Patrick permaneceu por alguns segundos olhando para a porta fechada. O silêncio do escritório parecia ecoar os próprios pensamentos, e pela primeira vez em muito tempo, ele se pegou refletindo sobre algo que não era uma reunião, um contrato ou uma negociação bilionária.
Lana Ferreira… filha do seu Francisco.
O nome soava simples, mas havia algo na maneira como aquele pai falava da filha que despertava em Patrick um respeito raro. Uma jovem que não vinha com sobrenomes de elite, mas que, ao que tudo indicava, carregava um currículo mais robusto do que muitas das filhas de executivos que ele conhecia. E o mais importante: tinha uma base familiar sólida, coisa rara naquele mundo de aparências onde ele próprio vivia cercado de sorrisos falsos.
Patrick apoiou os cotovelos sobre a mesa e entrelaçou os dedos em frente ao rosto, pensando. Ele sabia que dentro daquela empresa havia um ninho de cobras, e a filha do porteiro estava prestes a entrar no meio deles. Mas algo dentro dele dizia que aquela garota não era do tipo que se quebrava fácil.
Foi nesse instante que a porta se abriu com um estalo seco, como uma interrupção forçada nos próprios pensamentos.
— Amor! — a voz doce demais para soar verdadeira cortou o ambiente, arrancando Patrick de suas reflexões.
Brittany adentrou o escritório como quem desfila em uma passarela. Alta, loira, impecável em um vestido justo demais para o ambiente de trabalho. Os passos eram calculados, milimetricamente ensaiados para exibir uma feminilidade que ela usava como uma arma. O sorriso, porém, estava longe de ser genuíno. Era o tipo de sorriso que Patrick conhecia bem: plástico, ensaiado, vazio.
— Cheguei mais cedo hoje. Pensei que podíamos almoçar juntos — disse, inclinando-se para um beijo leve no rosto do noivo, mais protocolar do que afetuoso.
Patrick esboçou um sorriso educado, polido, daquele tipo que ele havia se acostumado a usar em jantares de negócios. Mas o olhar... o olhar ainda estava distante, preso na imagem de uma jovem que, provavelmente, nem imaginava o que representaria para ele nos próximos dias.
— Que coincidência, Brittany — ele respondeu, com um tom neutro. — Hoje minha agenda está cheia, não terei tempo para almoços longos.
Brittany recuou, levemente incomodada. Mas como boa estrategista, não permitiu que o desdém transparecesse por completo. Ela sabia jogar, e gostava de manter a pose de noiva perfeita — pelo menos até garantir seu sobrenome no altar.
— Então fazemos algo rápido. Eu pedi para a Shirley reservar aquela sala vip do restaurante. Só nós dois, sem imprensa, sem fotógrafos. Você precisa relaxar um pouco, Patrick. Está muito tenso ultimamente.
Ele recostou-se na cadeira, cruzando os braços sobre o peito. O olhar analisava Brittany como quem observa um quadro de valor questionável. Havia um tempo em que ele se deixara seduzir por aquela beleza escultural, por aquele jeito descomplicado de transitar nos eventos sociais. Mas agora… agora tudo soava ensurdecedoramente vazio.
— Brittany, tenho reuniões o dia todo. Não posso desmarcar compromissos por capricho.
A loira forçou um sorriso, mas a tensão nos olhos não passou despercebida. Brittany não era mulher de aceitar negativas, e isso, Patrick sabia bem. Ela se aproximou da mesa, deslizando os dedos pelas bordas de vidro, tentando capturar sua atenção com os artifícios que sempre funcionaram.
— Não estou pedindo para você desmarcar compromissos, amor. Estou tentando resgatar um pouco do tempo que estamos perdendo. Ultimamente você está… distante.
Distante? Ele pensou. Ou finalmente enxergando?
Antes que pudesse responder, a imagem de Francisco e o pedido simples sobre a filha voltou à mente. A diferença entre o valor de uma palavra dita com honra e outra proferida por interesse estava escancarada diante dele.
— Brittany, depois conversamos sobre isso. Agora preciso resolver assuntos internos. — Ele foi cortante, mas educado.
Brittany cerrou os punhos discretamente, mas não insistiu. Sabia que, naquele tom, Patrick era intransponível. Ela sorriu uma última vez, forçada, e inclinou-se para ajeitar a gravata dele, um gesto que mais parecia uma tentativa de manter as aparências.
— Não se preocupe, amor. Eu entendo. Vou deixar você focar no trabalho. Mas hoje à noite, temos um jantar com o diretor Richard, lembra?
O nome saiu dos lábios dela como uma adaga, embora ela não tivesse se dado conta. Patrick ergueu uma sobrancelha, e por um breve instante, o nome Richard ecoou em sua mente com uma curiosidade incômoda.
— Claro, Brittany. Eu não me esqueço de compromissos importantes.
Ela se retirou, rebolando sutilmente enquanto caminhava até a porta. Sabia que ele a estava observando, ou pelo menos, era o que ela acreditava.
Quando a porta se fechou, Patrick soltou um suspiro longo e cansado. O contraste entre aquela visita e a conversa com Francisco era quase cômico.
De um lado, um pedido genuíno, singelo, carregado de honra e amor paterno. Do outro, uma noiva cuja presença parecia um jogo de interesses e aparências.
Ele sabia que, em breve, esses dois mundos iriam colidir.
E, no fundo, já começava a desconfiar de qual lado ele gostaria de estar quando isso acontecesse.