— Eu aceito — a voz de Naomi saiu mais baixa, como se estivesse digerindo o controle que perdera. — Eu topo a terapia. Mas com uma condição.
Lloyd já esperava por isso. Nada com Naomi vinha sem um preço, sem uma contrapartida, sem uma armadilha escondida atrás de uma palavra doce.
— Que condição?
— Que a gente more junto até o bebê nascer.
Silêncio.
Lloyd fechou os olhos por um instante. Ele já sabia que ela tentaria puxá-lo de volta para a teia. Era assim que ela funcionava. Repetia padrões, manipulava vínculos, confundia cuidados com amor — e segurança com posse.
— Naomi, morar junto não vai acontecer — respondeu com firmeza. — Eu nunca te levei para o meu apartamento. Nunca tivemos esse tipo de relação. E agora, por tudo que aconteceu, menos ainda. Mas…
Ela se preparava para retrucar, mas ele continuou, antecipando o ataque:
— Mas… sempre que eu puder, estarei no seu apartamento. Vou acompanhar o pré-natal, vou te levar às consultas, e vou com você nas sessões de terapia. Isso não é por nós dois, Naomi. É pelo bebê. Ele não pediu para nascer. E eu não vou deixar que ele pague por tudo isso que está acontecendo.
— Você não confia em mim? — ela rebateu com uma voz quase infantil.
— Não, Naomi. Não confio. Não tenho motivos para confiar. E se você realmente quer fazer esse processo funcionar, vai ter que aceitar isso.
O tom dele era firme, mas controlado. Ele não podia se exaltar. Não com alguém emocionalmente instável. Qualquer reação mais dura podia causar um colapso — e ele já suspeitava que ela não tinha estrutura sequer para estar sozinha.
— Amanhã de manhã eu vou com você marcar a terapia. A médica disse que você faltou às últimas consultas. Isso não pode mais acontecer.
— Eu não gosto daquele consultório.
— Então escolhemos outro. Com um psiquiatra associado, se possível. Mas você vai. Eu vou. E vamos ouvir o que os profissionais têm a dizer.
— E você vai ficar comigo todas as noites?
— Não prometo todas. Mas estarei por perto. Disso você pode ter certeza.
Ele olhou para o teto do quarto, vazio, como se já sentisse o peso dos próximos quatro meses.
Na verdade, o que estava aceitando não era um acordo. Era uma missão.
Quatro meses. Esse era o tempo que faltava para salvar uma criança de uma mãe desequilibrada.
Quatro meses vivendo entre a lucidez e o abismo.
Quatro meses fingindo equilíbrio enquanto investigava, silenciosamente, tudo o que havia por trás de Naomi.
Quem são os pais dela?
Onde ela cresceu?
Houve internações anteriores?
E se… e se a gravidez for fruto de manipulação genética?
E se ela tiver usado drogas?
E se não for o único surto?
Naquela noite, depois de desligar, ele pegou o cartão de um detetive que Harry havia recomendado certa vez. Um cara discreto, ético, que lidava com investigações delicadas.
Ligou. Explicou. Com precisão.
— Eu quero saber tudo sobre Naomi Barcel. Tudo. Desde a infância até hoje. Quero saber se há histórico psiquiátrico, se houve internações, denúncias, qualquer coisa. E se descobrir que ela já colocou outra criança em risco… eu quero provas. Legais. Autenticadas.
Do outro lado, o detetive respondeu com objetividade:
— Se há algo oculto… eu vou encontrar.
Lloyd encerrou a noite assim: de pé, olhando pela janela, com a alma inquieta.
Ele sabia que a mulher que carregava aquela criança era um perigo ambulante.
Mas aquela criança…
Aquela criança teria um futuro. Com ele. Custe o que custar.
Sementes do Amanhã
O relógio da sala marcava 23h42 quando Lisbeth se jogou no sofá com os pés enfiados numa pantufa antiga, que já estava com orelhas de coelho caídas de tanto uso. O sanduíche que ela havia feito continuava ali, intocado. O apetite, assim como a alegria, parecia ter ficado na loja, junto com a dignidade que a cliente rica tentara arrancar à força.
O silêncio do apartamento era cortado apenas pelo som distante da cidade dormindo, e pela respiração lenta de Bela no quartinho ao lado.
Lisbeth olhava para o teto, sem ver nada. Apenas pensava.
“Se eu pudesse… eu pedia as contas amanhã mesmo. Saía daquele lugar. E ia trabalhar com o que eu gosto.”
Ela não sabia bem como, nem por onde começar. O que ela gostava mesmo era de criar, de desenhar. Desde pequena, montava painéis e criava maquetes com caixas de papelão e palitos de picolé. Tinha uma pasta cheia de esboços de interiores, quartos infantis, ambientes aconchegantes — tudo guardado como se fosse um sonho escondido. Mas sonhar custava caro. E sobreviver vinha primeiro.
Fechou os olhos. Suspirou. Se sentia presa numa gaiola invisível chamada sobrevivência. Mas o universo, às vezes, tem um jeito curioso de escancarar uma frestinha da porta.
No dia seguinte, a manhã veio preguiçosa, com cheiro de café passado e sabão em pó. Era sua folga, sim, mas não da faxina. Iria levar Bella na Escola mas a vizinha levou junto a Mika sua filha da mesma idade
Lisbeth prendeu os cabelos num coque alto, colocou uma camiseta velha com estampa desbotada de flamingo e começou a varrer a casa enquanto Bela ainda dormia. A rotina era a mesma de sempre: tirar o pó, lavar o banheiro, colocar roupas na máquina, pendurar outras no varal do corredor.
E, então, por volta das dez da manhã, o interfone tocou.
— Lis, é você que está no caixa? Tem uma cliente perguntando de você — disse a colega da loja pelo fone, com certa pressa.
— Mas eu tô de folga hoje…
— Eu sei, mas ela tá insistindo. Disse que quer falar com você só pra deixar um recado pessoal.
Lisbeth franziu a testa. Pegou a bolsa, colocou uma calça jeans simples, amarrou os cabelos de forma mais alinhada e foi até a loja, que ficava no térreo do prédio ao lado — um daqueles centros comerciais pequenos.
Quando chegou, reconheceu a mulher alta, elegante, de blazer branco e saia lápis azul-marinho. Era a arquiteta responsável pela reforma do escritório da Lana, e que já havia comprado outros móveis na loja.
— Lisbeth, que bom que você veio — disse a mulher, com um sorriso gentil. — Eu só vim comprar algumas peças para finalizar o projeto da Lana, mas queria mesmo era te encontrar.
Lisbeth ficou surpresa. Sem saber o que dizer, apenas sorriu de volta.
— Eu… estou de folga hoje. Mas se quiser, posso ajudar com alguma coisa.
— Não. Eu quero te fazer um convite. No seu próximo dia de folga, você pode passar no meu escritório? Eu quero conversar com você sobre uma ideia que tive. Anote o endereço, por favor.
Lisbeth anotou num papel pequeno, com a caneta da loja.
— Basta chegar e dizer que é a Lisbeth. A recepcionista vai saber e me chamar na hora.
— Tudo bem. Eu vou, sim. Obrigada pela gentileza.
— Eu que agradeço, Lisbeth. Até breve.
A arquiteta foi embora com um aceno elegante.
Lisbeth ficou parada, olhando o papel em mãos, como quem segura uma chave inesperada. Aquilo poderia ser só uma conversa trivial… ou talvez não. Talvez fosse o início de algo novo.
Um lampejo de esperança passou pelos olhos dela.
"Vai que..."