Benjamin Narrando
Fui acordado pela minha mãe, que me chamava para comer. No primeiro impulso, quis dizer que não estava com fome, mas o olhar dela me desarmou. Lembrei-me imediatamente do que o médico havia dito: se você não se alimentar direito, vai acabar voltando para o hospital. Não aguentava mais aquelas sopas insossas que me empurravam o dia inteiro. Minha vontade mesmo era de devorar um lanche, daqueles transbordando de recheio. Mas engoli o desejo e suspirei.
Estávamos só eu e minha mãe no quarto.
— Onde o papai está? — perguntei.
Minha mãe hesitou, como se estivesse escolhendo as palavras.
— Desde aquela nossa conversa antes de você dormir, seu pai saiu dizendo que voltava logo... Mas até agora, nada.
Franzi o cenho, preocupado.
— Vou ligar para ele.
Peguei o celular, digitei o número dele, e esperei. Chamou três vezes antes de ele atender.
— Oi. — A voz do meu pai soou séria, quase distante.
— Onde você tá, papai? — perguntei. Por um momento, ele ficou em silêncio.
Então escutei uma voz de fundo.
— Vem beber uma com a gente, coroa! — Era o jacaré. O tom informal dele me irritou imediatamente.
— Papai, você tá com o Jacaré? — insisti, mas, sem responder, ele desligou. Encerrada a ligação, joguei o celular na cama com força.
Minha mãe notou meu rosto fechado.
— O que houve, meu filho? Por que está assim tão irritado? — perguntou, cheia de preocupação.
Olhei para ela, tentando conter o azedume.
— Você nem faz ideia de onde o papai tá enquanto estamos aqui preocupados com ele.
Ela franziu o cenho.
— Onde ele está?
— Com o homem que atirou na gente, mamãe! — respondi, incapaz de disfarçar minha revolta.
Ela abaixou a cabeça, suspirando profundamente.
— Não julgue seu pai... Sei que, para você, isso é difícil. Mas, de alguma forma, ele ainda acredita no Jacaré. Talvez seja esse jeito dele de tentar resolver as coisas...
Fiz que não com a cabeça, indignado.
— Eu vou atrás dele. Agora.
Tentei me levantar, mas minha mãe segurou meu braço.
— Nem pensar, Benjamin. O senhorzinho vai ficar onde está. Seu pai é adulto e sabe das responsabilidades dele.
Suspirei, vencido, e aceitei a ajuda dela para tomar um banho e trocar de roupa. Caminhar ainda não era fácil, mas eu estava cada vez mais independente — só minha mãe parecia não acreditar. Gostava do cuidado dela, mas, confesso, já estava me sentindo sufocado. Queria minha liberdade de volta.
— Mamãe, posso ir até a varanda? Quero sentir o ar fresco da noite.
Ela hesitou, mas assentiu.
— Eu vou com você.
Revirei os olhos de leve.
— Mãe, eu consigo ir sozinho, estou usando a cinta justamente para isso.
Ela me lançou um olhar duro, mas não respondeu. Na varanda, sentei na cadeira e aproveitei a brisa que vinha da rua. Minha mãe trouxe água de coco para nós dois e se sentou ao meu lado. Eu não era fã, mas sabia que fazia parte das "recomendações médicas" e tomei um gole — com uma careta evidente.
Então, percebi que ela me observava de canto de olho. Tentando disfarçar, desviei o olhar, mas ela não desistiu.
— Filho?
Suspirei.
— Sim, mamãe?
— Posso te fazer uma pergunta? — perguntou, com cautela.
Assenti, já esperando alguma conversa longa.
— Você e o Jacaré... — Ela hesitou, como se estivesse escolhendo bem as palavras. — Vocês se olharam de um jeito diferente quando ele foi te visitar. Sentiu alguma coisa por ele?
Engasguei-me imediatamente com a água de coco.
— O quê?! Tá louca, mãe?! — balbuciei, ainda tossindo.
Ela apenas sorriu, como se já soubesse algo que eu não confessaria.
— Tá bom, se você diz... — murmurou, levantando-se e rindo enquanto se afastava.
Fiquei estático. De onde ela tirou isso? Não vou negar que o Jacaré é bonito. Mas me apaixonar por ele? Jamais. Ele é um traficante. E isso está longe de ser aceitável.
De volta ao quarto, resolvi mexer no celular para me distrair. Mas m*l o abri e levei outro susto: Jacaré havia me seguido no i********:. Não tive coragem de seguir de volta e deixei o celular de lado. Fui para o frigobar ver o que tinha para comer.
Enquanto remexia lá dentro, minha mãe apareceu na porta.
— Procurando alguma coisa? — perguntou, me assustando.
— Credo, mãe! Quase morri de susto. Sim, estou com fome, mas aqui só tem água e frutas... Não rola.
Ela riu, já pegando o telefone.
— Vou pedir um caldo leve.
Suspirei, desanimado, mas assenti. Enquanto esperávamos a comida, coloquei um filme para passar o tempo. Estávamos no meio das risadas quando a porta bateu. Minha mãe foi atender, achando que eram os caldos, mas voltou puxando meu pai para dentro... sendo carregado pelo Jacaré. Os dois estavam bêbados.
Meu sangue ferveu.
— Não acredito que tá bêbado, papai!
Jacaré retrucou:
— Relaxa, moleque.
Levantei-me, enfrentando-o com o pouco que me restava de força.
— O "moleque" tem nome. E você me respeita porque eu não sou qualquer um, entendeu?
Ele riu de canto e ignorou minha reação, jogando meu pai na cama como se fosse um saco de batatas. Enquanto minha mãe cuidava dele, Jacaré me olhou firme e eu senti um frio percorrer minha espinha.
— Que foi? Nunca me viu? — perguntei.
— Não... Tu tá bem diferente da primeira vez que te vi. — Ele coçou a barba, sem tirar os olhos de mim.
Encarei-o com raiva e respondi, a voz firme:
— A partir de hoje, pra você, sou um desconhecido. Depois de ver meu pai nesse estado, você perdeu o resto de respeito que eu podia ter.
Ele abriu a boca para retrucar, mas minha mãe voltou ao quarto, e ele resolveu sair sem discutir. Ainda assim, lançou um último olhar, que não consegui decifrar. Quando a porta finalmente se fechou, soltei o ar que nem percebi que estava prendendo.
Olhei para o meu pai, decepcionado, e deitei, decidido: amanhã ele me explicaria tudo. Nada disso ficaria assim.