Capítulo 1
Allana narrando
Durante anos, morei em uma casa que parecia perfeita demais para alguém que só queria colo de mãe. Meu pai sempre foi um homem rígido — desses que acreditam que disciplina é o maior ato de amor. E talvez, à sua maneira, ele tenha mesmo me amado com tudo o que pôde. Nunca me faltou nada: estudei nas melhores escolas, viajei o mundo, ganhei presentes caros e jantares em lugares que pareciam saídos de filmes. Mas faltava algo... sempre faltou. Minha mãe.
Ela não estava morta, mas era como se estivesse. Pelo menos, era isso que parecia do lado de cá da distância. Quando meus pais se separaram, tudo o que me disseram foi que “foi melhor assim”. E depois disso, meu pai me levou para outro país. Um lugar de clima frio e de silêncios longos, onde ele dizia que eu teria mais oportunidades. Eu só obedeci. Sempre fui assim: a filha exemplar. A que não pergunta demais. A que sorri nas fotos e volta para o quarto sufocada de saudade.
Nunca me contaram o real motivo da separação. Só escutei a versão dele — e, mesmo assim, nunca foi muito clara. Ele dizia que minha mãe havia feito escolhas erradas, que era instável demais para cuidar de mim. Mas eu lembrava dela cantando pra mim à noite, penteando meu cabelo com cuidado, me fazendo prometer que nunca deixaria de amar quem eu era. Eu lembrava do cheiro do bolo dela, do colo, do toque. Como acreditar que alguém assim pudesse ser o monstro que ele pintava?
Meu pai acreditava que eu não tinha mais contato com ela. E, de certa forma, isso o confortava. Mas ele não sabia que, de vez em quando, eu dava um jeito de ligar. Mensagens rápidas. Voz entrecortada. “Eu tô com saudade, mãe.” Era só isso. E era tudo.
Com dezoito anos recém-completados, achei que teria mais tempo para pensar no que fazer da minha vida. Mas o destino nunca me perguntou o que eu queria. Um infarto. Foi assim que meu pai se despediu do mundo. Rápido, silencioso. Eu o vi partir sem ter a chance de dizer que, apesar de tudo, eu o amava.
O advogado cuidou de tudo. Me entregou a herança, os documentos, as chaves. E eu, ali, com uma mala e o coração esburacado, entendi que nada daquilo me prendia mais naquele lugar. Eu não era mais a menina dele. Eu era uma mulher, sozinha em um país que nunca foi meu.
Então decidi. Voltar.
Dez anos longe da minha mãe. Uma década de silêncios, de saudade disfarçada de força. Eu não sabia como ela estava. Não sabia se ainda morava no mesmo lugar, se pensava em mim, se havia me esquecido. Mas meu coração dizia que era hora. Que eu precisava, por mim, por ela, por tudo o que não nos deixaram viver.
E foi assim, com a coragem que só a saudade dá, que eu comprei uma passagem de volta para o Brasil.
Voltar pra casa. Ou, pelo menos, tentar descobrir se ela ainda existia.
Durante todos esses anos, meu pai nunca se envolveu com ninguém. Nunca apresentou uma mulher, nunca teve um romance. Eu achava estranho. Ele era um homem bonito, inteligente, rico. Mas vivia como se o coração tivesse sido trancado. Depois que ele morreu — um infarto fulminante, rápido demais — comecei a entender.
Entre os papéis que o advogado me entregou, havia também uma caixa com coisas pessoais. Ali, no fundo de uma gaveta esquecida, encontrei cartas. Fotos. Pequenos pedaços de uma história que ele nunca me contou. Recibos de envio de dinheiro para o Brasil. Anotações com o nome da minha mãe. Um velho cartão de Dia das Mães que eu mesma tinha feito e ele nunca entregou. Ele nunca esqueceu ela.
Na hora, algo dentro de mim desmoronou. Tudo aquilo que me fizeram acreditar... talvez fosse só medo. Dor m*l resolvida. E, no fundo, talvez ele só quisesse me proteger — ou me manter longe do que não podia controlar.
Sabia, pelas anotações do meu pai, que ela morava lá há alguns anos. Era tudo o que eu tinha: um nome, um bairro e uma coragem nascida da saudade.
O avião pousou em solo brasileiro numa manhã cinzenta, mas pra mim o céu parecia claro. Era estranho estar de volta. O cheiro, o idioma, as vozes ao redor... tudo tão familiar, e ao mesmo tempo, distante. Eu era uma estranha no meu próprio país. Carregava uma mala pequena e um coração ainda maior, apertado de ansiedade e medo.
No táxi, a caminho do vidigal, minhas mãos tremiam enquanto seguravam o celular. Eu não sabia qual seria a reação dela ao me ver. Não sabíamos uma da outra há tanto tempo... mas meu coração dizia que ela ainda era a mesma. Que ainda era minha mãe.
— eu só vou até aqui moça.- o taxista fala me olhando pelo retrovisor e eu confirmo pegando o dinheiro na carteira para poder acertar a corrida.
Ele desceu do carro indo até o porta-malas para eu poder pegar as minhas malas e assim que eu olhei para a entrada da comunidade, meu corpo todo gelou porque avistei seis homens armados com fuzis nos encarando.
— tem certeza que é aqui que você pretende ficar?.- o moço me pergunta e eu confirmo.
— sim. Muito obrigado.- eu falo com ele que confirma e entra no carro indo embora.
Olhando assim agora tô vendo que talvez tenha sido uma péssima ideia vir para cá com esse tanto de coisa. Não sei onde ela mora, e vendo a ladeira que vou precisar subir para procurar ela, Já me arrependi de não ter procurado um hotel antes.
— tá pensando que vai aonde patricinha?.- um dos caras fala me olhando de cima a baixo e eu paro na mesma hora com medo de que ele me machuque.
— a minha mãe mora aqui e eu vim para vê-la.- eu falo com ele que olha para os amigos e dão risada.
Pelo fato de ter acostumado a falar o inglês, acabei que fiquei com o mesmo sotaque de gringo para falar o português.
— saquei. E quem é a sua mãe?.- Ele pergunta serrando os olhos eu respiro fundo passando a mão no rosto.
— Ela se chama Isabel.- eu falo para ele e na mesma hora o seu semblante muda e ele pega um rádio.
— aí patrão, Tem uma mina aqui na barreira dizendo que veio ver a mãe dela. Tá dizendo que a dona Isabel.- ele fala olhando nos meus olhos e logo eu ouço a voz do outro lado do rádio.
— conta 5 que eu tô chegando aí magrinho.- meu corpo todo se arrepiou com o som daquela voz grave.
— só esperar Jáé?.- balanço a cabeça confirmando e fico ali parada sentindo os olhares deles sobre mim.