####COMPRAS DO AMOR

2761 Words
Depois de definirem o contato com a arquiteta, Lana e Patrick retornaram à seção principal da loja. A vendedora, sempre solícita, aguardava com um sorriso calmo e profissional. — Como agora vocês já têm uma profissional responsável pela ambientação do quarto — começou ela, com a postura segura de quem conhecia bem seu ofício — acredito que o ideal seja focarmos apenas no enxoval dos bebês. Roupas, mantas, fraldas, bodies, macacões, acessórios essenciais... Tudo aquilo que os pequenos irão utilizar nas primeiras semanas de vida. Lana assentiu, compreensiva. — Faz sentido. A decoração toda ficará por conta dela, não é? — Exatamente. E não apenas a decoração — explicou a vendedora com gentileza — a arquiteta também costuma indicar os carrinhos, poltronas de amamentação, e itens específicos como os organizadores de higiene. Como ela é experiente com múltiplos, saberá exatamente o que recomendar. Patrick franziu levemente o cenho com curiosidade. — Você está dizendo que podemos deixar praticamente tudo por conta dela? — Podem, sim. E devem. Inclusive, posso garantir que ela costuma acompanhar os clientes até aqui, pessoalmente, para validar medidas e combinações. Ela é detalhista, muito responsável. E como vocês disseram que são marinheiros de primeira viagem... — Completamente — confirmou Lana, rindo. A vendedora sorriu de volta. — Então confiem. Eu vou ajudar vocês com o necessário para esse início. Nada em excesso, nada exagerado. Bebês crescem rápido e trocam de tamanho num piscar de olhos. Muitos pais compram pilhas de roupas repetidas e acabam doando com etiqueta ainda presa. Patrick riu, cruzando os braços com leveza. — Você é uma vendedora funcional. Se quisesse só lucrar, estaria nos empurrando produtos que nem precisamos. — Não, senhor — respondeu ela com firmeza elegante. — Eu não quero vocês como clientes apenas hoje. Quero que retornem sempre. Que lembrem de mim quando seus filhos crescerem, quando vierem os aniversários, ou quem sabe mais um bebê no futuro... Lana olhou para Patrick, que deu um leve sorriso, cúmplice. — Só pela sua educação e profissionalismo — disse ele, apertando gentilmente a mão de Lana — prometo que voltaremos. E vamos pedir por você. A vendedora inclinou a cabeça com gratidão. — Fico honrada. Agora vamos começar a escolher peças essenciais. Vamos precisar de quantidades equilibradas para cada tamanho: RN, P e alguns M, para as trocas rápidas. Também indico alguns conjuntinhos de passeio mais clássicos, caso vocês recebam visitas em casa. — Perfeito — disse Lana. — Vamos montar o enxoval mais lindo e prático da cidade. — E dos trigêmeos mais esperados de Boston — completou Patrick, brincando. Seguiram então pelos corredores repletos de delicadeza: tons suaves, tecidos respiráveis, ursinhos bordados, laços discretos e detalhes em renda. Tudo escolhido com carinho, enquanto os dois riam, discutiam cores e sentiam-se, a cada passo, mais próximos da realidade encantadora que se aproximava. Enquanto a vendedora organizava algumas peças sobre o balcão para mostrar, Lana observava com atenção e, com um sorriso gentil, perguntou: — Como é o seu nome? — Lisbeth — respondeu ela, simpática. — Estou à disposição de vocês. Lana assentiu, e então, com interesse prático, questionou: — Lisbeth, me diga uma coisa... Esta loja oferece serviço de home office? — Sim, senhora. Temos, sim. Caso precisem de qualquer item, nós enviamos diretamente ao endereço desejado. Inclusive, muitos de nossos clientes preferem fazer as compras online e receber em casa, principalmente quando estão com recém-nascidos. Patrick, que observava um conjunto de bodies, ergueu o olhar. — Vocês têm site? É possível realizar os pedidos pela internet? — Temos uma loja virtual completa — explicou Lisbeth, pegando um pequeno panfleto com o QR code da loja. — E, se desejarem, posso enviar por mensagem o link direto. Fica mais fácil. Lana então se adiantou: — Mas, se nós fizermos compras pelo site, você recebe comissão? Lisbeth sorriu, um pouco surpresa pela consideração. — Sim, recebo. Basta que utilizem o meu código de vendedora no momento da compra. Ele fica registrado e eu sou comissionada normalmente. — Então, por gentileza, nos forneça o seu código — pediu Lana, firme. — E, se não se importar, o seu telefone pessoal também. Assim, se estivermos sem tempo para vir até aqui, entramos em contato, você nos envia fotos, opções, e separa tudo. A loja entrega, nós facilitamos a nossa vida e garantimos que você seja valorizada pelo seu atendimento. Lisbeth ficou visivelmente emocionada com o gesto. — Muito obrigada, Lana. São poucos os clientes que se preocupam com isso. Farei o possível para atendê-los da melhor forma sempre. — E não precisa me chamar de senhora, Lisbeth. Pode me chamar de Lana, apenas. — Está certo, Lana. Agradeço pela gentileza e consideração. Patrick, observando a troca respeitosa entre as duas, sorriu. — É por isso que gosto de você — murmurou para Lana, baixo, e ela piscou discretamente para ele, cúmplice. Lisbeth entregou um cartão com o código e o contato, e voltou a conduzi-los até uma nova ala da loja. — Agora que já resolvemos isso, vamos continuar? Temos algumas peças lindas que chegaram esta semana. Perfeitas para bebês prematuros e recém-nascidos. Vamos montar um enxoval prático, aconchegante e charmoso. — Vamos, Lisbeth — disse Lana, animada. — Vamos terminar de comprar as roupinhas e as coisinhas dos nossos bebês. Seguiram adiante, entre prateleiras suaves como nuvens, em meio ao cheiro delicado de algodão novo e sabão de bebê. Era mais que uma compra — era a construção de um sonho em cada detalhe. Enquanto Lisbeth organizava com cuidado os conjuntinhos de recém-nascido sobre a bancada acolchoada da loja, Patrick a observava com atenção. Havia algo no olhar dela — uma maturidade silenciosa que contrastava com a juventude do rosto. Ele resolveu puxar conversa. — Lisbeth... há quanto tempo você trabalha aqui? Ela ergueu o rosto surpresa pela pergunta, mas sorriu gentilmente. — Vai fazer seis meses agora, senhor Patrick. — E o que a trouxe pra cá? — ele perguntou com delicadeza, percebendo que havia história por trás da resposta. Lisbeth respirou fundo, como quem escolhe bem as palavras antes de soltá-las. — A minha mãe faleceu. Ela teve câncer. Foi tudo muito rápido... Eu cuidava dela em tempo integral, então não trabalhava fora. Mas depois que ela se foi, as rendas da casa acabaram. Tive que arrumar um emprego o mais rápido possível. Lana, que escutava em silêncio enquanto dobrava um macacão de listras azuis, desviou o olhar para Lisbeth com ternura. — Sinto muito pela sua perda... Ela sofreu muito? — Muito... — Lisbeth respondeu com a voz embargada. — Minha mãe era secretária. Trabalhava muito, e nunca teve tempo de se cuidar. Quando descobriu a doença, já era tarde. E o pior... foi ver ela se apagando aos poucos. — E o seu pai? — perguntou Patrick, com cuidado. — Nunca conheci. Ele abandonou minha mãe quando descobriu que ela estava grávida da minha irmã. Eu tinha doze anos. Desde então, foi só ela... e eu. E agora... sou só eu e a minha irmãzinha. Ela tem oito anos. Lana levou a mão ao peito, com os olhos marejados. — Você parou a faculdade por causa disso tudo? — Sim. Eu estudava Design de Interiores. Queria muito me formar. Mas precisei trancar a matrícula. Estou trabalhando para pagar as dívidas do hospital. O seguro social não cobriu tudo. E tenho que cuidar da minha irmã. — E onde vocês moram? — Patrick quis saber. — Por sorte, minha mãe deixou um pequeno apartamento. Se não fosse por isso, nem sei... A vida é uma luta diária. Mas eu agradeço a Deus por ainda ter saúde e forças pra continuar. Patrick e Lana trocaram um olhar silencioso, ambos emocionados com a força daquela jovem mulher. Patrick ficou em silêncio por alguns segundos, digerindo cada palavra com um misto de admiração e respeito. Depois, falou com a voz serena, mas firme: — Você é admirável, Lisbeth. Poucas pessoas com sua idade teriam essa coragem. Cuidar da sua mãe doente, abrir mão dos próprios sonhos para proteger a irmã mais nova, enfrentar dívidas e ainda assim manter esse sorriso no rosto… Isso diz muito sobre quem você é. Lisbeth sorriu com os olhos marejados, mas disfarçou rapidamente. — A gente aprende, senhor. Ou a gente afunda, ou a gente aprende a nadar. E a minha irmã... ela só tem a mim. Então não tem opção. — Chame-me de Patrick, por favor — ele disse, com um leve sorriso. — E conte com a gente. Não só como clientes. O que você precisar em relação ao quarto dos nossos filhos, queremos que seja você a acompanhar. O seu bom gosto e sua dedicação nos ganharam. E, se possível, eu quero que você receba por isso. Sempre. Lisbeth agradeceu com um aceno tímido, visivelmente tocada. Lana se aproximou e tocou levemente o braço da vendedora. — Eu também cresci com dificuldades, Lisbeth. Por isso, mais do que ninguém, eu entendo o que é batalhar por quem a gente ama. E eu sinto que a sua história ainda vai mudar. Você merece muito mais do que apenas sobreviver. Lisbeth não respondeu. Apenas sorriu, emocionada, e limpou discretamente uma lágrima no canto do olho. Patrick olhou para Lana com carinho, depois para Lisbeth, e disse: — Agora, vamos terminar esse enxoval. Meus filhos vão ter as melhores roupinhas escolhidas por três mulheres fortes: minha esposa, a mãe da minha futura filha, e você. Lisbeth sorriu mais uma vez, agora com orgulho. — Vai ser um prazer, Sr Patrick. Depois de escolherem os últimos itens do enxoval, Lana acariciava um dos conjuntos com delicadeza quando Patrick se virou para Lisbeth, observando-a com um olhar reflexivo. — Lisbeth... posso te perguntar uma coisa? — Claro, senhor Patrick. — Você é bem comissionada aqui na loja? Ela sorriu com honestidade, sem disfarçar a realidade: — A loja paga de forma justa, sim... Mas não é sempre que temos sorte de atender um casal como vocês — esperando trigêmeos e comprando com tanto carinho. A maioria das vendas são pequenas. E mesmo nas grandes, dividimos com o setor de caixas, estoque... Patrick assentiu lentamente. — É, mas o que me impressiona em você... é que, mesmo sabendo das suas necessidades — e agora sabemos um pouco da sua história — você não tentou nos empurrar nada além do essencial. Pelo contrário, nos alertou para não exagerarmos. Lisbeth mordeu o lábio inferior, emocionada, mas manteve a postura profissional. — É porque é o certo, senhor Patrick. A minha mãe me ensinou isso. Ela me criou sozinha, sem ajuda de ninguém. Meu pai biológico... sumiu assim que ela descobriu a gravidez. Ela terminou a faculdade grávida de mim, se virou em mil para me criar. Só anos depois ela casou com o pai da minha irmãzinha. Mas quando ela engravidou de novo, dois anos depois do casamento, ele foi embora... e nunca mais voltou. Ela fez uma pausa, respirou fundo, com os olhos levemente marejados. — Mesmo assim, minha mãe não procurou ele. Ela dizia: “Eu crio as duas sozinha. Não preciso de quem nos virou as costas.” E criou mesmo. Com dignidade. Trabalhando o dia inteiro. Ela foi o maior exemplo da minha vida. E antes de partir... ela me fez prometer uma coisa: que eu nunca deixaria a minha irmã sozinha. — Quantos anos sua irmã tem? — Oito. E hoje mesmo a assistente social esteve lá em casa pela manhã. Foi checar se está tudo certo, se ela está bem cuidada. Eu tive sorte porque entro na loja só às dez da manhã, então consegui recebê-la. Mas confesso que meu coração ficou apertado. Se acharem que eu não estou dando conta... posso perdê-la. E isso eu não vou permitir. A promessa que eu fiz à minha mãe é mais sagrada do que qualquer outra coisa. Lana já tinha lágrimas discretas nos olhos. Patrick, com o maxilar tenso, inspirou fundo antes de dizer com firmeza: — Então vamos fazer o seguinte. Você disse que está perto da sua hora de saída, não é? — Sim. Quando eu terminar de atender vocês, encerro meu turno. — Ótimo. Porque nós vamos sair daqui com você. Vamos passar em um supermercado, fazer algumas compras — e depois vamos até a sua casa. Queremos conhecer você fora da loja... e conhecer sua irmã também. Lisbeth arregalou os olhos, surpresa. — Senhor Patrick, senhora Lana... Eu... não sei nem o que dizer... — Não precisa dizer nada — disse Lana com ternura. — Nós queremos apenas fazer o que é certo. E o que você merece. Lisbeth, com a mão trêmula, levou os dedos ao peito, contendo a emoção. — Eu... só posso agradecer a Deus por ter colocado vocês no meu caminho hoje. — E nós também — respondeu Patrick, com um sorriso discreto. — Porque foi através de você que hoje aprendemos que generosidade e dignidade não dependem do bolso cheio... mas do coração inteiro. Nota da Autora Nesta história, introduzi a personagem Lisbeth não por acaso, mas por necessidade. Enquanto escrevia o capítulo da compra do enxoval dos trigêmeos, me veio o impulso de dar voz a alguém que representasse a força invisível da vida real — aquela mulher que, mesmo com as costas sobrecarregadas pelo luto, por dívidas e pela responsabilidade de criar sozinha uma irmã pequena, não perde a honestidade, o carinho no atendimento, nem a esperança. Lisbeth não é só uma vendedora de loja de bebê. Ela é a filha de uma mulher que morreu sem conseguir se cuidar, que se desdobrava em jornadas de trabalho para sustentar duas filhas. Ela representa tantas mulheres reais que conheci na vida — discretas, guerreiras, e quase sempre esquecidas. Ela perdeu a mãe, interrompeu a faculdade, trabalhou duro, e ainda precisa provar todos os dias ao serviço social que tem condições de criar sua irmã. Tudo isso em silêncio, com dignidade e doçura. Eu precisava escrever sobre ela. Nos meus livros, eu não ignoro a fantasia, o romance, o sonho — mas também não fujo da realidade. Mesmo nos enredos mais lúdicos, sempre haverá uma base de humanidade, de verdade e de justiça. Meus personagens nem sempre são ricos, mas sempre terão um final que eu mesma gostaria de viver se estivesse no lugar deles. Porque se eu não tiver dinheiro, pelo menos nos meus livros eu posso dar uma solução, posso curar as dores, posso dar justiça. E eu vou continuar fazendo isso enquanto Deus me permitir escrever. Por que escrevo como escrevo? Sabe, às vezes as pessoas me perguntam por que eu crio certos personagens. Por que eu escrevo sobre gente que sofre, que luta, que perde, mas que insiste em não se corromper. E eu sempre digo: porque eu conheço esse tipo de gente. Eu vejo essas pessoas todos os dias — na rua, no mercado, no hospital, no silêncio. Gente que ninguém nota, mas que carrega o mundo nas costas. E eu não aguento ver a dor delas passar despercebida. Então eu trago essas dores pra dentro dos meus livros — não pra explorar sofrimento, mas pra dar voz, dar justiça, dar final feliz. Foi por isso que criei a Lisbeth. Ela nasceu ali, no meio de um capítulo que era pra ser só sobre a compra de enxoval. Mas eu vi naquela moça uma história que precisava ser contada. Uma jovem que perdeu a mãe, que carrega uma irmã pequena nos braços, que trabalha duro, que luta contra o sistema pra não perder o que restou da família. Uma mulher que, mesmo com dívidas, medo e dor, ainda mantém a honestidade, o carinho e a humildade. Eu podia ter feito dela só uma coadjuvante simpática. Mas não. Ela me tocou. E quando um personagem me toca assim, ele vira protagonista, porque eu sinto que Deus está me pedindo para contar aquela história também. Talvez porque, de certa forma, eu me veja em cada uma dessas mulheres. Talvez porque eu já tenha vivido muita coisa que me fez prometer que, nos meus livros, ninguém vai ficar sem resposta. Se a vida foi dura com alguém, a minha ficção vai ser um lugar onde essa dor encontra acolhimento. Eu posso não ter dinheiro, posso não ter recursos pra mudar o mundo aqui fora. Mas nos meus romances? Eu posso. Eu posso curar. Eu posso salvar. Eu posso devolver a dignidade de quem foi esquecido. E é isso que eu vou continuar fazendo. Com fé. Com amor. E com responsabilidade. Porque escrever, pra mim, não é só criar fantasia — é dar sentido à realidade. Tônia Fernandes
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