Capítulo 20

1100 Words
Benjamim Narrando Saí bem cedo com minha mãe naquele dia. Ela estava decidida a fazer compras para a casa, e como meu pai ficou em casa, cuidando da carne assada que estava preparando, eu acabei acompanhando. Minha mãe já estava empolgada para mudar tudo, como sempre, fazer a casa ficar mais aconchegante. Eu nem estava com tanto ânimo para isso, mas sabia que a distração me ajudaria a ficar longe dos pensamentos que insistiam em me acompanhar. Nós estávamos percorrendo as lojas, ela se empolgando com os preços, escolhendo os objetos, e eu apenas seguindo. De vez em quando, me distraía olhando algum item novo para o meu quarto, mas a verdade era que, naquela manhã, eu estava em uma encrenca mental. Estava tentando processar toda a turbulência de ter saído da casa da tia, as palavras não ditas, a minha relação com o Jacaré. Era um momento conturbado, mais confuso do que parecia, mas tentar focar nas compras foi uma maneira de tentar aliviar o peso daquilo tudo. De repente, senti alguém trombar nas minhas pernas. Olhei rapidamente, já achando que era algum adulto distraído. Quando olhei melhor, percebi que era uma criança. Uma menininha. E, para a minha surpresa, era Valentina, a neta da dona Amélia, que sempre estava pela casa de Jacaré. Ela sorriu e, com o olhar iluminado de quem lembra de algo, começou a puxar papo: — Ei, você é o Benjamin, né? Eu vi você com o tio Jacaré! — ela exclamou, olhando para mim com aquela carinha de quem tenta ser super fofa, mas sem deixar de ser sincera. Ela me reconheceu. Eu dei um sorriso desconfortável, lembrando da primeira vez que a vi, lá na casa do Jacaré, e como ela parecia ter carinho pelo cara. Não era algo que eu esperava, ali no meio de tantas outras pessoas no shopping. — Ah, oi, Valentina. É… tudo bem com você? — tentei falar, ainda meio surpreso com o encontro inesperado. Ela era uma criança bem fofa, mas eu não estava com muita paciência para essas coisas agora. — Tá tudo bem! Vovó Amélia falou que você e o tio Jacaré se ajudaram. Ele é meu tio, sabia? — ela disse, fazendo uma carinha meio entusiasmada, mas sem saber exatamente o que aquilo significava pra mim. Eu tentei manter a calma e, ao mesmo tempo, também não queria ser rude com ela, apesar de estar em um daqueles dias complicados. — É, sei sim… Ele é… bem, é difícil de entender algumas coisas, Valentina. Mas… como vai a casa? Todos estão bem por lá? — perguntei, tentando desviar a conversa para algo menos pesado, algo mais amigável, para não soar distante ou impessoal. Ela me olhou com curiosidade, como se ainda não soubesse muito sobre o que eu queria dizer, mas sua resposta me pegou de surpresa: — Tudo bem, sim! Vovó Amélia gosta muito de você. Fala que você é bom, que fez o tio Jacaré não brigar com todo mundo. Mas eu gosto de todo mundo. Eu só sorri, sentindo uma certa estranheza na situação. A conversa foi leve, mas ao mesmo tempo pesada, pelo que estava envolvido, por quem era o Jacaré e o papel que ele estava jogando na minha vida, ainda que de formas complicadas. Aquela criança inocente me fazia pensar no que ela realmente sabia sobre tudo, sobre as coisas que ninguém se atrevia a falar abertamente. Dessa vez, a conversa não foi mais longe, porque minha mãe se aproximou e, ao ver Valentina, deu um pequeno sorriso. Parecia que elas se conheciam de alguma forma, e logo a criança foi chamada de volta pela tia Amélia, antes que qualquer conversa mais profunda acontecesse. Mas eu fiquei ali, ainda refletindo sobre o que tinha acabado de acontecer. Depois que Valentina se afastou, eu fiquei ali, com a cabeça ainda cheia de pensamentos sobre a conversa com ela. À medida que ela ia se distanciando, minha mãe apareceu do nada, se aproximando de mim e me puxando para uma conversa mais calma, como se tudo tivesse voltado ao normal. — Nossa, Valentina é uma gracinha, né? Fiquei até emocionada de ver ela toda animada falando com você, Benjamin. Ela tem um jeitinho tão puro, sabe? — minha mãe disse, sorrindo com aquele olhar materno, como se ela tivesse acabado de ver um raio de luz no meio da bagunça toda. Eu não negava que a criança era fofa, mas estava mais preocupado com o que estava na minha cabeça, as complicações da minha vida. Mas, mesmo assim, tentei me concentrar no que ela dizia. Ela continuou, com aquele sorriso de quem teve uma boa ideia. — Acho que seria legal comprar um presente para ela. Para quando tivermos a oportunidade de nos encontrarmos de novo. Você sabe, para não perdermos a chance de fazer um agrado. E, quem sabe, ela ficaria muito feliz. Achei a sugestão da minha mãe uma boa ideia. Eu nunca tinha pensado nisso, mas ela estava certa. Valentina parecia uma boa criança, sempre tão simpática, e poderia ser bom mostrar que gostávamos dela também, de uma forma mais pessoal. Isso não me tirou da cabeça todas as questões que envolviam a nossa situação com o Jacaré, mas percebi que era uma forma simples de fazer algo leve, algo sem amarras. — Boa ideia, mãe. Acho que ela vai gostar, sim — eu disse, sem demonstrar o cansaço que sentia por dentro. Afinal, estava tentando me abrir um pouco mais para a leveza do momento, esquecendo, mesmo que por um momento, dos outros problemas. Então, seguimos para a loja que minha mãe tinha em mente, onde encontramos um presente bem simpático para Valentina, algo que eu achava que ela iria gostar. Compramos um brinquedo que parecia divertido e colorido, com uma pelúcia fofinha. Nada muito caro, mas com muito carinho, só para agradar mesmo. Após a compra, voltamos para casa, e a viagem de volta foi mais tranquila. Durante o percurso, minha mãe e eu falamos sobre outras coisas: como estávamos nos adaptando à nova casa, coisas do cotidiano. No fundo, eu ainda estava absorto em tudo o que acontecia, mas sentia que talvez, para um instante, eu tivesse conseguido dar uma pausa àquela inquietação toda. Quando chegamos, entreguei o presente à minha mãe e ela colocou em um lugar visível, pensando quando seria a melhor ocasião para entregá-lo. E, mesmo que uma parte de mim continuasse se perguntando sobre tudo, estava tentando continuar o fluxo normal das coisas. Mas lá no fundo, uma sensação estava clara: algo dentro de mim começava a se transformar.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD