####Um Propósito
Lana desceu os últimos degraus da escada segurando firme a mão de Patrick. Ao atravessarem a pequena calçada do prédio, ela ainda sentia o calor do beijo de Bela em sua barriga e a doçura das palavras daquela criança tão cheia de vida, mesmo cercada por tantas limitações.
Ao entrarem no carro, Lana se sentou e puxou o cinto em silêncio. Só depois de alguns segundos ela suspirou, tentando conter as lágrimas que teimavam em cair.
Patrick ligou o carro, mas não deu partida. Ficou parado por alguns segundos, observando o retrovisor. Seus olhos estavam distantes, mas havia neles um brilho diferente — algo entre admiração e humildade.
— Nossa… — ele murmurou. — Eu estou me sentindo tão bem em ter conhecido essa moça… e de ter feito isso hoje. Não é sobre dar ou comprar, sabe? É sobre perceber. É sobre enxergar.
Lana olhou para ele, emocionada.
— Eu espero que ela nos procure se precisar de alguma coisa — ele continuou, com o olhar firme. — Eu realmente espero.
Ela apertou de leve a mão dele sobre o câmbio e sorriu com ternura.
— Amor… é por isso que eu te amo. — Sua voz saiu embargada. — Porque você sempre foi uma pessoa justa… E mais do que isso: você é humano.
Patrick virou-se para ela, tocado.
— De que adianta ter tanto dinheiro, tanto poder… se eu não posso enxergar quem está ao meu redor? — Ele respirou fundo. — A realidade da vida, Lana, é muito c***l. Tem gente que acorda às cinco da manhã pra dar conta de sobreviver… que não tem tempo nem pra sentir cansaço.
Lana assentiu em silêncio, sentindo o nó na garganta apertar ainda mais.
— O que falta… — ele continuou, com a voz firme — é empatia. Falta a gente, que tem um pouco mais, parar de olhar só pro próprio umbigo. Falta a gente enxergar além do espelho, além da própria família. Tem tanta Lizbeth por aí. Tantas Belas.
O silêncio que se formou depois dessas palavras foi quase sagrado. Lana sentia o coração pulsar forte.
Então Patrick voltou a falar, agora com os olhos fixos na rua à frente.
— Lana… depois que os nossos bebês nascerem, eu quero abrir um novo contrato de apoio social pela nossa empresa. Um projeto em parceria com o Crestes… — disse o nome do centro de acolhimento local com firmeza — voltado para mães solo. Mães que têm filhos e que, como a Lizbeth, precisam trabalhar, cuidar da casa, da criança… e ainda manter a dignidade.
Lana arregalou os olhos, tocada com a ideia.
— Patrick…
— Olha o sacrifício que ela faz — ele continuou, com paixão na voz. — Ela deixa a irmã na escola, volta pra casa, se arruma, vai trabalhar com um sorriso no rosto, sendo competente, educada. E sabe-se lá se ela não volta correndo pra arrumar o apartamento, fazer comida, organizar tudo antes da irmã chegar.
Ele fez uma pausa, engolindo em seco.
— E aquela vizinha… você viu? Com certeza ela já ajudava a mãe da Lizbeth antes de falecer. Isso não se constrói de um dia pro outro. É uma rede de apoio silenciosa… feita por gente comum… que carrega o mundo nas costas.
Lana deixou uma lágrima escorrer livre, sorrindo com ternura.
— É isso que falta na humanidade — Patrick finalizou. — Menos discurso, mais ação. E eu prometo a você, amor, que a nossa empresa vai fazer parte dessa mudança.
Ela estendeu a mão e o tocou no rosto, acariciando com delicadeza.
— Eu tenho tanto orgulho de você… — sussurrou. — E sei que os nossos filhos também vão ter.
Ele sorriu, finalmente ligando o carro, com um sentimento novo dentro de si: propósito.
E naquela noite que se inicia com tons dourados no céu, Patrick e Lana não apenas haviam ajudado alguém. Tinham permitido que a empatia os moldar — como seres humanos, como casal, e como futuros pais de três vidas que viriam ao mundo com exemplos assim como herança.
Uma Noite, Três Corações e Um Propósito
O silêncio preenchia o carro enquanto eles deixavam a periferia de Boston para trás. Os olhos de Lana seguiam atentos às luzes da cidade, mas seu coração ainda estava com a pequena Bela e com o sorriso contido de Lisbeth. Era noite, a lua já brilhava entre as nuvens, e a emoção ainda pairava sobre os dois como um cobertor invisível.
Patrick dirigia com tranquilidade, mas sua mente já arquiteta o próximo passo.
— Amor… — ele quebrou o silêncio, com um leve sorriso no canto dos lábios. — Amanhã mesmo você vai estar no apartamento, certo?
Ela o olhou, sem entender.
— Vamos chegar em casa e ligar para a arquiteta hoje ainda — completou ele. — Amanhã você fala com ela, explica tudo direitinho. Diz que queremos que ela exija à dona da loja que a Lisbeth receba a comissão pelas compras. Por todas elas.
Lana franziu o cenho, surpresa com a firmeza na voz dele.
— Mas, Patrick… a arquiteta ainda vai fazer o projeto, não é?
— Não importa — ele respondeu, convicto. — Se ela foi indicada pela Lisbeth, é porque é competente. E se é competente, já tem a nossa confiança. Pode fechar o contrato com ela sem medo. Ela tem carta branca. E eu quero que fique claro pra ela que pode comprar tudo do bom e do melhor para os nossos filhos. Tudo em dose tripla.
Lana respirou fundo, absorvendo cada palavra.
— Amor… você quer mesmo que a arquiteta exija isso à dona da loja?
— Sim — ele confirmou. — A arquiteta, você sabe, vai receber a RT pelas compras. Isso é dela, justo. Mas eu e você, juntos, exigimos que a dona da loja também comissione a Lisbeth. Não é justo que ela não ganhe. Aquela moça nos atendeu com tanta atenção, tanto carinho. Ela merece.
— Concordo com você — Lana disse, sorrindo com orgulho. — A Lisbeth é especial. Ela nem reclamou de nada, mesmo cansada, mesmo saindo tarde, mesmo morando longe… E a irmãzinha dela… Ah, Patrick. Aquela menina é um raio de luz.
— São essas pessoas que fazem a diferença no mundo — ele murmurou. — E são essas pessoas que a gente não pode deixar passar despercebidas. Nem invisíveis.
Lana assentiu, com os olhos marejados.
— Eu vou falar com a arquiteta, sim. Vou deixar tudo bem explicado. E vou dizer que ela pode ficar tranquila: além do pagamento do projeto e da RT, o nosso único pedido é que a Lisbeth receba o que é justo.
Patrick sorriu, satisfeito.
— Perfeito. E depois que os bebês nascerem… nós vamos convidar a Lisbeth e a irmãzinha dela para jantar com a gente. Em nossa casa. Com tudo do bom e do melhor.
Lana sorriu emocionada, apertando com carinho a mão dele sobre o volante.
— Eu te amo — disse ela.
— Eu também te amo. E amo saber que juntos… nós estamos fazendo algo que realmente importa.
A noite seguia seu curso lá fora, mas dentro daquele carro, dois corações estavam ainda mais unidos — não apenas pelo amor que sentiam um pelo outro, mas pela empatia que os guiava para um novo propósito de vida.
Justiça que Nasce do Amor
Já estavam em casa. Lana estava sentada no sofá, com uma manta sobre as pernas e o celular em mãos. Patrick permanecia próximo à varanda, observando a cidade pela janela, mas atento à esposa.
— Amor… — ela chamou, pensativa. — Sobre aquilo que você falou da comissão da Lisbeth…
— Sim, meu bem?
— Eu liguei para a arquiteta, como combinamos. Ela me atendeu há pouco. Uma querida, super solícita. Mas, quando mencionei a ideia de pedir que a dona da loja pague comissão à Lisbeth, ela explicou que infelizmente não pode fazer essa exigência.
Patrick virou-se, o olhar atento e firme.
— E por que não?
— Porque isso é uma política interna da loja, Patrick. A arquiteta disse que ela recebe o RT dela, como arquiteta parceira, e isso é completamente separado da comissão das vendedoras. Ela pode recomendar, elogiar, valorizar… mas não pode obrigar a loja a pagar uma comissão extra a ninguém.
Patrick apertou a mandíbula, refletindo em silêncio. Caminhou devagar até o sofá, sentando-se ao lado da esposa. Seus olhos estavam sérios, mas havia ternura neles.
— Tudo bem. Então vamos fazer o seguinte. Você vai perguntar pra ela, com calma, quanto ela vai cobrar pelo projeto completo do quarto dos bebês — ele disse, olhando firme para Lana. — E pergunta também, baseado na experiência dela, quanto ela acha que será gasto, em média, com móveis, decoração, enxoval... tudo.
Lana assentiu, já abrindo o bloco de notas no celular, atenta.
— Certo. E aí?
— Aí, você vai perguntar qual o percentual que ela recebe da loja como comissão: cinco, dez por cento, seja lá quanto for — respondeu Patrick, sem hesitar. — Assim que ela te passar esse número, eu vou pagar exatamente o mesmo valor diretamente à Lisbeth. Como se ela fosse comissionada também. E mais: ela não vai precisar dividir com ninguém.
Lana ficou em silêncio por um momento, impactada. Seus olhos se encheram de emoção.
— Patrick… — murmurou. — Isso é muito generoso.
Ele sorriu levemente e apertou a mão dela com carinho.
— Isso é justo, Lana. Aquela moça foi ética, educada, atenciosa. Nos tratou com dignidade, mesmo com todas as dificuldades que ela enfrenta. Você viu a condição dela… cuida da irmã sozinha, trabalha até tarde, mora longe, pega dois ônibus... e, ainda assim, mantém aquele sorriso no rosto. Isso… isso não tem preço.
Lana respirou fundo. Sua voz saiu embargada.
— É por isso que eu te amo tanto.
Patrick a envolveu num abraço leve e cálido.
— Amor… ela precisa. E, se nós podemos fazer algo por alguém que se dedica com tanto amor e honestidade, então é nossa obrigação moral. Quando você falar com a arquiteta amanhã, já deixa tudo alinhado. Eu faço questão.
Lana recostou a cabeça no ombro dele, emocionada.
— Pode deixar. Eu vou cuidar de tudo. E ela vai receber cada centavo. Sozinha. Sem precisar dividir nada com ninguém. Ela merece.
Patrick beijou o alto da cabeça da esposa com delicadeza e sussurrou contra seus cabelos:
— E os nossos filhos… vão crescer sabendo o valor da empatia, do respeito e da justiça.
“Por que eu escrevo assim?” – Análise íntima da autora
Sabe, às vezes me perguntam por que eu introduzo tantos personagens secundários, por que crio cenas tão humanas, por que dou destaque até para uma simples vendedora de loja de bebê? A resposta é simples. Porque eu vejo.
Eu vejo essas pessoas na rua. No ônibus. No supermercado. Nos corredores das lojas, carregando peso, correndo atrás do tempo, com os olhos cansados, mas com dignidade no rosto. Essas pessoas existem. E se elas não existem nos romances que o mundo escreve, elas vão existir nos meus.
A Lisbeth nasceu assim.
Como uma daquelas mulheres que ninguém vê.
Mas eu vi.
Vi a força de uma irmã mais velha que se desdobra para manter a guarda da mais nova. Vi uma jovem tentando honrar a dívida da mãe com o hospital. Vi uma mulher que não teve tempo de viver na própria juventude porque precisou virar adulta antes da hora. E mesmo assim… mesmo assim, ela sorri.
Eu introduzi a Lisbeth não apenas porque ela vai ganhar sua própria história — e vai. Ela já está aqui, viva na minha mente, pedindo passagem. Mas também porque eu precisava mostrar que o mundo real, com todas as suas dores, também pode ser tocado pela empatia.
Algumas leitoras talvez digam: “Ah, isso não existe. É muito utópico.”
E eu respondo: sim, existe. E mesmo que não existisse… ora, o romance não é utopia?
Então me deixem sonhar.
Me deixem escrever o mundo como eu gostaria que ele fosse.
Um mundo onde um patrão com dinheiro não apenas enxerga o funcionário — mas reconhece seu valor.
Um mundo onde uma criança pode chamar um desconhecido de príncipe e receber de volta respeito.
Um mundo onde ninguém é pequeno demais para ser digno de amor, de atenção, de recompensa.
A verdade é que tudo é um ciclo. O patrão precisa do vendedor. O vendedor precisa do cliente. O cliente precisa ser bem tratado. E todos nós precisamos de respeito. Empatia. Generosidade.
Se isso ainda não é comum… então que meus livros sirvam para plantar esse desejo.
Se alguém disser “isso não existe”, que a resposta seja: “então vamos fazer existir”.
Porque se meus leitores saírem das minhas histórias com o coração mais quente, mais sensível, mais atento… então eu cumpri minha missão.
E a Lisbeth?
Ela ainda vai surpreender muita gente. Porque os invisíveis, quando são vistos, brilham com mais intensidade que os holofotes.
— Tônia Fernandes