capítulo 6

1417 Words
Morte narrando Tem coisa que nem o tempo cura. Só ensina a suportar. A mãe do Vinícius… ela me destruiu. Não tem outro jeito de dizer. Me fez acreditar que a gente podia vencer junto, que o amor segurava o tranco. Era mentira. Ou talvez fosse verdade só pra mim. A gente se conheceu no meio da lama. Pobre, ferrado, cercado de crime e desespero. Mas quando ela olhava pra mim, eu via um amanhã. Quando ela disse que estava grávida, eu tremi. Não n**o. Mas também abracei a ideia. Jurei que faria tudo diferente. Que o meu filho ia ter pai, ia ter proteção. Que ela ia ter paz. Só que ela não queria peso. Queria liberdade. E um filho, pra ela era corrente. Eu não vi isso na época. Fui cego. Acreditei nas promessas. O dia que ela foi embora, eu lembro como se fosse agora. Tinha deixado o moleque na escola e sai do morro pra resolver umas paradas. Voltei com fome, cansado… e encontrei o Vinícius em casa chorando, ele não sabia dela, tudo o que sabia era que as coisas dela tinham sumido junto com ela. Não deixou bilhete, nem recado. Nada. Levou só as coisas dela e me deixou com a dor e um filho pequeno que chorava sentindo a falta da mãe. Eu nunca olhei pra trás. Segui minha vida mesmo estando despedaçado, mas prometi para mim mesmo que só colocaria outra mulher no meu porte, se eu tivesse certeza que não passaria pelo abandono duas vezes. A primeira vez que vi a Isabel, ela estava com o cabelo preso num coque simples e o olhar cansado. Era noite de invasão ,eu tinha levado um tiro, e os vapores me levaram para o posto. Ela era enfermeira. Falava pouco, fazia muito. Foi ali que eu percebi, aquela mulher tinha uma coisa guardada no peito. Dor? talvez. História, com certeza. Não dei trégua. Fui insistente, sim. Porque gente assim não aparece todo dia. E eu, que vivi cercado de interesse, reconheci na Isabel uma mulher de verdade. Leal. Cansada, mas de pé. Não foi fácil conquistar ela, não. Mas eu fui ficando. Um café aqui, uma conversa ali. Quando eu vi, já estava morando com ela. Eu, que não acreditava mais em amor, aprendi a amar novamente por causa dela. Isabel me devolveu um pedaço que eu nem sabia que faltava. Me tratou como homem, não como monstro. E isso… isso tem um valor que não tem dinheiro no mundo que pague. Meu filho, o Vinícius. Criado por mim, desde que a mãe dele resolveu sumir. Aquele abandono criou um buraco no peito dele que ninguém consegue tampar. Nem eu. Nem a Isabel. Ele se fechou. Virou o Pesadelo. E eu deixei, porque foi o jeito dele sobreviver e seguir em frente. A Isabel tenta, Deus sabe que tenta. Mas o moleque não abre brecha. Nem olha no olho. Ela sofre por isso, e eu vejo. Só que o que ela não sabe é que ele também sente. Só não sabe como mostrar. Quando eu percebi que ela estava começando a ficar chateada porque ele não dava essa a******a, eu expliquei para ela o que tinha acontecido com a mãe dele, e ela super entendeu E desde então deu espaço que ele sempre quis. Só que eu também deixei claro para ele, que eu já havia perdido muito nessa vida e a Isabel era uma coisa que eu não queria perder, Eu entendo e respeito os sentimentos dele, porém nunca aceitei que ele tratasse ela m*l. A vida no morro não é fácil. Mas a gente cria rotina. Acorda, resolve o que precisa, administrar o caos. Eu ia nessa missão resolver a parada com o gringo sobre a droga, mas o Pesadelo fez questão de ir ele mesmo. Como agora ele tá de frente do Morro, eu só confirmei e fiquei na responsa caso o Talibã precisasse de um suporte. Todos os dias eu mandava mensagem para ele perguntando se estava tudo bem E se ele tinha conseguido resolver as paradas com o gringo, e a única coisa que ele respondia era que tá tudo certo. Queria que meu filho fosse um pouco mais aberto comigo, igual vejo outros pais por aí, jogando bola, soltando pipa e até mesmo jogando uma sinuca ou tomando uma gelada. Tô ligado que ele não é mais criança, mas sinto falta de ter uma relação de pai e filho com ele. Tava em casa almoçando com a minha dona encrenca, quando o rádio tocou. O menor falou que tinha uma mina na barreira dizendo que era filha da patroa e na mesma hora Isabel pulou da cadeira. Percebi que ela ficou nervosa e o corpo dela estava todo se tremendo e então segurei na sua mão tentando acalmá-la. — Só fique calma jáé, vamos lá ver se é ela.- eu falei com ela que confirmou e saímos de casa entrando no meu carro e descemos o morro em direção à barreira. Assim que a Isabel viu ela de longe, já encheu os olhos de lágrima e assim que eu estacionei, ela desceu do carro indo em direção à filha. De longe dava para ver o amor que as duas têm uma pela outra. Tô tão feliz pela minha mulher, ver ela recuperar o seu brilho me deixou tão feliz. Queria poder ficar ali com elas, mas tive que sair para resolver umas paradas na boca. Allana veio para ficar e eu tô muito feliz por isso, mas não posso negar que estou bastante preocupado com a reação do Pesadelo quando ele voltar de viagem. Ter a Isabel por perto para ele já é bem difícil, fico imaginando com a filha dela aqui com o que isso não vai ser. Nunca impediria as duas de se aproximarem, então a única solução é ele aprender a conviver com ela porque agora ela faz parte da família também. Estávamos distraídos olhando para a televisão, quando a porta se abriu e eu vi o Pesadelo passar por ela. Tava com aquele olhar de sempre sério, direto, como se estivesse sempre calculando o mundo ao redor. Mas naquela hora, ele parou. Ficou encarando a Allana como se ela fosse uma peça fora do tabuleiro dele. Não disse nada. Nem um boa noite, ou quem é essa?.Só encarou. E subiu. Pela expressão da Isabel, eu vi que ela também ficou esperando alguma coisa. Um gesto, uma palavra, qualquer reação que fosse além daquele silêncio cortante. Mas nada. O moleque é feito de concreto quando quer. Me ajeitei de volta no sofá, respirei fundo e olhei pra Allana, que ficou meio sem jeito, sem saber se tinha feito algo errado. Ela estava sentada ali na ponta do sofá ao lado da mãe e pra quebrar o clima, eu falei com ela. — Aquele que subiu… é meu filho. — falei com calma, pra não assustar. — O nome dele é Vinicius. Mas aqui, todo mundo chama ele de Pesadelo.- Ela me olhou com os olhos arregalados. — Ele mora aqui também?.- eu balancei a cabeça confirmando. — Mora. É que ele vive mais no corre dele. Não é muito de conversar. Mas é de confiança. Só tem o jeito dele… meio fechado. A Isabel tentou quebrar o clima pesado, servindo um copo de suco para Allana e perguntando se ela ainda estava com fome. Mas eu vi que ela tava mexida. Com a presença dele, com o silêncio. Talvez até com o nome Pesadelo não é algo fácil de engolir quando se tá chegando num lugar novo, vindo de um mundo completamente diferente. — Não se assuste não Allana. Aqui é outro universo, eu sei. Mas você tá segura. E ele… ele não é mau, só tá calejado da vida.- Isabel falou para ela que balançou a cabeça confirmando. Ela deu um meio sorriso, forçado, como quem tenta confiar, mas ainda está digerindo tudo. Eu entendi. Tudo era novo demais pra ela. E, com o retorno do Vinícius, eu sabia que o verdadeiro desafio ia começar agora. Porque o passado da Isabel voltou… e o meu tá aqui, dentro de casa, andando de um lado pro outro feito bomba-relógio. Não vou mentir que eu tenho medo dessa relação agora não dar certo. Mas vou fazer o possível porque não estou disposto a abrir mão nem da minha mulher, e muito menos do meu filho. Assim como ele aprendeu a conviver com Isabel, vai ter que aprender a conviver com a Allana também.
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