Capitulo 3

1006 Words
O despertador toca no momento que estou quase conseguindo me aproximar do rapaz em meu sonho. Acordo desorientada, mas ao sentir um braço pesado em torno de mim, as lembranças retornam quase que automaticamente: Gustavo. Suspiro devagar me sentindo a pessoa mais suja do mundo. Levanto-me lentamente, tentando não fazer muito barulho, ouvindo-o reclamar que ainda é cedo. — Eu vou trabalhar, Gustavo, você precisa levantar e sair. — Tento parecer categórica. Sei que é tarde demais para me sentir arrependida, mas confesso que talvez não consiga me olhar no espelho. — Trabalhar? — Ele senta-se, parecendo atordoado, enquanto esfrega os olhos com as mãos. Tento não olhar para o seu peitoral nu. — Vai trabalhar em quê? Não estava desempregada? — Começo hoje! — falo o mais seca possível e encaminho-me para o banheiro. Ele precisa entender que mesmo que tenhamos transado, não temos nada. Abro o chuveiro e, enquanto lavo os meus cabelos longos e meu corpo, divago pensando no quanto ele deve pensar que sou i****a. Por que ceder de novo? Por que, sabendo do quanto ele se torna babaca depois? Suspiro pesado enquanto visto um roupão felpudo após sair do chuveiro, notando-o parado no batente da porta com uma carranca no rosto. Deus! Por que ele precisa ser tão lindo e tão i****a? — Como assim? — Vai trabalhar aonde? Já disse que você não precisa disso! Eu te sustento, ganho bem para isso! — fala nitidamente irritado, e o encaro incrédula. — Como assim, pergunto eu. Você quer o quê? Voltar como se nada tivesse acontecido? Nós terminamos, Gustavo! — Tento não chorar, mas meus olhos embaçam. — Terminamos, mas ontem você bem que gostou, não? — Bufo. — Eu sei que você tá p**a comigo, Duda, mas esses trabalhos... – faz aspas com os dedos –, são o que me sustentam, me dão lucro e poderiam te sustentar também, caso quisesse. — Dá de ombros. — Você é louco se pensa que vou te aceitar de volta e assim. — Começo a secar os cabelos com a ajuda do secador e tomo coragem para me olhar no espelho. Percebo as duas bolas escuras em volta dos meus olhos e resolvo passar um pouco de base e rímel a fim de esconder as olheiras. Deslizo um batom claro em meus lábios para tirar a palidez deles. — Para que essa p***a? — ele aumenta o tom de voz, fato que me deixa assustada. — Vai trabalhar num bordel? — Como é que é? — encaro-o perplexa. — Não sabia que pra trabalhar limpando chão, precisava de tanta maquiagem. — Ele tira sua cueca e entra no box, e eu fico encarando-o, perplexa, através do reflexo do espelho. Gustavo sempre se mostrou irritado quanto a maquiagens, roupas curtas e decotadas que as vezes uso. Tudo o que ele adora nas ruas! Pura hipocrisia. — Eu não vou trabalhar como doméstica. — falo tristemente. Sinto-me m*l por ele pensar que eu só consigo fazer isso na vida. Ele olha para mim conforme ensaboa o corpo. Seu rosto é um misto de autoridade e curiosidade e, quando percebe que não mudarei de opinião em relação a maquiagem, bufa. Se fosse noutra época, eu com certeza retiraria a maquiagem para não o chatear, mas hoje em dia não penso mais dessa forma. Após o banho, noto que ele está vestido com a mesma roupa do dia anterior e encaminha-se emburrado para fora do quarto enquanto termino de me arrumar. Ando devagar até a cozinha, sentindo o aroma convidativo de café, e vejo-o servir duas xícaras assim que me aproximo do cômodo. Pego uma delas conforme ele continua: — Então vai trabalhar aonde, Duda? Não acha que tá arrumada demais, não? — Assisto seus olhos descerem pela blusa branca social que estou usando e a saia lápis que escolhi para o meu primeiro dia. — Demais? — encaro-o enquanto puxo o ar devagar. — É isso que te incomoda? Me ver trabalhando em algo novo e que não seja limpando casa? Sinto a minha cabeça latejar ao ver a respiração dele se desregular. É a primeira vez que o contrario e não tenho certeza se foi uma decisão sábia. — Vou perguntar somente uma vez, Duda. No que vai trabalhar? — ele fala cada palavra pausadamente aproximando-se devagar com olhos raivosos. A coragem recém-adquirida por mim torna-se quase nula quando vejo-o tomar a caneca de minhas mãos trêmulas, colocando-a em cima da mesa à medida que toma a minha cintura para si. — V-vou tra-trabalhar n-na mi-minha área numa empresa de advocacia no Centro do R-rio. — Você sabe que é minha, não sabe? — Ele beija os meus lábios de forma animalesca e não consigo me desvencilhar. Sinto seus dedos se afundarem na minha pele e não consigo formular uma frase sequer; as palavras parecem se engasgar na minha garganta. Queria conseguir expulsá-lo daqui, mas simplesmente não consigo. Sinto as lágrimas apontarem nos meus olhos, e ele parece notar ao olhar dentro dos meus olhos, porque seu semblante muda drasticamente e seu sorriso, antes malicioso, torna-se complacente. — O que foi, linda? — Gustavo desliza seus dedos suavemente pelo meu rosto, enxugando cada gota que tenta cair pelas minhas bochechas. — Eu estou de volta, meu bem, tudo vai ser como era antes. — Gustavo, eu preciso mesmo ir. — falo pausadamente sentindo uma sensação desconfortável no peito. — Eu sei. Só não esqueça... — Ele me dá mais um beijo estalado nos lábios. — Você é minha! Gustavo pega uma maçã na fruteira e sai do meu apartamento logo em seguida. Assim que vejo-o sair, respiro com mais tranquilidade. Sinto-me completamente desconfortável com a situação e com a mania que ele tem de aparecer quando bem entende e de desaparecer com a mesma proporção. Sinto-me acuada, perdida como há muito tempo não me sentia e, principalmente, sentindo-se coadjuvante em minha própria história. Minha vida não pertence mais a mim, pertence ao algoz que continua assombrando-a e tornando todas as minhas certezas em incertezas.
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