Os corvos grasnavam agourentos naquele início de céu noturno, anunciando a chegada iminente de um m*l indizível, enquanto Larry sentia o peso do tempo sobre seus ombros: um lembrete constante de seus compromissos além daquela mesa, que agora parecia ser uma ilha solitária em meio a um mar tempestuoso de trevas e desespero.
Seu coração batia descompassado dentro do peito, uma sinfonia de medo e angústia ecoando em seus ouvidos, enquanto ele lutava para resistir ao chamado sibilante das sombras que o rodeavam. Mas, no final, ele sabia que não poderia escapar do destino c***l que o aguardava além daquele lugar amaldiçoado. E assim, com um último suspiro de resignação, Larry virou as costas para suas novas amigas, para a segurança relativa da luz da lua, agradeceu pela tarde que tiveram e mergulhou de cabeça no abismo da noite, onde monstros antigos espreitavam e o horror aguardava ansiosamente por sua chegada.
Enquanto saíam da biblioteca e passavam pela sala, Larry viu um monte de fotos em cima de uma estante. Eram fotos dela e de momentos em família. Quando ele vê uma foto do pai de Sandrine em um retrato oval, ele para e pergunta:
- Esse cara é seu pai?
- Sim. Sou filha do famoso empresário Charles Novel? Conhece?
- Quem nessa cidade não conhece seu pai? Ele aparece na maioria dos comerciais da “Novel Estofados”. Quer dizer que estou dentro da mansão dele? Pensei que os filhos dele estudassem em faculdade ou universidade particular.
- A FILHA DELE estuda numa universidade pública por opção: não por falta de oportunidade. E vamos indo, que você mesmo disse que estava atrasado.
Larry segurava a fotografia com mãos trêmulas, uma relíquia desbotada de um passado que nunca conheceu, mas que o envolvia como uma teia de aranha sombria e insidiosa. A luz fraca da lâmpada de mesa lançava sombras dançantes sobre os traços congelados de um homem desconhecido, cujo olhar parecia transpassar a alma de Larry com uma intensidade gélida e penetrante. O rosto na fotografia era como um espectro emergindo das profundezas do passado, um eco distante de uma história enterrada em segredos e mistérios.
Sandrine nunca mencionara muito sobre aquele homem, seu pai, exceto em murmúrios fugazes carregados de um tom enigmático que ecoava como o sussurro dos ventos noturnos através dos corredores sombrios de uma mansão abandonada. Era como se a própria menção de seu nome invocasse uma aura de melancolia e desespero, uma sombra indesejada que pairava sobre o presente de Larry como um presságio sinistro.
Ao fitar aquela imagem desbotada, Larry sentia algo se agitar em seu âmago, uma sensação de m*l-estar e inquietude que se insinuava como garras afiadas arranhando as paredes de sua alma. Era como se o rosto na fotografia o observasse com olhos vazios, sussurrando segredos antigos que se recusavam a serem esquecidos. Uma mistura de curiosidade doentia e ressentimento fervilhava em seu peito, alimentando-se das sombras do passado que se estendiam como tentáculos escuros ao seu redor.
Ele conhecia o nome do pai de Sandrine apenas por meio das sombras do passado, das histórias sombrias contadas em sussurros por sua mãe, cujo semblante se contorcia em dor e desgosto sempre que aquele homem era mencionado. Seu nome era proferido como uma maldição, uma presença indesejada que assombrava os recantos mais sombrios de sua mente. E, no entanto, mesmo diante da repulsa que emanava da memória de sua mãe, Larry não podia deixar de sentir uma estranha fascinação pelo homem desconhecido na fotografia, como se estivesse sendo atraído por uma força sinistra além de sua compreensão.
Com a frieza de um espectro errante pelas sombras da noite, Larry mantinha seu semblante imóvel, escondendo por trás da máscara de indiferença um turbilhão de emoções que clamavam por libertação. Como um condenado à deriva em um mar de tormentas, ele lutava contra as ondas impiedosas que ameaçavam engolfá-lo a qualquer momento. Seu coração, aprisionado em um calabouço de segredos sombrios, ecoava como os suspiros sepulcrais que assombram as catacumbas.
Quem era aquele enigmático estranho cuja imagem agora o fitava? Que papel ele desempenhava na trama intricada da vida de Sandrine e, por consequência, na sinistra teia do destino de Larry? As respostas se esgueiravam nas sombras, além da tênue luz da compreensão humana, envoltas em um véu de enigmas indecifráveis que se adensava a cada instante. Contudo, Larry percebia que, apesar da névoa opaca que obscurecia seu entendimento, aquele fatídico encontro com os fantasmas do passado de Sandrine assinalava o início de uma jornada rumo à verdade obscura, uma jornada pejada de armadilhas mortais e revelações que desafiariam sua própria essência.
Determinado a desvendar os segredos ocultos nas sombras, Larry estava disposto a enfrentar os espectros que, há tempos, assombravam sua alma atormentada. Pois sabia que, no âmago da escuridão, jaziam as respostas que ele buscava, ainda que para alcançá-las tivesse que mergulhar nas profundezas abissais de sua própria angústia. Eles foram até a porta e, após se despedirem, Sandrine entra transbordando euforia e vai logo perguntando:
- E então mãe: o que achou dele?
- Minha filha... Ele é um rapaz bastante inteligente, bem apresentado e adulto demais para a idade.
- Eu sabia que a senhora ia falar mais ou menos isso dele. Todas as mães dos amigos dele, dizem a mesma coisa.
- É sério? Nossa, que vergonha. Imagina eu sendo mais uma dessas mães, com seus mais de quarenta, elogiando um rapaz de vinte e poucos anos.
- Que nada, mãe! Se a senhora teve essa impressão é porque o que as outras disseram é verdade.
- Você está interessada nele? Pretende namorar esse rapaz?
- Eu? Que nada, mãe! Trouxe-o para animar nossos debates, pois estavam muito sem graça. Apenas a gente debatendo juntas estava ficando bem monótono. Pelo menos com ele, as tardes ficam mais interessantes.
A noite mergulhava lentamente na casa de aspecto sombrio, cujas paredes, em vez de brancas, pareciam tingidas por uma palidez cadavérica. Os jardins outrora exuberantes agora estavam tomados pelo manto do crepúsculo, as flores murchas e retorcidas sob a sombra iminente da noite. Sandrine e Adrienne, envoltas em uma conversa íntima e inquietante, viam o sol despedir-se com relutância no horizonte, como se temesse o que a escuridão pudesse trazer.
Os últimos raios alaranjados, ao invés de criar uma atmosfera acolhedora, pareciam esticar dedos esqueléticos através das cortinas entreabertas, lançando sombras distorcidas e macabras pela sala. Cada palavra trocada entre as duas mulheres parecia ecoar como um sussurro fantasmagórico, alimentando o m*l-estar que pairava no ar.
Foi então que o silêncio, esse refúgio momentâneo da aflição, foi rasgado pela entrada repentina de Charles, o patriarca amargurado daquela linhagem. Seus passos pesados ressoaram pelos corredores como batidas de um coração doente, anunciando sua chegada imponente, embora carregada de desespero. Seu semblante enrugado pelas preocupações da vida parecia esculpido pelas mãos do próprio Tempo, e seus olhos lançavam faíscas de ressentimento e desilusão.
As palavras de Charles, carregadas de lamentações e amargura, ecoaram pelo ambiente como o sussurro de almas penadas, agitando os ânimos já inquietos. Adrienne, na sua tentativa desesperada de manter a paz, ofereceu palavras de consolo, mas Sandrine, jovem e rebelde, sentiu a raiva crescer dentro dela como uma chama avassaladora. Para ela, as lamentações de seu pai eram como correntes a apertar-lhe o peito, sufocando suas esperanças e sonhos.
A figura de seu pai, mergulhada em sombras de dívidas e desespero, era um contraste assustador com a visão que Sandrine tinha de uma vida plena e vibrante. Enquanto ele despejava suas mágoas, ela sentiu uma mistura avassaladora de desapontamento e desprezo pela aparente covardia de Larry, seu futuro padrasto, e de sua mãe. Parecia-lhe que eles eram meros espectadores da própria desgraça, resignados a um destino de miséria e insatisfação.