Após um breve silêncio, em que Maris fechou os olhos e respirou fundo, como se desejasse absorver tudo o que havia acabado de aprender, ela voltou a abrir o livro com mãos trêmulas de emoção.
— Mamãe, vamos para a próxima… Eu ainda tenho sede. Sede de entender o que nunca dei valor.
A mãe sorriu, tocando-lhe o ombro com carinho.
— Continue, minha filha. A busca pela luz é sempre ouvida pelos mensageiros do Alto.
Maris leu então:
“Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?”
Ela ergueu os olhos com surpresa.
— Essa parece ser simples… mas também pode ser tão complexa. Onde está Deus, mamãe?
A mãe dela sorriu com ternura e respondeu com a mesma doçura com que sempre a embalava quando criança:
— Leia a resposta do Espírito da Verdade, minha filha.
Maris olhou para o trecho e leu em voz baixa, mas firme:
"Num axioma que aplicais às vossas ciências: Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão vos responderá."
Ela ergueu os olhos lentamente, a mente refletindo.
— Quer dizer que… tudo o que existe, tudo o que nos cerca, é prova d’Ele?
— Exatamente, filha. O universo, os astros, o movimento da vida, a inteligência presente nas leis da natureza, o instinto que guia os animais, o amor de uma mãe… Tudo é obra de algo maior. De Alguém maior. Deus se revela não em palavras, mas em obras. Olhe ao redor — disse a mãe, apontando para os campos floridos daquela colônia espiritual —, isso aqui não foi feito por mãos humanas. E mesmo na Terra, há belezas que o homem jamais conseguirá reproduzir. Toda essa perfeição exige uma Causa. E essa Causa é Deus.
Maris apertou o livro contra o peito, emocionada.
— Então, mesmo quando eu dizia que Deus não existia… eu estava cercada por Ele o tempo todo.
A mãe assentiu com leveza.
— Como o ar que você respira. Invisível, mas vital. Como o amor verdadeiro: não se vê, mas se sente.
Lágrimas escorreram dos olhos de Maris. Não eram lágrimas de dor, nem de arrependimento. Eram lágrimas de quem, pela primeira vez, sentia a presença de Deus dentro de si.
Ela então disse, com voz trêmula:
— Mamãe… será que um dia eu vou conseguir ensinar isso a alguém, como a senhora está me ensinando agora?
A mãe segurou as mãos da filha com firmeza, como quem crava uma promessa no tempo:
— Sim, minha filha. E esse dia chegará. Você ainda voltará à Terra com a missão de semear amor e humildade… mas por ora, estude. Cure-se. Transforme-se. Porque só pode iluminar o outro quem já acendeu a própria chama.
Após um breve silêncio, em que Maris fechou os olhos e respirou fundo, como se desejasse absorver tudo o que havia acabado de aprender, ela voltou a abrir o livro com mãos trêmulas de emoção.
— Mamãe, vamos para a próxima… Eu ainda tenho sede. Sede de entender o que nunca dei valor.
Com serenidade no olhar e fé renascida no coração, Maris folheou delicadamente até a próxima página do Livro dos Espíritos. Sua mãe a observava em silêncio, com a expressão de quem contempla uma alma em reeducação espiritual. Maris fixou os olhos na nona pergunta e leu em voz baixa, mas com reverência:
“Onde se pode ver na causa primeira uma inteligência suprema e superior a todas?”
Ela levantou os olhos, confusa.
— Mamãe, essa aqui me parece parecida com a anterior, mas mais profunda. Por que repetir a ideia?
A mãe sorriu, compreensiva.
— Essa pergunta, filha, é um desdobramento da anterior. É como se os Espíritos estivessem nos guiando passo a passo, para que possamos compreender com clareza. Leia a resposta do Espírito da Verdade.
Maris o fez:
"Tendes um provérbio que diz: Pela obra se reconhece o autor. Pois bem! Vede a obra e procurai o autor. O orgulho é que gera a incredulidade. O homem julga-se importante demais. Julgando-se bastante inteligente, não quer admitir uma inteligência superior, porque temeria ficar abaixo dela."
Ao terminar, Maris ficou muda por alguns segundos. Sua respiração parecia mais pesada, como se o peso da consciência estivesse se acomodando sobre os ombros. Ela fechou os olhos e murmurou:
— Eu fui assim. Fui orgulhosa… Achei que o dinheiro me tornava melhor, que eu não precisava de ninguém, nem mesmo de Deus.
A mãe se aproximou e colocou a mão sobre o peito da filha.
— O orgulho, minha filha, é o véu mais espesso que cobre os olhos da alma. Quando o Espírito da Verdade fala que muitos não aceitam Deus por orgulho, é disso que ele fala: o ser humano, em sua vaidade, se sente ameaçado por algo maior. E, para não reconhecer sua pequenez, prefere negar a existência de Deus.
Maris começou a chorar, baixinho.
— Eu dizia que acreditava, mas só da boca pra fora. Eu me envergonho tanto de quem eu fui.
— Filha, vergonha é o primeiro passo para o arrependimento. E o arrependimento é o início da cura. Agora, entenda que Deus não precisa de palavras bonitas. Ele quer atitudes sinceras. Você já está começando. A humildade é uma semente. Regue-a com estudo, fé e transformação.
Maris apertou o livro contra o peito e disse, com os olhos brilhando:
— Eu quero continuar, mamãe. Eu quero conhecer todas essas verdades. Quero me tornar alguém que, mesmo se voltar à Terra, nunca mais se afaste de Deus.
A mãe a abraçou, apertando-a com doçura.
— Então, minha filha… você já está voltando a viver.
Maris enxugou as lágrimas, respirando profundamente. Sua mãe sorriu com ternura, estendendo-lhe o copo de água fluidificada, que ela recebeu com reverência.
— Beba, filha. Essa água é o remédio para o teu espírito ainda cansado. Ela vai te ajudar a absorver melhor as lições. Aqui, tudo tem propósito, até o que parece simples.
Ela bebeu devagar, saboreando como se fosse um néctar sagrado. Sentiu-se reconfortada, como se cada gole lavasse por dentro um pedacinho de dor antiga.
— Posso continuar? — perguntou, já com o livro novamente em mãos.
— Claro, filha. O conhecimento é a luz que te guiará de volta para si mesma.
Maris então virou a página com cuidado e leu em voz alta:
Décima pergunta: Pode-se encontrar a prova da existência de Deus em outros pontos, além da consideração das obras da criação?
Ela franziu a testa, em reflexão.
— Eu achava que só as coisas grandes, como o universo, eram provas. Nunca pensei em olhar nas coisas pequenas…
— Então leia a resposta, filha — incentivou a mãe.
Maris recitou:
"Em vossa íntima consciência, e isto é o que vos previne de praticar o mal."
Ela parou por um instante. O silêncio pairou na atmosfera espiritual da enfermaria. O som suave das águas fluindo à distância parecia acompanhar a lição. Sua mãe, sentando-se ao lado, disse:
— Essa resposta é uma das mais belas. Deus não está apenas fora de nós, filha. Ele habita dentro da consciência. Mesmo quem não acredita em nada ainda escuta aquela voz interior dizendo: “Não faça isso. Não é certo.” Essa voz é a centelha divina em cada um de nós.
— Então era Ele… aquela voz que me dizia para tratar a Lana melhor, para não humilhar a Tereza. Eu ouvi… mas eu calei ela.
— Você abafou, filha, mas não matou. E agora ela está voltando. A culpa que você sente é a voz da consciência te lembrando do que foi sufocado. Mas ao escutar novamente, você renasce. E renascer é o primeiro passo para a libertação.
Maris segurou a mão da mãe com firmeza.
— Eu quero escutar essa voz mais vezes. Eu quero limpar a minha consciência, para ouvir Deus sem ruído.
A mãe a beijou na testa, como se abençoasse a promessa.
— E você vai, minha filha. Vai porque já escolheu o caminho da luz. Vai porque o amor que você rejeitou está de volta, te envolvendo, mesmo através de quem você desprezou.
— Mamãe… a senhora acha que um dia eu vou conseguir pedir perdão para a Tereza? Para a Lana?
— Você já começou, minha filha. E quando Deus decidir que está na hora, Ele vai te devolver a oportunidade.
Elas se abraçaram com emoção contida. No silêncio que se seguiu, um sino suave tocou em algum lugar distante da colônia espiritual. Era o sinal da próxima palestra no auditório central.
— Vamos, mamãe? Eu quero assistir.
— Vamos, filha. Hoje o tema será “O orgulho e a humildade na transformação do Espírito”. Uma lição que vai tocar seu coração.
As duas caminharam de mãos dadas, com passos leves, atravessando um jardim que florescia a cada gesto de amor. E assim, a alma de Maris dava mais um passo rumo ao reencontro com sua essência.