Enquanto caminhavam pelos corredores delicadamente floridos da colônia espiritual, Maris observava tudo com olhos de aprendiz. Cada espírito que passava saudava com leveza, e um sentimento de paz começava a preencher os espaços escuros dentro dela. Era como se estivesse respirando por uma nova alma.
Elas chegaram ao auditório, que parecia feito de cristais vivos. A luz ali não vinha de lâmpadas, mas de uma espécie de energia suave, dourada, que irradiava do teto. Os bancos, largos e confortáveis, já estavam ocupados por dezenas de outros espíritos, todos em busca de aprendizado.
Maris e a mãe sentaram-se na quarta fileira. À frente, sobre uma plataforma elevada, surgiu um espírito vestido com uma túnica azul celeste. Seu semblante era sereno e seu olhar irradiava compaixão. Quando ele começou a falar, não usou microfone — sua voz parecia alcançar todos ao mesmo tempo, como se estivesse dentro da mente de cada um.
— Irmãos, hoje falaremos sobre o orgulho e a humildade — as duas forças que moldam o destino do espírito encarnado e desencarnado.
Maris sentiu um arrepio. Era como se a palestra tivesse sido preparada especialmente para ela.
— O orgulho é o véu que encobre a verdadeira identidade do espírito. Ele nos faz acreditar que somos superiores, que podemos pisar nos outros, que temos o direito de julgar. Mas esse véu nos cega. Impede que vejamos o outro como nosso irmão. Impede que vejamos Deus no próximo.
Ela baixou os olhos, sentindo o peso dessas palavras.
— Já a humildade... a humildade é a chave. É ela quem nos faz reconhecer nossos erros sem desespero, pedir perdão com sinceridade, e, acima de tudo, aprender com cada queda. A humildade não é submissão. É força consciente. É sabedoria em silêncio.
Maris apertou a mão da mãe, emocionada.
— E quem foi o espírito mais humilde que já pisou na Terra? Jesus. O próprio Filho de Deus se despiu da glória para lavar os pés dos homens. Não foi com gritos, mas com exemplos. Não foi com tronos, mas com cruzes. E ainda assim, Ele reina até hoje em milhões de corações.
Uma luz desceu sobre o palestrante. Maris enxugou uma lágrima que escorria sozinha.
— Não se envergonhem de cair, irmãos. Envergonhem-se de não tentar levantar. A cada passo em direção ao bem, mesmo que tropeçante, vocês se aproximam da verdadeira libertação.
A palestra seguiu com outras reflexões profundas. Quando terminou, o espírito se despediu com um leve aceno de cabeça, e todos os presentes, incluindo Maris, se levantaram em silêncio reverente.
Já de volta à enfermaria, ela se sentou na poltrona ao lado da cama e encarou a mãe.
— Mamãe... eu quero ser como esse homem falou. Eu quero largar esse orgulho que me corroeu. Me ajuda?
A mãe acariciou o rosto dela.
— Já está acontecendo, minha filha. Cada decisão de mudança é um tijolo na estrada da redenção.
Maris sorriu com doçura.
— Amanhã, quero continuar estudando. Ajudar outros, se eu puder. Me tornar uma pessoa nova.
— E vai, filha. Porque agora você está com a alma desperta.
Do lado de fora da enfermaria, um jardim floresceu com mais intensidade. Era o reflexo silencioso de uma alma que, enfim, começava a curar.
A mãe de Maris a levou novamente ao auditório principal da colônia espiritual. A palestra do dia seguinte seria dada por outro espírito — um senhor de barba clara e olhos tão transparentes que pareciam refletir o próprio universo.
O ambiente estava repleto de espíritos em diversos níveis de evolução, todos ali em busca de luz, compreensão e cura.
O palestrante se postou diante do grupo, abriu um livro em mãos — que parecia feito de pura luz — e disse com voz firme e acolhedora:
— "Hoje falaremos sobre a caridade — a alma do verdadeiro progresso espiritual."
Maris imediatamente sentiu seu coração acelerar. A palavra "caridade" sempre lhe parecia associada a esmolas ou piedade distante. Mas ali parecia algo mais profundo, mais real.
— "Não é caridade dar o que sobra. Não é caridade ajudar esperando gratidão. A verdadeira caridade nasce no silêncio da consciência e se realiza no amor puro — aquele que não cobra, que não julga, que não exige."
Ele fechou os olhos por um momento e prosseguiu:
— "É caridade ouvir com paciência aquele que repete a mesma dor. É caridade calar diante de uma ofensa, se esse silêncio evita um m*l maior. É caridade estender a mão a quem já te feriu, mesmo que tua alma ainda sangre."
Maris sentiu um nó na garganta. Lembrou de Lana. Lembrou da mãe dela. Lembrou de tudo o que dissera com desprezo... e de como foi salva por elas.
— "Há caridade nos atos, sim. Mas há caridade ainda mais poderosa nos pensamentos. Quando você ora sinceramente por alguém, está lançando luz. Quando deseja o bem mesmo ao inimigo, você se torna um farol no escuro."
O espírito então abriu novamente o livro de luz e leu:
— "Fora da caridade, não há salvação."
— Essa frase... — sussurrou Maris à mãe. — Está no Evangelho segundo o Espiritismo, não é?
A mãe sorriu com doçura.
— Sim, minha filha. Porque a caridade é o verdadeiro amor em ação. Deus não pede de nós perfeição, mas pede esforço, sinceridade e boa vontade.
O palestrante olhou diretamente para onde Maris estava sentada — ou assim ela sentiu — e finalizou:
— "Se quiseres mudar o mundo, comecem por amar. Amar os seus. Amar os estranhos. Amar até aqueles que vos feriram. Porque o amor, na sua forma mais pura, é a própria presença de Deus em nós."
Um coro suave começou a ecoar pela colônia. Espíritos entoavam uma melodia vibrante, de vibração elevada, como se fossem harpas do céu. Maris fechou os olhos, deixando as lágrimas escorrerem, e pela primeira vez, desde que chegara ali, sentiu-se verdadeiramente leve.
Ainda com os olhos marejados pelas palavras do palestrante e o coração sensibilizado pela vibração da palestra, Maris segurou a mão da mãe com força e perguntou com a voz embargada:
— Mamãe... como eu posso fazer caridade... se eu sou uma pecadora?
A mãe sorriu com ternura, como só as mães espirituais sabem sorrir. Passou a mão nos cabelos da filha, agora mais leves e menos opacos que no início da jornada, e respondeu:
— Minha filha... é exatamente aí que está a beleza da caridade.
Maris ergueu os olhos para ela, confusa.
— A caridade não é feita por santos perfeitos. É feita por corações dispostos a melhorar. Deus não exige que estejamos limpos para amar... Ele pede que nos amemos para nos limparmos.
A mãe então apontou para o próprio peito.
— Cada vez que você desejar o bem a alguém, mesmo sem forças para agir, é caridade. Cada vez que você lutar contra seu orgulho para ouvir, mesmo que doa, é caridade. Cada lágrima de arrependimento sincero é um bálsamo que alivia feridas no outro plano.
— Mas e os erros que eu cometi? E as pessoas que eu magoei?
— Você vai ter a chance de reparar, uma a uma. Primeiro aqui, pedindo perdão através do pensamento e das orações sinceras. Depois, se for da vontade de Deus, na Terra, com atos concretos. Mas a caridade começa dentro de você.
Ela tocou no peito da filha.
— Começa quando você deixa de se condenar... e passa a se comprometer com sua melhora. O verdadeiro pecador não é o que erra, é o que se acomoda no erro.
Maris chorou baixinho.
— E se eu não conseguir? E se eu fracassar?
— Então você tenta de novo. E de novo. Porque Deus não desiste de ninguém, filha. O que importa é não desistir de si mesma. Faça da caridade o seu caminho de volta. Não precisa ser grande. Comece com um pensamento de luz por quem você feriu. Isso já é um início.
— Eu posso orar por elas?
— Pode e deve. Ore, minha filha. Mesmo que elas não saibam, suas preces serão recebidas. E em cada oração sincera, um pedaço seu se cura também.
A mãe a abraçou e sussurrou em seu ouvido:
— Lembre-se: a caridade cobre uma multidão de pecados. E o amor... o amor repara tudo.