Capítulo 3

957 Words
Jacaré Narrando E aí, rapaziada? Podem me chamar pelo vulgo mesmo: Jacaré. Tenho 25 anos, sou cheio de tatuagens, a barriga definida com os gominhos todos no lugar, cabelo e barba sempre na régua. Desde os 18 anos, quando meu coroa morreu num confronto com a polícia, virei dono do complexo. Minha infância foi tranquila. Estudei em colégio particular, cheguei a fazer alguns anos de faculdade, mas não curti muito. Minha paixão mesmo é o perigo, viver no limite. Todo dia começa do mesmo jeito: acordo cedo e vou malhar na academia que montei dentro do meu barraco. Depois, pago uma ducha rápida e tô pronto pro corre. — Bom dia, dona Amélia. — Digo ao descer para a cozinha e dar um beijo na testa dela. Desde que perdi meus pais, é dona Amélia que cuida de tudo na minha casa. — Oi, meu filho. Seu café já está na mesa. Sento para comer e, enquanto mastigo, já estou pensando no que me espera na boca. Quando termino, me despeço dela: — Já é, dona Amélia. Vou nessa. Saio, atravesso a garagem cumprimentando os vapor que fazem minha segurança, monto na moto e desço. Paro em frente à boca e entro, cumprimentando geral com um toque: — E aí, mano? Suave no bagulho? — Digo para Jaguatirica, meu braço direito no morro. — Suave, patrão. Já fiz as cobranças dos que tavam devendo e abasteci as bocas que tavam zeradas de mercadoria. — É isso mesmo, mano. Trabalho bem feito. A manhã seguia tranquila até os moleques da contenção mandarem um rádio dizendo que tinha um carro lacrado subindo o morro. Dei a ordem na hora: — Mete bala! Aqui ninguém entra de carro lacrado sem mostrar o rosto! Momentos depois, Lombriga entra ofegante, todo apavorado: — Aí, patrão, deu r**m… — Que p***a é essa, Lombriga? Fala logo! — Era carro de família, patrão... Eles tavam a passeio e se perderam por causa do GPS! — Ele solta, quase sem ar. Solto um soco na mesa, minha cabeça fervendo. — p***a! Eu falei pra meter chumbo, mas como vou adivinhar que era família? Esses metidos do asfalto vêm pro morro achando que aqui é brincadeira! O moleque na contenção avisou pelo rádio que tinha dois coroas e um adolescente no carro. E justo o menor foi baleado. Outro soco. Minha mente já pensando no próximo passo: — Descobre pra qual hospital tão levando o garoto. Quero a visão completa. Saio da boca bolado, subo na moto e disparo até meu barraco. Dona Amélia aparece, mas eu corto qualquer tentativa de conversa. Pouco depois, o rádio toca: o moleque foi levado pra um hospital na cidade baixa. Não pensei duas vezes, troquei de roupa e fui pra lá. Ao chegar, me aproximo da recepção. Uma loira novinha me atende: — Posso ajudar? — Tô procurando um adolescente baleado que deu entrada agora há pouco. — Está em cirurgia, mas os pais estão na sala de espera. — Ela aponta na direção. Caminho até eles, tentando manter a calma. — Licença aí. Os dois me olham assustados. O coroa, com o cabelo branco, já manda: — Quem é você? Respiro fundo e passo a visão. Conto quem sou, porque aconteceu e assumo minha culpa. Eles ficam apavorados, mas, no fim, aceitam minhas desculpas. — Podem ficar tranquilos. Todos os custos aqui são por minha conta. — Não precisa. O fato de você ter vindo já é suficiente. — Disse o coroa. Antes de sair, pergunto se posso ver o moleque. A mulher, com lágrimas nos olhos, n**a: — Ainda não, ele está sob efeito da anestesia. Precisamos conversar com ele primeiro. — Tranquilo. Vou colar aqui todo dia pra saber como ele tá. Foi m*l de novo. Saio dali pensando. Volto pro barraco, sirvo uma dose de uísque e me jogo no sofá. Minha cabeça não para. — Vai me contar agora o que te deixou assim? — Dona Amélia senta ao meu lado. — Tô cheio de fita pra resolver, dona Amélia. Ela se levanta, mas eu seguro a mão dela e conto tudo. A expressão dela passa de assustada para compreensiva. No final, me dá um beijo na testa e sobe. Fico sozinho no escuro, só o som da TV de fundo. Meu celular vibra: mensagem da Marina. — Oi, amorzinho, vem me visitar? — Diz ela. Respondo seco: — Não dá, Marina. Tô cheio de coisa pra resolver. Apago a luz e tento dormir, mas a cena do moleque baleado não sai da minha cabeça. Parece que minha mente não vai me deixar em paz tão cedo. Passo a madrugada inteira tentando dormir, mas o sono simplesmente não vem. Minha cabeça não para, tá cheia de fita. Desisto de deitar e desço pra cozinha. Pego um copo d’água, bebo tudo de uma vez e subo pra varanda, acendo um balão e fico ali, baforando e olhando o céu. Enquanto o fumo queima, os pensamentos não dão trégua. Fico me perguntando o que o moleque vai pensar quando souber de tudo isso. Será que ele vai aceitar minhas desculpas? Será que vai me odiar pelo resto da vida? Fiz minha parte indo até lá, sendo homem suficiente pra admitir que errei. Só espero que ele consiga ficar de boa depois que a gente trocar uma ideia. Decido que amanhã cedo vou colar no hospital de novo. Preciso ver como ele tá. O peso na minha mente só vai embora quando isso tudo tiver resolvido. Apago o balão, fico mais alguns minutos na varanda, tentando organizar os pensamentos. Depois de um tempo, resolvo voltar pro meu quarto. Deito na cama e, finalmente, minha mente dá uma trégua. Aos poucos, o cansaço vence, e eu consigo desligar.
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