capítulo 05

1535 Words
Pesadelo narrando Eu sou o Pesadelo. Nome de batismo é Vinícius, mas ninguém me chama assim. Nem lembro a última vez que escutei esse nome com alguma intenção boa. Talvez minha mãe tenha falado pela última vez… antes de sumir. Ela me deixou quando eu ainda era molequinho. Nem lembro direito a cara dela. Lembro da sensação. Do vazio. De chegar da escola e ela não estar mais lá. De ouvir meu pai dizendo que ela foi embora, que cansou da vida que levava. E por muito tempo, eu tentei entender o porquê. Será que a culpa era minha? Será que eu fiz alguma coisa errada? Hoje eu sei. Ela foi embora porque nunca me amou de verdade. Quem ama não larga. Não vira as costas. E por causa disso, eu aprendi cedo que não dá pra confiar em mulher nenhuma. Amor é conversa fiada. Promessa bonita que na hora H evapora. E eu não tô aqui pra ser feito de o****o. Meu lance com mulher é simples. Elas me dão, eu como pago e depois pode ir embora. Sem apego, sem drama. A vida me ensinou que o único laço que não arrebenta é o da lealdade. E a única coisa que eu levo a sério é o comando do morro. Meu pai me passou a responsa quando decidiu viver a vida dele com uma mulher nova. Desde então, sou eu quem segura a bronca aqui em cima. E, sendo bem honesto, ele tá diferente. Parece até outra pessoa. Marcos ou Morte, como todo mundo conhece tá feliz. E eu nunca imaginei ver isso de novo. Porque depois do que ele passou, depois de tudo que aquela mulher fez com ele, ele merecia mesmo uma trégua. Teve dias que eu achei que meu pai não aguentaria. Ele literalmente chegou no fundo do poço. E pelo jeito, a Isabel trouxe isso pra ele. É esquisito admitir, mas ela cuida dele de um jeito que ninguém nunca cuidou. A gente mora na mesma casa. Engraçado, né? Parece que a gente divide o teto, mas vive em mundos diferentes. A Isabel tentou, eu sei. No começo, forçava conversa, puxava assunto, perguntava como foi meu dia... Eu ignorava. Sempre fui direto. Não quero outra mulher tentando ocupar o lugar de quem me largou. Pra mim, uma madrasta vai ser sempre isso, alguém que chegou depois e quer sentar na janelinha. Com o tempo, ela entendeu. Parou de forçar. Ficou na dela. A gente se cruza pelos corredores como dois desconhecidos. Um bom dia, o café tá pronto, já é muito. E, sinceramente? É assim que eu gosto. Cada um no seu canto. Eu não sei muito sobre ela. E não faço questão de saber. O suficiente pra mim é que meu pai tá bem. E isso já é mais do que eu podia esperar da vida. Eu sou o tipo de cara que carrega no peito uma raiva que não se explica. Que acorda todos os dias lembrando que foi deixado pra trás. E que, por mais que o tempo passe, ainda tem noites que eu fecho os olhos e sinto aquele mesmo vazio de antes. Mas eu sou o Pesadelo. E aqui em cima, ninguém precisa saber da minha fraqueza. O morro me respeita. Me teme. E isso basta. Sentimento é coisa de quem se pode confiar. Eu aprendi que eu não posso. Faz uma semana que sai em uma missão no Paraguai. Normalmente, não sou eu quem vai nessas paradas. Tenho gente pra isso. Mas dessa vez o gringo tentou me passar a perna, achando que podia mandar porcaria cortada pra cá e sair limpo. Tava na hora de lembrar pra ele com quem estava lidando. To achando que só porque eu não boto a cara nas negociações, tão começando a achar que podem me passar pra trás. Grande erro. Aqui em cima, todo mundo sabe que eu sou o Pesadelo. E se eu me mexer, é pra cobrar. A parada comigo não é bagunça. E muito menos brincadeira. Deixei o comando nas mãos do meu pai e do Talibã, meu sub. Moleque bom, sangue quente, mas fiel. Confio nele o bastante para segurar o morro na minha ausência. Ele já me provou que é digno de vestir a camisa, e o velho ainda tem pulso forte e as costas quente. Fui com mais oito vapores de confiança. Só os que já passaram pelo fogo comigo. A missão era simples, chegar, olhar nos olhos do gringo e mostrar que ou ele conserta a merda que fez ou nunca mais pisa em solo quente sem tremer. E foi o que aconteceu. Quando ele me viu, perdeu o sorriso na hora. Tentou se explicar, dizer que foi engano, que o material tinha vindo errado... besteira. Eu deixei ele falar. Às vezes, gosto de ouvir as desculpas. Me diverti. Mas quando terminou, deixei claro, da próxima vez que tentar me enganar, vai entregar mercadoria com a língua na bandeja. E ele entendeu. Voltamos com o que era nosso e mais um bônus pela pilantragem dele. Só pra ele lembrar que com o morro do Vidigal não se brinca. Principalmente quando quem está no comando sou eu. Ele deu muita sorte, geralmente eu não costumo dar segunda chance. Esses dias fora me fizeram pensar. Eu sou o tipo de cara que nasceu pra isso. Nasci pra guerra, pra lidar com traição, pra impor respeito. Não tenho espaço para erro, nem tempo pra sentimento. Se o mundo tentou me quebrar lá atrás, hoje eu sou quem quebra. Pesadelo não dorme. Pesadelo ronda. E quem tentar me testar... acorda chorando sangue. Voltei pro Rio sem avisar ninguém. Do meu jeito. Silencioso, na miúda. Quem tem o controle de verdade não precisa anunciar chegada só aparece. E quando meu carro começou a subir o morro, os vapores já sentiram o peso no ar. Ajeitaram a postura na hora. Fecharam a cara, saíram da resenha, olharam em volta, cada um se colocando no seu lugar. Porque quando eu apareço, não tem espaço pra gracinha. O clima muda. A régua sobe. E quem vacila, paga com a vida. Aqui, todo mundo tá ligado, com a minha presença, ou você tá na atividade… ou tá cavando a própria cova. Desci do carro tranquilo, só observando. Tudo no olhar. Não preciso gritar pra me impor, minha presença fala por mim. Cumprimentei com um aceno seco um dos moleques da contenção, que já tava suando mesmo com o tempo fresco da noite. Passei na boca só pra dar aquela geral. Ver se tava tudo no esquema, se a movimentação seguia firme, se alguém estava afrouxando o trampo. Talibã estava saindo da sala dele quando eu parei a moto do lado de fora e ele veio na minha direção fazendo o toque comigo. — E aí como foram as paradas por lá?.- Ele pergunta já sabendo que eu não tenho muita paciência. — Tu já tá ligado como que funciona as paradas comigo né?. Mas amanhã a gente troca ideia. Hoje eu quero só encostar na minha goma e tirar um descanso porque tô morgado da viagem.- ele balançou a cabeça confirmando. — Qualquer parada você me aciona já é, tô tocando marcha pra minha goma também.- fui até a minha sala e deixei as paradas que o arrom.bado me entregou. Leozinho já subiu direto pro galpão para tirar a droga que veio nos carros. Corri um risco do cara.lho, colocando minha cara a tapa desse jeito, mas eu tinha que mostrar para aquele gringo filho da p.uta, que as paradas não é do jeito que ele tá achando não. Entrei no carro da boca e fui subindo o morro em direção a minha casa. Já era tarde e meu corpo estava pedindo descanso. Missão foi pesada, estrada cansativa, cabeça cheia. Amanhã tem mais e no meu mundo, o amanhã nunca vem leve. Assim que estacionei o carro na garagem, os vapores da contenção já me cumprimentaram. Peguei a minha mala que eu tinha levado com algumas peças de roupa, meu celular que estava no painel do carro e desci sentindo meu corpo todo pedindo cama. Achei que meu pai e a Isabel já estivessem deitados, mas assim que abri a porta, meu pai veio na minha direção. Bati o olho no sofá e tinha uma mina sentada do lado da Isabel. Fiquei olhando para ela por uns segundos, tentando imaginar quem poderia ser e o que ela está fazendo aqui. Só espero que não seja nenhuma dessas parentes da Isabel querendo se instalar aqui na nossa casa. Espero que a estadia dela seja curta e que ela logo mete o pé. — Não sabia que você voltava hoje.- Meu pai disse vindo na minha direção e eu só balancei a cabeça confirmando e desviando o olhar da mina. — deu tudo certo lá? — Deu, as paradas já tá sendo descarregadas no galpão. Amanhã nós trocamos um papo já é?.- Ele confirmou e eu passei pela sala sentindo os olhos da Isabel e da mina em mim. Antes de sumir nas escadas, olhei para ela mais uma vez e ela desviou o olhar. Não sei quem é e nem de onde vem, mas espero que vá embora logo.
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