Clarice narrando Nunca fui de falar muito sobre mim. Sempre preferi ouvir, acolher, manter a cabeça erguida e o coração guardado. Mas hoje, não sei... talvez seja hora de deixar transbordar um pouco. Faz tanto tempo desde que ele se foi. E, ainda assim, às vezes acordo achando que vou ouvir a risada dele pela casa, aquele jeito tranquilo de me chamar para tomar café, ou a voz suave com que ele falava com a nossa filha. Mas tudo ficou em silêncio. Um silêncio que, por muitos anos, foi ensurdecedor. Perder meu marido foi como ter o chão arrancado dos pés. Ninguém prepara a gente para o vazio. Para o que vem depois do enterro, quando as pessoas voltam para suas rotinas e você fica ali, sentada na beira da cama, sem saber por onde começar. Eu só tinha uma certeza: a minha filha. Ela era tu

