Capítulo 14

1009 Words
Benjamim Narrando Depois de tudo o que aconteceu, eu sabia que não podia ficar naquele lugar nem mais um segundo. Arrumei minhas coisas, convenci meus pais, e partimos. Jacaré tentou argumentar, tentou me fazer mudar de ideia, mas já era. Eu precisava de um tempo, precisava pensar. Ainda não entendia porque ele insistia em viver aquela vida, por que se agarrava a um mundo que só trazia violência, dor e mortes. Pra mim, era óbvio: a única saída era dar as costas e seguir em frente. Mas pra ele? Parecia impossível largar tudo isso. Enquanto a gente saía da quebrada, revivia na cabeça tudo o que tinha acontecido. Estar trancado naquele cofre, com minha mãe tentando manter a calma e meu pai suando frio, foi o pior momento da minha vida. Cada barulho de tiro parecia um passo mais perto do fim, como se uma bala perdida fosse atravessar a porta metálica e acabar com tudo. E saber que Jacaré tava lá fora, no meio da troca de tiros, fazia tudo ficar ainda mais difícil. Odiava admitir, mas fiquei com medo dele não voltar. Jacaré podia ser um traficante, viver uma vida que eu nunca aceitaria, mas ele tava ali por nós. Quando abriu o cofre e eu o vi inteiro, o alívio foi automático. Foi por isso que abracei ele, sem nem pensar, mas depois... depois veio o peso de lembrar que ele foi o responsável por nos colocar naquele cofre. Ainda não consegui entender por que me preocupei tanto. Por que, no meio do meu ódio e da minha revolta, eu sentia medo de que algo pudesse acontecer com ele? Ele não é herói. Ele é o motivo pelo qual passamos por tudo isso. Mas ao mesmo tempo, foi ele quem resolveu. Talvez seja porque, mesmo com tudo, Jacaré era como uma rocha no caos. Era a pessoa que encarava qualquer coisa e saía vivo. Ou talvez fosse porque, de alguma forma, ele se importa. Não dava pra negar. O problema era que eu não sabia se isso bastava. Aceitei as desculpas dele por ter mandado atirar no carro onde a gente tava. Era difícil, mas aceitei. Jacaré só fez aquilo porque achou que era o jeito certo de nos manter seguros, por mais insano que fosse. Mesmo assim, cada vez que penso no cofre, nos tiros, em tudo... sinto que preciso de distância. Agora, longe daquele barraco, longe das motos, dos tiros e das risadas altas, sinto como se pudesse respirar de novo. Mas a confusão ainda tá aqui, comigo. Eu devia desprezar Jacaré, certo? Então por que o peso do que ele faz me atinge tanto? Por que ele ainda ocupa um lugar na minha mente? Eu não sei. Talvez eu descubra. Mas não agora. Por enquanto, eu só quero distância. Não quero ver a cara de Jacaré tão cedo. Preciso de tempo pra entender o que sinto, pra processar tudo isso. Só sei que, por mais que eu tente, esquecer tudo não vai ser tão fácil quanto eu gostaria. Depois que saímos daquele lugar, minha mãe insistiu que a gente fosse pra casa de uma tia dela no interior, bem longe da confusão. No caminho, o silêncio entre nós era quase insuportável, mas eu sabia que era só questão de tempo até alguém falar algo. E claro, foi meu pai quem começou. — Não acha que tá pegando pesado com o Jacaré, Benjamin? — Ele disse, olhando pra trás enquanto eu cruzava os braços no banco. — Pesado? — Respondi, sem acreditar. — Ele trancou a gente num cofre e mandou bala no carro onde a gente tava. Como é que isso não é pesado? — Ele tava tentando proteger a gente, filho. É o jeito dele. — E esse jeito quase matou a gente, pai! — Exclamei, perdendo a paciência. Minha mãe, que estava ao lado, suspirou, tentando acalmar os ânimos. — Olha, Benjamin, sei que foi assustador, mas... o Jacaré não queria que nada de r**m acontecesse. Ele fez o que achou certo. — E é exatamente por isso que eu quero vocês longe dele. — Respondi, firme, olhando para o meu pai. — Principalmente você, pai. Ele franziu a testa, como se não entendesse o que eu queria dizer. — Por quê? — Porque eu vejo como você se deixa levar por ele. Jacaré fala bonito, dá um jeitinho de convencer todo mundo, mas no fim do dia, ele é só um traficante. Um criminoso. Alguém que coloca a gente em perigo. Meu pai ia responder, mas minha mãe colocou a mão no braço dele, pedindo calma. — Benjamin tem razão. Talvez seja melhor a gente ficar afastado por um tempo. Me virei pro lado, olhando pela janela, tentando ignorar a expressão do meu pai. Ele parecia desconfortável, mas eu precisava que ele entendesse. Jacaré não era nosso amigo. Ele era o motivo de tudo isso. Chegamos na casa da minha tia, e logo pedi um banho. Precisava tirar o peso do dia de cima de mim. A água quente ajudava a relaxar, mas os pensamentos continuavam rodando. O olhar de Jacaré quando eu disse que ia embora... ainda estava grudado na minha mente. Era estranho. Eu não queria pensar nele, mas ele simplesmente não saía da minha cabeça. Quando saí do banho, enxugando o cabelo, ouvi meu celular vibrar na cama. Peguei o aparelho e vi uma mensagem de Jacaré. "Moleque, tô te mandando isso porque preciso te pedir desculpas de novo. Sei que fiz merda, mas foi tentando proteger vocês. Queria trocar uma ideia contigo, explicar as coisas. A gente pode conversar?" Respirei fundo, passando a toalha no rosto. Parte de mim queria ignorar a mensagem, mas outra parte, uma que eu ainda não entendia direito, sentiu vontade de responder. "Proteger." Essa palavra de novo. Será que Jacaré realmente acredita nisso? Me joguei na cama, encarei o teto e fiquei pensando no que fazer. Responder? Fingir que não vi? Ou dar um tempo, como eu tinha planejado? Mais uma escolha que eu não queria fazer, mas que parecia inevitável.
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