Ela ainda tava pendurada no meu pescoço, com o nariz afundado na minha pele e os braços em volta de mim como se fosse travesseiro.
O cabelo dela, meio molhado da brisa, colava na minha bochecha.
E o riso? Ainda tremia no peito dela. Como se o mundo inteiro tivesse virado uma gargalhada morna no fim da tarde.
— “Enquanto eu viver, Lu... o que eu sinto por ti vai ser abrigo, não tempestade.” — repeti, baixinho, bem no ouvido dela.
Ela sorriu contra meu pescoço, aquele sorriso que não precisa de som.
Só arrepio.
Mas eu não dei tempo dela responder.
Agarrei ela pelas coxas, com firmeza, e corri.
Desci pela areia com ela no colo, sem nem avisar.
O mar se aproximava rápido, a água já começando a lamber os meus pés. Ela se debateu, rindo, esperneando.
— “DANIEEEEEEL, NÃO! EU TÔ DE CANGA! TÔ DE MAQUIAGEM! NÃO FAAAAAZ—”
— “É tarde demais, minha poeta do crime.”
Com um giro rápido, joguei ela no mar.
De costas, direto na espuma da arrebentação.
Ela caiu deitada, com um pláf tão alto que eu quase senti o impacto em mim.
Ela levantou no mesmo segundo, com a cara molhada, o coque desmanchado e a expressão de puro escândalo.
— “TU É DOENTE!”
— “Tu que começou!”
Ela tentou sair da água, mas eu já tava correndo de volta.
Ela me alcançou na areia fofa, com o biquíni grudando no corpo e a canga pendurada no braço.
— “Tu vai ver, filho da Viviane!”
— “Filho da Viviane é o terror do teu juízo.”
Ela pulou nas minhas costas e tentou me derrubar.
A gente caiu junto, afundando na areia ainda quente, rindo feito dois doidos sem vergonha do mundo.
Ela ficou por cima, montada em mim como se fosse me dominar pela força da risada.
E talvez até conseguisse.
— “Tu me joga no mar, me afoga de amor e ainda quer sair ileso?”
— “Cê sabe nadar.”
— “Mas não sei sair de você.”
Ficamos ali, rindo.
Molhados.
Com a areia grudando nas pernas, nas costas, entre os dedos.
Ela passou os dedos no meu rosto, tirando um grão de areia da minha sobrancelha.
— “Tu é o caos mais bonito que eu já amei.”
— “E tu é a calmaria que me dá vontade de ficar.”
Ela desceu e encostou a cabeça no meu peito, ouvindo meu coração.
— “Tá acelerado.”
— “Tu me dá taquicardia desde o primeiro beijo.”
— “Burro. Isso é amor.”
— “Burro é o mundo que não entende que isso aqui... é tudo.”
Ela ficou um tempo ali, com a orelha colada no meu peito, como se o som do meu coração fosse o único que ela queria ouvir.
A maré subia devagar, lambendo a areia com preguiça. A noite começava a cair, com o céu ficando azul escuro por trás das nuvens cor-de-fogo.
O vento batia nos cabelos dela, já soltos, já desgrenhados — e ainda assim, ela era a coisa mais bonita que eu já tinha visto.
De repente, ela levantou o rosto e me olhou com aquele olhar sapeca que eu já conhecia bem.
— “Hoje eu vou dormir contigo.”
— “Vai nada.”
— “Vou sim.”
— “Vai nada.”
— “Vou sim.”
— “E amanhã tu vai pra faculdade como? De ressaca de beijo?”
— “Amanhã tu me leva.”
— “Ah é? Agora tu manda?”
Ela deu de ombros, sorrindo debochada.
— “Desde que tu se apaixonou por mim naquele churrasco.”
— “Eu não me apaixonei naquele dia.”
— “Mentiroso.”
— “Fiquei curioso. A paixão foi no segundo.”
— “Qual segundo?”
— “O segundo em que tu riu com a boca cheia de farofa e mesmo assim continuou linda.”
Ela bateu de leve no meu ombro.
— “Tu tem problema.”
— “Tu tem gosto duvidoso. Olha aí, querendo dormir com um homem cheio de areia na bunda.”
— “A gente toma banho junto.”
— “Aí, ó… tu que tá criando clima, não sou eu.”
— “Tô só avisando que não vou embora hoje.”
— “Então dorme. Mas vai ter que dividir o travesseiro.”
— “Divido tudo. Menos tua boca.”
— “É tua.”
A noite caiu com preguiça, esticando as sombras devagar por cima das ruas de paralelepípedo.
A areia ainda grudava nas nossas canelas, os cabelos estavam meio secos, meio rebeldes, e o corpo inteiro pulsava um calor bom de quem viveu o dia como se fosse feriado eterno.
A gente caminhava devagar, de mão dada, rindo baixinho.
A casa da minha família ficava a quatro ruas da praia — dessas casinhas simples com jardim improvisado, varal estendido e cheiro de jasmim misturado com fumaça de vela.
— “Tu não acha estranho morar com teus pais ainda?” — ela perguntou, apertando minha mão.
— “Não. Estranho é pagar aluguel.”
— “Daniel!”
— “Ué. Meus pais me amam, lavam minha roupa e fingem que não sabem quando tu dorme lá. Qual o problema?”
Ela riu.
— “O problema é que tua mãe tem radar de camisinha. Só falta abrir o pacote e assinar.”
— “Pior que ela é mais de boa que o meu pai. Jonatha finge que é moderno, mas se escuta gemido, ele levanta armado.”
— “Então hoje a gente vai ter que ser discreto.”
— “Hoje a gente vai ter que ser ninja.”
Ela deu risada e me puxou pela camisa.
— “Ninja, mas apaixonado.”
— “Sempre.”
Viramos a última esquina.
Dava pra ver minha casa de longe: luz da varanda acesa, cheiro de comida no ar, cortina da sala balançando com a brisa.
Mas o que a gente viu ao se aproximar…
Foi cena pra traumatizar neto que nem nasceu ainda.
Jonatha e Viviane.
Na rede.
NA REDE.
Os dois no maior agarro, como se fossem dois adolescentes descompensados de t***o, e não dois pais de família com boleto vencido e joelho r**m.
Viviane tava sentada de ladinho no colo dele, de shortinho de ficar em casa, com a blusa arriada no ombro e o pescoço cheio de mordida fresca.
Já Jonatha… tava sem camisa, com o cabelo bagunçado e uma das mãos afundada bem ali.
Na b***a dela.
Isso mesmo.
BEM ALI.
E a rede?
Chorando.
Rangeeeeeendo igual porta de filme de terror, quase pedindo arrego em três idiomas.
Luísa parou no meio do caminho, travada.
Eu parei também.
Meu cérebro bugou. Minha alma pediu demissão do corpo. Minha visão ficou borrada de puro pavor.
Viviane riu alto, com aquele riso solto que só aparece quando a mão do marido tá exatamente onde ela queria.
Foi aí que Jonatha enfiou a cara no colo dela e gritou:
— “CARALHOOO, VIVI! TU VAI ME MATAR AQUI MESMO NA VARANDA, É???”
A Luísa começou a tremer.
Mas não era de frio.
Era de riso.
Ela tava tentando segurar. Juro que tentou.
Mas bastou o Jonatha soltar mais uma:
— “DESGRAÇA, MULHER! TEU CHEIRO TÁ PUXANDO MINHA ALMA PELA ROLA!”
Ela soltou um “MEU DEUS” engasgado e desabou. Riu tanto que se abaixou com as mãos no joelho.
Foi aí que eu, desesperado, tossi.
Com força.
Com dor.
Com desespero.
— “COF COF COOOOOOOF!!!”
Viviane arregalou os olhos.
Pulou da rede igual gato escaldado.
Quase tropeçou no chinelo.
Jonatha ficou parado, com cara de b***a e a mão ainda no crime.
— “c*****o, DANIEL! TU É DOIDO? VAI CHEGAR SEM AVISAR AGORA?”
— “É MINHA CASA, p***a!”
— “E EU TÔ COMENDO MINHA MULHER NA MINHA VARANDA, QUAL O PROBLEMA?!”
Viviane empurrou ele.
— “PELO AMOR DE DEUS, JH! CALA ESSA BOCA!”
— “Tô errado, Viviane? Tô errado de amar minha esposa, a dona da minha libido desde sei lá quando?!”
Eu tapei os ouvidos.
— “Não fala libido. Pelo amor da minha sanidade, pai, não fala libido.”
Luísa caiu sentada no chão da calçada, chorando de rir.
Viviane já tava roxa, querendo desaparecer mais do que eu.
Ela passou correndo por nós, tentando ajeitar a roupa:
— “Entra, Daniel. Leva tua menina. Vai tomar banho. Finge que nada aconteceu.”
Jonatha, com o peito estufado e orgulho de guerra vencida, gritou lá da rede:
— “E NÃO DEITA NA REDE, NÃO! JÁ TEM DNA MEU AQUI, HEIN!”
— “PAAAAAAAAAAAAAAAI!!!”
— “BRINCADEIRA, p***a. VAI COM DEUS.”
Luísa ainda ria, encostada na parede, enquanto eu tentava guiar ela até a porta como se nada tivesse acontecido. Mas o dano já tava feito.
Ela olhou pra mim, limpando a lágrima do canto do olho.
— “Se tu for metade do que teu pai é apaixonado pela tua mãe… eu tô fudida.”
— “Se eu for metade do que meu pai é indecente… tu me interna.”
— “Tô considerando.”
Entramos.
E a rede ficou lá fora.
Rangendo.
Sozinha.
Com trauma.
Igual a gente.