Conhecendo Rebeca

1284 Words
Rebeca Mubarak (Confidência). Por muito tempo eu acreditei que a morte estava distante, que eu nem precisava correr dela, porque ela não me encontraria. Eu também acreditei que a morte, era quando uma pessoa ia embora e não voltava mais, como quando meu tio favorito sumiu ou quando minha bisavó que já estava idosa partiu para outro mundo. No entanto, eu descobri que a morte podia chegar, mesmo quando a pessoa continuava viva, morrer não era só deixar de respirar, era também a perda da confiança em quem deveria cuidar e proteger. Eu morri, ainda na infância, eu morri, mas continuei respirando. Respirando e respirando, mas sem prazer algum. Eu entendia, que cresci numa cultura diferente, onde se acreditava que as mulheres não tinham poder de escolha, nem sobre seu próprio corpo, e muito menos direito a sentir prazer. A maioria das mulheres da minha família já tinham descoberto isso, menos eu, menos eu, por que tudo tinha que ser assim? Eu estava prestes a descobrir que o mundo era f£io, que a beleza não existia. Eu só era mais um grão de poeira no imenso deserto em que a minha comunidade existia. Infelizmente uma sociedade arcaica, uma sociedade que se recusou a mudar, porque o líder era tão arcaico quando as pedras que machucavam os meus pés, quando eu corria descalço na infância. Eu ainda me recordava do meu encontro com a morte, eu nunca me esqueceria. Era uma noite quente, abafada e algo me impedia de dormir. Eu descobri que a morte existia em carne e osso, ela era velha, baixa e portava uma bolsinha escura. E os olhos dela eram oco como um buraco n***o que não se ver fim. Ela tinha os olhos, mas eu não os via. Eram como um buraco que te engole e te arranca a vida. Como é que se corta?? Como se mutila uma criança? (.....) Lembranças de uma noite escura. Naquela noite, o meu pai me deixou com aquela senhora, eu não queria ficar, tinha medo dela, dos olhos e daquela bolsinha preta que parecia poder sair um bicho papão, mesmo sendo pequena. Eu me lembro dos meus gritos infantis, do medo e da dor entre as minhas pernas, eu não entendia o que eu tinha feito, eu não entendia como o meu pai me deixou ali, sozinha para ser machucada, a região entre as minhas pernas doía, doía muito, eu entrava na inconsciência e voltava, e a idosa me deixou com as pernas amarradas por muito tempo, eu pensei que nunca mais ia andar. Mas eu andei, sem brilho, sem forças e apavorada, eu era um criança de sete anos alegre e risonha, mas eu deixei de ser. Os naos se passaram e virei uma adolescente assustada. Eu me lembro de cada detalhe. Eu me lembro, porque depois daquele dia, eu me transformei em um ser sem brilho. Eu gostava de dançar, de rir, de correr pelos campos, mas depois daquilo, tudo se perdeu. Eu olhava para o meu pai, e achava que ele era m@l, e nunca mais o vi da mesma maneira. Ele era a pessoa que eu mais amava, mas passei a odiá-lo. Eu tremia cada vez que uma senhora se aproximava de mim, porque eu simplesmente me via de volta a casa fria e maligna daquela velha odiosa. Eu cresci em uma concha que eu mesmo moldei. E só na adolescência, eu descobri porque fizeram aquilo comigo. Eu não podia sentir prazer. Mutilação genital. Era isso, o meu papel seria somente ter um marido e obdecê-lo. Um bibelô de porcelana, enfeitando um quadro antigo e servindo de entretenimento, mas não era isso que eu queria. (...) Era noite, mais uma vez, a noite me trazia surpresas extremas e horrív£is, meu pai me chamou na parte debaixo da casa. _ Esse é o seu noivo.. Naquele momento eu tinha quinze anos, o homem à minha frente, teria ao menos quarenta, quarenta anos, f£io, e olhar dele me fez lembrar da velha que me machucou. Aquela velha tinha me machucado para ele, para que eu fosse um bibelô de pelúcia na mão daquele homem, que nunca desejasse me livrar dele, porque eu não sentia nada, desejo, prazer. Nada. Eu tinha quinze anos. Eu deveria estar me descobrindo, me tocando, mas roubaram isso de mim naquela noite, pois em mim, não havia aquele ponto capaz de transportar para um mundo de prazer, porque arrancaram. E agora queriam me arrumar um marido, que provavelmente me bateria. Eu me sentei na mesa, não sorri de volta e soube que meu pai ficaria uma fera, porque não estava sendo educada, porque não estava sendo amável com o meu noivo, noivo. Depois que o homem odioso foi embora, eu corri para a minha cama. Eu sabia que podia ter uma vida melhor, pois eu uma leitora ávida. Na verdade, os meus livros foram a única coisa que me restou. Por eles eu viajava o mundo. Na madrugada, quando a casa ficou completamente silenciosa, eu peguei a minha bolsa, a muito tempo preparada. Eu ensaiava uma fuga desde os meus onze anos. Eu sei, a cultura do meu povo era diferente, mas eu tinha amigas que estudavam adequadamente, que podiam ter um namorado e que não foram mutiladas. Mas o meu pai, era o meu pai. Eu não sei descrever , não depois do que ele me deixou virar. Eu fugi de casa sem olhar para trás. Eu tinha uma tia e um tio, eram distantes, mas eram a minha única esperança. Eles estavam no Cairo. Eu caminhei a noite toda até lá.. Eu os tinha visto uma única vez , mas senti medo de que eles não gostassem de mim. Eu burlei a segurança do hotel e encontrei o quarto, eu sabia o número do quarto, porque dei algum dinheiro para um funcionário da casa do meu pai para que descobrisse. Os meus tios eram: Rosimeire e Richard Frank, dois vigaristas problemáticos. Mas eles salvaram a minha vida, me levando para o Brasil.. Por sete anos, eu só precisei estudar e lutar para viver. E eu voltei a viver, não de forma completa, mas eu tinha uma vida, um trabalho e alguns poucos amigos. Mas nada vem de graça, e quando eu completei 22 anos, Callebe apareceu para me provar que a vida pode ser ainda mais difícil digerir. (...) Rebeca balançou a cabeça para fugir das lembranças de sua vida, mas não conseguia esquecer que Callebe era indecifrável. Às vezes, Rebeca via nos olhos dele a mesma coisa que via nos olhos da velha pavorosa: o vazio. Em outras, ela via... Ela se via dentro dos olhos de Callebe Martins, o médico que todos os pacientes procuravam, mas que todos os inimigos fugiam. O médico com nome de arcanjo, mas com o comportamento de um d£monio. Rebeca não queria um relacionamento. No entanto, o destino foi c***l. Os tios que lhe salvaram a vida, deram um golpe na mãe de Callebe. E a senhora teve um infarto quando descobriu o desfalque em sua conta, o infarto a fez ficar entre a vida e a morte. Assim, Callebe e Salomão colocaram a cabeça de Rosimeire e Richard Frank a prêmio. Eles podiam caçar os tios de Rebeca, mas colocaram á cabeça a prêmio para causar pânico. E o único acordo que Callebe aceitou, foi a aproximação com Rebeca. Ela amava os tios, porque foram eles que a salvaram, e era o exemplo de amor que tinha, tá certo que era um amor torto, mas ao menos, eles não machucaram. E Rebeca aceitou Mas aceitar ficar frente a frente com o fogo dos olhos de um dragão é quase uma loucura, mas ela percebeu isso tarde demais.
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