O PESO DA VERDADE

1044 Words
Quinze dias. Quinze dias de planilhas, contratos cruzados, olhares tortos nos corredores e dados escorrendo por entre os dedos como areia de ampulheta. A auditoria interna, que começou de forma sutil, agora tomava proporções sérias. A cada reunião, novas inconsistências surgiam. Desvios. Aumentos injustificado. Contratos com empresas fantasmas. E sempre, sempre, o nome de dois responsáveis surgia entre as sombras: Marcelo, o diretor financeiro, e Richard Hamilton, ex-diretor afastado da presidência. Lana caminhava até a sala de reuniões com uma pasta lotada de provas. O salto ecoava nos corredores com segurança. Ao lado dela, Louis — agora com semblante mais sério do que nunca — segurava o tablet com os relatórios digitais. Vestia-se como o CEO que era por direito, e o calor dos últimos dias parecia não afetar sua postura de aço. — Hoje a coisa vai pegar — murmurou Louis, com o maxilar travado. — Eu estou pronta. Por mim, por você, por essa empresa — respondeu Lana com firmeza. Eles entraram na sala reservada para os membros de diretoria. Patrick já estava sentado, gravata ajustada, expressão impassível. Harry estava de pé, escorado na parede com os braços cruzados, mas os olhos atentos. Marcel já estava lá também. Tentava parecer tranquilo, mas havia suor em sua testa e um leve tremor nas mãos enquanto organizava os papéis diante de si. — Bom dia — começou Patrick. — Obrigado por estarem presentes. Hoje vamos analisar o relatório final da auditoria dos últimos doze meses. A equipe liderada por Henry Dales, com suporte direto de Lana Alves e Louis MacAllister, concluiu o cruzamento de dados com o setor jurídico. Marcelo tentou manter a compostura. — Antes de qualquer acusação, quero deixar claro que... — Ninguém está acusando — cortou Harry, com um sorriso sarcástico. — Ainda. Lana levantou-se. Colocou a pasta sobre a mesa e ligou o projetor. — Nos últimos quinze dias, analisamos todos os contratos e pagamentos emitidos com valor acima de cinquenta mil dólares. Encontramos duplicidades, adiantamentos indevidos, e até mesmo serviços inexistentes pagos a empresas sem registro legal válido. Tudo isso com aprovação direta ou indireta de seu setor, senhor Marcel. O homem respirou fundo, tentando manter a calma. — Todos os pagamentos têm autorização superior. Eu nunca... tomei decisões sozinho. Louis se adiantou, entregando o tablet a Patrick. — Aqui estão os registros dos acessos ao sistema nos dias em que os arquivos foram apagados ou alterados. Todos vieram do seu login. — Isso pode ser forjado! — Não quando temos logs do servidor central, Marcel. E a senha foi usada no mesmo IP cadastrado no seu notebook pessoal — explicou Patrick, olhando-o nos olhos. O silêncio pesou. Harry se levantou. — E tem mais. Sabe os pagamentos à empresa Barter Solutions? A que prestava “consultoria fiscal” mensal por quase cem mil dólares? Ela pertence a uma mulher chamada Helen Hamilton. O nome fez o sangue de Marcel sumir do rosto. — Sim. Ex-esposa de Richard Hamilton. Os depósitos foram feitos diretamente na conta dela — completou Louis. — Você foi o elo. A ponte. E agora vai cair com ele. Patrick se levantou. — A partir de agora, o senhor Marcel está afastado de qualquer função de comando, até que o setor jurídico e os federais concluam a investigação. Marcelo se levantou abruptamente, atordoado. — Isso é uma armação! Vocês estão me fazendo de bode expiatório! — Nós só estamos mostrando o que você mesmo deixou registrado, dia após dia — respondeu Lana com frieza. — Você se condenou. Marcel saiu da sala escoltado pela segurança interna, avisado de que uma auditoria externa estava a caminho e que, em breve, ele seria convocado a prestar depoimentos formais. A sala permaneceu em silêncio por alguns segundos. Patrick se recostou na cadeira. — Isso foi só o começo. Agora o próximo é Hamilton. Harry sorriu. — Já estou com os rastros dele também. A tarde caiu sobre Boston como um véu pesado. O clima dentro da empresa estava tenso. Ninguém falava alto nos corredores. Todos sabiam que algo havia mudado — e que alguém, ou melhor, alguéns, haviam caído. Lana estava na sala de reuniões com Patrick e Louis. As luzes estavam baixas, e uma nova pasta repousava na mesa. Era a última que faltava. — Aqui estão as movimentações que ligam diretamente Richard Hamilton a pelo menos cinco contratos fraudulentos. Todos criados durante o período em que ele ainda atuava como conselheiro informal — explicou Lana, apontando para os documentos. — E o pior — disse Louis — é que o dinheiro desviado foi parar em contas offshore. Algumas delas usadas para cobrir... luxos pessoais. Patrick ergueu uma sobrancelha. — Luxos como? Lana respondeu com um olhar firme: — Joias, passagens, apartamentos em Miami... tudo em nome de uma beneficiária: Britney Evans. Harry entrou exatamente nesse momento, com um sorriso debochado no rosto. — E não é que a madame estava bancando o salto alto com dinheiro da empresa? Patrick se levantou. — Vamos convocar uma coletiva interna. Chegou a hora de esclarecer tudo. Pros sócios. Pros funcionários. Pra todos. Louis assentiu. — E depois... a justiça que cuide do resto. Na manhã seguinte, a empresa inteira estava reunida no auditório principal. Nunca se viu tanta gente junta ali — até os funcionários do almoxarifado foram autorizados a descer. Patrick subiu ao palco com elegância e falou com firmeza. — Nos últimos quinze dias, conduzimos uma auditoria rigorosa. Descobrimos que duas pessoas usaram a confiança da diretoria para praticar desvio de verbas, fraude documental e enriquecimento ilícito. Uma delas já foi afastada. A outra, Richard Hamilton, será formalmente denunciada hoje. Murmúrios se espalharam como faísca em capim seco. Patrick continuou: — E que fique claro: essa empresa tem donos com nome, mas o que a mantém de pé são as mãos que a constroem todos os dias. Ninguém aqui é pequeno demais pra ser visto, nem grande demais pra ser cobrado. Um silêncio reverente tomou conta da plateia. Ao final, enquanto todos aplaudiam, Lana sentiu os olhos marejarem. Pela primeira vez, ela não era mais apenas a assistente. Ela era parte da mudança. Patrick a encarou do palco, e em silêncio, lhe disse tudo o que precisava: “Eu te escolhi. E faria tudo de novo.”
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