Capítulo 12

956 Words
Benjamim Narrando Eu não aguentava mais. Minha mãe, meu pai e eu passamos o dia inteiro presos naquele cofre enquanto os tiros rolavam lá fora. Jacaré apareceu dizendo que era para a nossa proteção, mas que tipo de proteção era essa que deixava a gente numa caixa de ferro, sem ar direito, enquanto ele brincava de herói lá fora? Quando o cofre abriu, eu não pensei. Saí e abracei ele. Foi instinto, sei lá, um alívio por saber que ele tava vivo e tinha resolvido tudo, mas no segundo seguinte me arrependi. Ele percebeu meu abraço e sorriu, claro. Mas aí me lembrei de tudo e voltei pra minha postura. Ele não ia me enrolar com esses papos dele de "é o que precisa ser feito". — Que bom que está bem, — disse, tentando disfarçar o nervosismo, mas logo dei um passo pra trás, cruzando os braços. Dona Amélia, minha mãe, não conseguiu segurar e chorou. Mesmo no meio desse caos, ela acreditava em tudo que Jacaré dizia. Eu? Nem tanto. O cara gosta de fazer pose de protetor, mas é ele quem arrasta a gente pra esse tipo de vida. Fui pro sofá, deixei minha cara emburrada bem à vista pra ele entender que eu não tava satisfeito. Ele chegou, como quem não quer nada, jogou as pernas na mesa e ficou me olhando com aquele sorrisinho safado de sempre. — Vai ficar nessa marra aí até quando, moleque? Não respondi de cara. Fiquei pensando em como dizer que tava cansado disso sem explodir. Mas explodi. — Até você me explicar porque minha família teve que passar por tudo isso! — Escuta aqui, moleque... Lá vinha ele. Começou a falar de como a vida é difícil, de como ele protege a gente e blá, blá, blá. Eu tava cansado dessas desculpas. Ele queria parecer um herói, mas pra mim ele só fazia parte do problema. Não era a solução, era o motivo pelo qual os tiros nunca paravam. Se não fosse Jacaré, minha família podia estar longe, levando uma vida comum, sem essa loucura toda. Levantei e fui pra cozinha, deixando ele no sofá. Peguei um copo d'água pra tentar acalmar os nervos. Ouvi Jaguatirica entrando e falando com ele sobre os aliados do Plutão, gente perigosa que provavelmente ainda tava solta. Então, qual é? A guerra não acabava nunca. Sempre tinha um inimigo, uma revanche, um tiro. E nesse meio, onde ficava minha família? Enquanto lavava o copo, ouvi minha mãe falando baixinho com Jacaré. Ela pedia pra eu entender o lado dele, pra eu "aceitar como são as coisas", mas eu não conseguia. Por mais que ela tentasse justificar, pra mim não tinha justificativa. Talvez eu fosse ingênuo. Talvez eu não entendesse as regras desse mundo. Mas de uma coisa eu sabia: essa vida nunca foi uma escolha minha, e eu me recuso a achar que isso aqui é normal. Encostei na pia e fiquei ali, ouvindo os sons lá fora: motos acelerando, risadas dos caras que pareciam vitoriosos, como se tivessem conquistado algo grande. Mas no fundo? Era só mais um dia onde todo mundo perdeu alguma coisa. Fiquei ali na cozinha por um tempo, encarando a pia. O barulho de risadas e motos lá fora parecia diminuir, mas dentro de mim, a raiva só crescia. Por que tudo tinha que ser assim? Não bastava só sobreviver, sempre tinha que ter alguém por cima, alguém perdendo, e sempre nós no meio do fogo cruzado. Depois de um tempo, Jacaré entrou na cozinha, despreocupado como sempre. Abriu a geladeira, pegou uma garrafa de cerveja e me olhou por cima do ombro, como se nada tivesse acontecido. — Moleque, tu fica bravo como se fosse dono da verdade. — Ele falou, abrindo a garrafa com a mão e dando um gole. — Tu não entende o mundo em que a gente tá. — Não quero entender. — Respondi, olhando direto pra ele. — Quero sair dele. Ele deu um sorriso de canto e balançou a cabeça, como quem diz "esse aí ainda não sabe de nada". Isso só aumentou minha irritação. — Sair? Pra onde, Benjamin? Tá achando que é tão fácil assim? Tu nem imagina como esse mundo é pequeno quando cê tá na minha posição. Tudo que tá em volta, cada esquina, é cercada por gente que quer o teu lugar, tua vida, ou o pouco que cê tem. — Não é meu problema, Jacaré. É teu. Foi você que escolheu isso. Minha mãe, meu pai, eu... a gente nunca pediu por nada disso. Ele ficou sério por um momento. Finalmente, parecia que alguma coisa do que eu tava dizendo tinha batido. Ele colocou a garrafa na pia e ficou em silêncio. Achei que ele fosse rebater, como sempre fazia, mas dessa vez ele só me olhou. — Eu não escolhi tudo isso, moleque. As escolhas que eu tinha eram viver ou morrer. Eu fiz o que precisava pra sobreviver e pra garantir que gente como você pudesse ter uma chance de sair disso. Fiquei quieto, mas não porque tinha concordado com ele. Parte de mim sabia que talvez fosse verdade, que ele tivesse lutado desde cedo pra não ser engolido por tudo isso, mas ao mesmo tempo, me incomodava como ele aceitava viver assim, como se não houvesse outra opção. — Então por que você não para? Por que não tenta mudar? — Perguntei, mais baixo agora. Jacaré deu uma risada curta, seca, sem humor. — Porque nesse jogo, Benjamin, parar é morrer. Ele pegou a cerveja da pia e saiu da cozinha, deixando o som das motos e das risadas se misturarem ao eco daquelas palavras. "Parar é morrer." Mas viver assim, pra mim, já era como estar morto.
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