Lana entrou em casa com passos silenciosos, segurando os sapatos nas mãos para não acordar ninguém — ou pelo menos era o que imaginava.
— Até que enfim! — sussurrou uma voz aguda no escuro da sala.
Ela levou um susto. Acendeu a luz. Lena estava no sofá, com uma coberta nas pernas, o cabelo preso de qualquer jeito e uma tigela de pipoca quase vazia no colo. Nisse surgiu da cozinha com um copo de suco e a expressão de quem esperava por aquele momento como um episódio final de novela.
— Mas que é isso, uma vigília? — riu Lana, deixando os sapatos ao lado da porta.
— Óbvio! Você saiu com o homem mais cobiçado de Boston e achou que ia entrar aqui como quem voltou da farmácia? — retrucou Lena, dando tapinhas no sofá. — Senta aí, desembucha.
Lana largou a bolsa no aparador, tirou o blazer e se jogou entre as duas. Tereza devia já estar dormindo, então era o momento ideal para aquele tipo de conversa com risadinhas abafadas.
— Então... — começou Nisse, com os olhos arregalados. — Onde ele te levou?
— Num restaurante lindo, chamado La Riva. Jantamos à luz de velas, e ele... foi um cavalheiro o tempo todo — respondeu, com um sorrisinho ainda sonhador no rosto.
Lena estreitou os olhos.
— Ele tentou alguma coisa?
— Tentou, me emocionar. E conseguiu — disse Lana, com a voz mais baixa. — Nós dois conversamos como adultos. E depois ele me perguntou se podia me beijar.
Nisse levou a mão ao peito.
— Ai, meu Deus. Ele pediu?
— Sim. E eu deixei. — Ela suspirou. — E foi... lindo.
Lena e Nisse se entreolharam, como duas detetives confirmando uma teoria.
— Você está apaixonada, né? — soltou Nice, como quem já sabia.
Lana hesitou, mas não havia como negar.
— Sinceramente? Estou, e não sei como agir.
Lena se inclinou, empolgada:
— E você acha que ele não está também? Amiga, o cara enfrentou o conselho, falou com nosso pai e agora tá te tratando como uma rainha. Isso é amor que tá tomando forma, e das boas.
— E não é só isso — acrescentou Nice, animada. — Sabia que o Louis me chamou pra tomar sorvete? Sorvete! Numa praça pública! Ele disse que sabe que eu sou moça direita e que queria me levar num lugar "sem rótulos e sem maquiagem", palavras dele.
— Mentira! — riu Lana, cobrindo a boca.
— Pois é verdade! E ainda comprou uma flor de um vendedor de rua e me deu. Eu quase me derreto — disse Nice, rindo sozinha.
— E vocês acham que só vocês duas estão passando por isso? — interrompeu Lena, dramática. — O Harry não para de mandar presentinhos pra mim na faculdade. Caneta, lanche, até uma garrafinha de água com bilhete.
— Não acredito! — gritaram as duas em uníssono.
— E agora... — Lena abaixou a voz, olhando para os lados. — Ele contratou um segurança pra mim. Um guarda-costas discreto. Disse que é só "pra garantir minha tranquilidade" por causa de um “comentário” que ouviu sobre um carinha que tem me perturbado no campus.
— Menina do céu... — Lana riu, encostando-se no sofá, as bochechas coradas.
— Será que esses dois playboys resolveram mudar de verdade? — provocou Nisse, levantando a sobrancelha.
— Não sei — respondeu Lana. — Mas se acham que vão ter o que outros quiseram e a gente nunca deu...
— ...vão ter que ralar muito — completou Lena, fazendo as três caírem na risada abafada.
— A gente não vai facilitar só porque agora eles resolveram ser românticos — disse Nice, balançando o dedo. — Se quiserem, vão ter que conquistar a gente como nos romances antigos. Com respeito. E com paciência.
— Exatamente — disse Lana, mais séria agora. — Porque se for pra amar, que seja inteiro. E se for pra construir, que seja com base firme.
Histórias que só mulheres fortes podem viver — e escrever.
Elas falam tanto, mas quando chega a minha vez de contar alguma coisa, pronto. Parece que o mundo para. Até o vento escuta.
Nice me cutucou com o cotovelo.
— Agora é tua vez, Lena. Conta do segurança.
Lana já estava encostada no braço do sofá, com um sorriso de canto. E eu,bem, eu não sabia se ria ou se ficava vermelha.
— Tá bom. Mas vocês prometem não rir?
— Já estamos rindo — disse Nice, antes mesmo que eu abrisse a boca.
Revirei os olhos, mas não consegui segurar o sorriso.
— Então, foi assim. Eu estava saindo da aula na sexta-feira, e tem um cara novo na portaria. Pensei que era segurança da faculdade. Mas aí ele me segue discretamente. Achei estranho, claro. Quando cheguei no ponto, ele se aproximou e disse: “Estou aqui a pedido do senhor Harry MacAllister. Sou designado à sua proteção.”
Nice arregalou os olhos, e Lana sentou reta no sofá.
— Ele mandou um segurança para você?
— Mandou. E depois ainda teve a audácia de me mandar uma mensagem dizendo: “Não é para você se assustar. Mas se alguém ousar encostar um dedo em você, vai ter que lidar comigo. E isso é mais feio do que parece.”
Nice tapou a boca.
— Menina, isso é o auge do possessivo protetor.
— Isso é coisa de lobo alfa — completou Lana, rindo. — Estilo Patrick mesmo.
— Mas o pior, continuei, pegando o celular — é que ele mandou uma foto de um buquê que encomendou. Disse que chega amanhã na faculdade. “Para te lembrar que agora você é prioridade, e não distração.”
Elas suspiraram juntas. Eu me fiz de forte, mas por dentro… eu tava tremendo igual à vara verde.
— Tá apaixonada — disse Nice.
— Não estou! — retruquei.
— Está sim — cantarolava as duas em uníssono.
— Estou muito confusa. Porque ele é lindocharmoso e, engraçado. Mas também é Harry MacAllister, né? Fama de mulherengo, herdeiro, riquinho, e eu sou só uma estudante, filha de costureira. Eu fico me perguntando se é verdade. Se não é mais um jogo.
Lana me olhou com ternura.
— Eu pensei a mesma coisa sobre o Patrick, sabia?
— E hoje está aqui, toda sonhadora, com gosto de beijo nos lábios e vinho na memória — provocou Nice, fazendo Lana dar risada.
— Estou dizendo que às vezes, a gente acha que esses homens nunca vão olhar pra gente com seriedade, mas aí eles nos surpreendem. E quando fazem, não é só um gesto. É uma escolha.
Eu respirei fundo.
— Eu só não quero me machucar. Não quero acreditar em um sonho que não é pra mim.
— Então vamos fazer o seguinte — disse Lana, deitando e puxando uma almofada para o colo. — Se for para acreditar, nós acreditamos juntas. Se for pra quebrar a cara, a gente cola juntas. Mas por enquanto, vamos viver. Com calma. E com critério.
— Isso. Nada de entregar o coração de bandeja. Mas também, nada de se fechar por medo. Se for amor, vai mostrar serviço — disse Nice, agora já com o cabelo preso no alto, em um coque improvisado.
Nos olhamos, cúmplices. Tínhamos cada uma seu ritmo, suas dores, seus traumas. Mas também tínhamos umas às outras. E isso era tudo.
Depois de tanta conversa, fomos cada uma pro seu quarto.
Deitei olhando pro teto, abraçada ao celular, onde a última mensagem do Harry ainda piscava.
“Sonha comigo. Porque eu já tô perdido pensando em você.”
Fechei os olhos e sussurrei, só pra mim:
— Se for verdade... que seja inteiro.
E naquela noite, mesmo com todas as incertezas do mundo, elas dormiram com os corações aquecidos por possibilidades. Não de contos de fadas, mas de histórias reais.