####A filha do porteiro

909 Words
A chaleira apitava na pequena cozinha do apartamento simples, mas sempre impecavelmente arrumado por Teresa. Lana desligou o fogo, serviu duas xícaras de chá e sentou-se à mesa com um sorriso discreto nos lábios. — Mamãe… eu tenho uma novidade — disse, mexendo a colher com cuidado. Teresa ergueu os olhos do bordado que fazia, atenta. — Conte, minha filha. — Hoje, na faculdade, minha orientadora disse que já posso começar a preparar minha tese. Só que… para defendê-la, preciso fazer o estágio obrigatório. E preciso começar logo. Os olhos de Teresa brilharam com orgulho. — Minha menina! Eu sabia que você chegaria até aqui. Veja só… você está vencendo cada etapa, com tanto esforço. Seu pai ficará todo orgulhoso. — Eu pensei em falar com ele assim que ele chegar — Lana sorriu. — A senhora se lembra que o senhor Patrick disse que, quando eu precisasse estagiar, era para falar com ele. Talvez o papai possa conversar com ele amanhã. Teresa assentiu com um sorriso calmo. — Com certeza. Quando seu pai chegar, você conta. Já prepare seus documentos direitinho, viu? Assim ele já leva tudo. O senhor Patrick gosta muito do seu pai. E se ele prometeu ajudar, ele cumprirá. Você tem uma chance de ouro, minha filha. Mas lembre-se… mesmo lá dentro, continue sendo quem você é. Com humildade e respeito, como sempre. — Pode deixar, mamãe. A porta se abriu no mesmo instante. Francisco chegou com o sorriso cansado de quem trabalhava duro, mas com o peito cheio de orgulho da família. — Boa noite, minhas meninas! — Boa noite, papai! — Lana correu para abraçá-lo. Teresa, com um olhar cúmplice, falou: — Francisco, nossa filha tem uma notícia. Lana se ajeitou, nervosa. — Papai… já vou começar minha tese. E preciso fazer o estágio. Eu me lembrei que o senhor Patrick disse que, quando eu precisasse, poderia falar com ele. A mamãe disse que seria bom o senhor conversar com ele. Eu já preparei meus documentos… Francisco abriu um sorriso largo. — Minha filha… que orgulho! Claro que vou falar com o senhor Patrick. Ele sempre foi muito correto comigo. Amanhã mesmo, antes de subir para o andar dele, passo no RH e pego tudo que for preciso. Você conseguirá esse estágio, tenho certeza. — Obrigada, papai. — Lana o abraçou forte. Francisco a olhou nos olhos, sério. — Só lhe peço uma coisa, minha menina. Lá dentro, você será respeitada. Mas tem gente lá… principalmente o tal do Henry e o Louis… que não presta. Já ouvi muitos comentários. Não dê confiança. Não baixe a cabeça, mas não se misture. Entendeu? — Entendi, papai. Eu jamais daria esse desgosto para o senhor. Eu sei quem eu sou. Francisco assentiu, orgulhoso. — Era isso que eu queria ouvir. Mais tarde naquela noite, já de camisola, Lana arrumava alguns papéis em sua pasta, enquanto Lena se jogava no sofá com o celular em mãos. A irmã mais nova, de dezenove anos, com longos cabelos castanho-escuros e olhos vivos, parecia inquieta. — O que foi, Lena? — Lana perguntou, percebendo o olhar distante da irmã. Lena suspirou. — Tem um cara lá na faculdade que anda me cercando, Lana… todo dia inventa um jeito de puxar assunto. Diz que quer me levar para jantar, para passear… e olha, ele é rico, viu? Vive ostentando o carrão dele lá na porta. Lana sorriu com doçura, mas seu olhar ficou firme. — Lena, minha irmã, me escute bem. Não se iluda com isso. Você sabe como são esses caras… principalmente os ricos. Eles adoram brincar com meninas como nós, que vêm de família simples. E ainda mais sabendo que nossos pais são brasileiros. Infelizmente, hoje em dia, o nosso país de origem não é mais respeitado lá fora… a política está corrompida, e os que nos julgam nem conhecem quem realmente somos. Lena assentiu, um pouco envergonhada. — Mas ele insiste tanto… às vezes eu fico tentada, sabe? Lana se aproximou e pegou as mãos da irmã. — Não caia nessa, Lena. Nós precisamos nos valorizar. Não é apenas pelos nossos pais, é por nós mesmas. Nós precisamos nos dar o respeito, manter nossa dignidade. Não se deixe levar por modinhas ou pressões. Olhe para mim: tenho vinte e um anos e ainda sou virgem. E não tenho vergonha nenhuma disso. Só vou me entregar no dia em que eu amar e confiar de verdade em alguém que me mereça. Não preciso provar nada para ninguém. Ela apertou as mãos da irmã. — E você também é linda, minha irmã. Se alguém a chamar de gorda ou feia, é porque não conhece a sua essência. Nós temos o corpo da nossa mãe, temos beleza física, moral e espiritual. E isso, Lena, ninguém nunca vai tirar da gente. Os olhos de Lena marejaram. — Você tem razão, irmã. Obrigada… eu precisava ouvir isso. Eu vou cortar esse cara. Vou dizer que não tenho tempo para encontros nem para passeios. Agora é hora de estudar e me preparar para o meu futuro. Lana sorriu. — Isso mesmo, minha irmã. Primeiro nós cuidamos dos nossos estudos, conquistamos nosso espaço, e depois… a vida se encarrega do resto. Lena a abraçou forte. — E tomara que o papai consiga mesmo o seu estágio amanhã. — Vai conseguir sim, com fé em Deus. E daqui a três anos, será você, Lena. Nós venceremos juntas. — Se Deus quiser, irmã. Se Deus quiser.
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