Jacaré Narrando
Depois de saber da fita que tão querendo invadir meu morro, eu já não tava conseguindo dormir. Já organizei os vapores, cada um em um lugar estratégico, e mandei os olheiros ficarem esperto. Qualquer movimento estranho, é pra passar o rádio. O Jaguatirica descobriu que o Plutão tá querendo invadir por causa das drogas de qualidade que mandei vender na boca, e ele tá querendo as recompensas. Mas se depender de mim, ele é homem de morte e ainda tiro o morro Pão de Açúcar dele.
— Aí, Jaguatirica, tem mais alguma novidade? — Passei o rádio pra ele.
— Tem não, mano. Por enquanto, tá tudo na paz. — Ele responde.
— Já é, mano. Qualquer coisa, mete bala, derruba tudo.
Aproveitei que a Valentina não tava no barraco hoje e desci pro boteco pra comer uma quentinha. Quando sentei, escutei o rádio chiar e já peguei, achando que tava vindo B.O.
— Patrão, o moleque lá que levou os tiro tá aqui na contenção com os coroas querendo subir. — Quando o vapor falou que o moleque tava lá, já comecei a sentir um bagulho estranho e um nervosinho.
— Pode liberar a subida deles, fala pra ir direto pro meu barraco. — Paguei a quentinha, montei na moto e subi a mil pro meu barraco.
Fiquei esperando eles na porta, e de longe vi o Nivus chegando perto do meu barraco. O coroa do moleque buzinou, eu fiz sinal com a mão, ele parou o carro e desceu, mas vi que o moleque ficou dentro do carro, me olhando com cara de bolado.
— E aí, coroa, suave? — Falei e fiz toque de mão com o coroa.
— Tá tudo bem, trouxe o Benjamim pra conversarmos todos juntos. — O coroa fala, e eu faço sinal pra entrar.
Os coroas entraram, e eu fui na porta do carro, fiquei esperando o moleque descer. Ele me olhava com sangue nos olhos, mas não me assustei não, já tava acostumado com cara feia.
— Tu não vai descer não, moleque? Eu não mordo, a não ser que me peça. — Falei, e depois me arrependi. Não sei o que acontece comigo, quando tô perto desse menino, falo umas coisas e me sinto tudo estranho.
— Você é m*l educado mesmo. — Ele desceu do carro e passou por mim, batendo no meu ombro.
— A moleque abusado... — Retruco pra mim mesmo.
Entrei pro meu barraco e vi que o moleque olhava tudo de cima a baixo, mas percebi que ele gostou do que viu. Ele foi sentar junto com os coroas dele, e eu sentei no sofá de frente pra eles.
— Fala aí, qual é o assunto da visita? — Já fui direto.
— Então, tivemos uma conversa com o Benjamim, e ele decidiu por ele mesmo que queria vir aqui te pedir desculpas por ser m*l educado. — A coroa dele fala, e ele olha pra ela, bolado.
— A senhora sabe que não é verdade. — Ele fala e leva um beliscão dela.
— Desembucha, Benjamin! — Ela fala.
— Não é verdade o que ela falou, mas mesmo sendo obrigado, vim aqui te pedir desculpas pelo que falei e pensei sobre você. — Ele falou, revirando os olhos.
— Tranquilo, tá tudo certo, só tu que tá nas paranóias. — Eu falo.
— Tem um banheiro por aqui? — Ele perguntou, e eu fiz sinal pra ele me seguir.
Subi as escadas com o moleque na minha frente e reparei que ele tem um bundão, mas logo afastei esses pensamentos. Sou hetero, não tenho que ficar reparando em b***a de homem. Ele entrou no banheiro e bateu a porta.
— Tem geladeira em casa, não, p***a? — Eu falo e escuto ele respondendo: “Não.”
Ele abriu a porta do banheiro, e eu fiquei parado na frente da porta, impedindo ele de sair.
— Dá pra sair da minha frente? — Ele fala, tentando me empurrar, mas é em vão.
— Se me pedir com educação, eu saio. — Eu falo e rio da cara dele.
— Até parece que você tem educação. — Ele revirou os olhos.
— Vamos ver se vai revirar o olho quando tiver de quatro pra mim. — Eu falei, e vi ele ficar paralisado. Logo me arrependi de ter falado aquilo.
Ele passou por baixo dos meus braços e tentou correr, mas eu vi que ele tinha dificuldade. Voltei pra sala, e escutei ele chamando todo nervoso os coroas dele para irem embora.
— Ficam aí pra jantar comigo. — Eu falei, e dei uma risadinha sacana pro moleque.
— Já que está convidando, nós ficamos. — O coroa dele falou, e eu vi o moleque se mordendo de raiva.
— Não estou com fome. — O moleque falou.
— Que pena, então você fica olhando nós comerem. — Eu falei e fui pra cozinha rindo, deixando ele bolado na sala.
— Aí, dona Amélia, aumenta a água no feijão que vamos ter companhia pra comer. — Eu falei, e ela confirmou, toda feliz.
Saí e busquei a Valentina na casa da prima dela. Ela veio nas minhas costas, e subimos o morro caminhando. Quando entramos no meu barraco, vi o moleque me olhar confuso.
— Quem são essas pessoas, titio? — A Valentina me perguntou com vergonha.
— São amigos do titio, princesa. — Eu falei.
— Oi, princesa linda, como vai? — A coroa do moleque falou, e vi que ela se encantou com a Valentina.
Fiquei na sala brincando com ela, e de vez em quando sentia as olhadas do moleque em mim. A Valentina chamou ele pra brincar também, mas ele, igual uma criança birrenta, não quis. Dona Amélia chamou a gente pra comer, e fomos todos pra mesa. Ajudei a Valentina a servir o prato e depois sentei na minha cadeira.
— Está tudo uma delícia. — A coroa falou, terminando de comer.
— Valeu aí, o merecimento é todo da dona Amélia. — Eu falei e vi dona Amélia ficar vermelha.
— Não me faça vergonha, Antony. — Ela me chamou pelo meu nome, e eu me engasguei. Nunca ninguém soube meu nome, só sabiam meu vulgo, mas a dona Amélia deixou escapar.
— Desculpe. — Ela me olhou assustada por ter me chamado pelo nome.
— Tranquilo, dona Amélia. — Eu falei e vi os coroas me olharem.
— Agora que já sabemos seu nome, vamos falar os nossos. Eu sou a Clara, e ele é o Bento. — A coroa falou.
Depois de saberem meu nome, eles decidiram ir embora pro hotel. Fui com eles até a porta, eles se despediram de mim, e como sempre, o moleque me tratou com grosseria. Pra provocar, dei uma piscada e mandei um beijo. Vi que ele ficou sem jeito. Quando eles fecharam a porta do carro, escutei barulho de tiro, e o rádio chiou com o Jaguatirica me chamando.