina é um caminho contínuo, e que as tentações podem surgir mesmo quando se pensa que a batalha está ganha.
O que o sexto dia traria? Uma rendição momentânea ou uma renovação ainda maior da força de vontade? E como essa luta interna impactaria sua percepção sobre o verdadeiro propósito de sua jornada?