Maris olhou em volta, admirando o ambiente tranquilo, os jardins floridos, os sons serenos que pareciam emanar da própria natureza ao redor. Ainda segurava a mão da mãe quando falou, pensativa:
— Mamãe... na Terra, tudo é tão limitado. A gente cresce ouvindo que só existem dois destinos: o Céu ou o Inferno. Que se o padre ou o pastor perdoarem nossos pecados, vamos para o Céu... e se não perdoarem, então vamos queimar no Inferno.
Ela engoliu em seco, sentindo um peso saindo do peito.
— Mas agora eu estou vendo... que não é nada disso. Esse lugar onde estamos... não é o Céu. E eu também não estou no Inferno. Então... o que é isso? Existem camadas, não é? Poderia me explicar, mamãe? A senhora pode me ensinar como é essa estrutura espiritual?
A mãe sorriu, com ternura e sabedoria, e respondeu:
— Sim, minha filha. Existem muitos planos e subplanos espirituais, criados por Deus para o progresso das almas. O mundo espiritual é vasto, infinito como o amor divino. Há regiões de sofrimento e também regiões de luz, harmonia e sabedoria. Vou te explicar como tudo está organizado, de forma simples, como se estivéssemos em nosso lar terrestre, estudando juntas.
Ela se levantou devagar e, com um gesto sereno, fez surgir à frente delas uma projeção viva, como se o ar se transformasse numa tela fluida e luminosa. Ali, camadas se apresentaram, como degraus transparentes que subiam e desciam entre mundos.
— Observe, filha. O mundo espiritual mais próximo da Terra é a crosta espiritual. É onde vivem os espíritos apegados à matéria, aqueles que não se desprenderam dos vícios, das dores, das paixões. Muitos nem percebem que desencarnaram. Esse é o plano mais denso, mais obscuro, onde há sofrimento, confusão, obsessão. É o que muitos chamam de umbral inferior.
Maris ficou atenta, vendo as camadas vibrando em tons escuros e densos.
— Esses espíritos ficam vagando?
— Sim, muitos deles, até que aceitem ajuda. Lá, atuam os socorristas, como seu pai, que resgatam aqueles que demonstram arrependimento ou exaustão moral.
A mãe apontou para uma camada acima, de tons acinzentados.
— Acima dessa faixa, temos o chamado umbral médio, onde estão os espíritos em tratamento, muitos arrependidos, mas ainda em processo de cura. É um lugar de transição.
Depois, apontou para uma camada ainda mais clara.
— E acima dele, o umbral superior, onde ficam os postos de socorro, as colônias espirituais, como esta em que estamos agora. Aqui é um lugar de recuperação, de estudo, de preparação. É um local de esperança.
Maris então murmurou:
— É aqui que eu estou...?
— Sim, filha. Este é um dos postos espirituais de regeneração. Aqui você está sendo curada no espírito, aprendendo a se amar e a amar ao próximo.
A projeção foi se transformando em tons mais claros, azulados e depois dourados.
— Acima de nós, existem planos ainda mais elevados: o Mundo dos Espíritos Superiores, onde habitam os missionários da luz, os espíritos sábios, os mensageiros de Jesus. E acima desses, existem esferas celestiais, que nossos olhos ainda não conseguem conceber. São moradas de paz perfeita, onde habitam os Cristos e os Espíritos Puros.
Maris estava encantada, com lágrimas nos olhos.
— E a gente pode um dia chegar até lá?
— Sim, minha filha. Todos nós fomos criados simples e ignorantes, mas com o destino de sermos felizes e plenos. Cada escolha, cada arrependimento, cada esforço de amor, nos eleva um degrau.
Ela se aproximou da filha, acariciando sua testa.
— Esse caminho é feito de caridade, humildade, renúncia e aprendizado. E agora, ao estudar, ao se arrepender, ao buscar mudar, você está dando seus primeiros passos em direção à luz.
Maris levou as mãos ao peito, sentindo uma nova compreensão se formar dentro dela.
— É tudo tão vasto... tão diferente do que eu acreditava...
— É, filha. A ignorância espiritual limita a fé. Mas agora você está livre para conhecer, sentir e escolher. A verdade te libertará, como ensinou nosso Mestre.
E, com o coração aquecido por essa nova visão, Maris se sentiu, pela primeira vez, leve. Verdadeiramente leve.
Maris suspirou, ainda absorvendo todas as revelações que a mãe acabara de compartilhar sobre os planos espirituais. Levou a mão ao coração e falou, com os olhos marejados:
— Então... quer dizer que, quando a gente está na Terra, a gente está numa escola? E que cabe a nós... se vamos passar ou não? Que são as nossas atitudes, nossos erros, nossas falhas, e o reconhecimento desses erros que vão definir se a gente evolui?
Ela olhou para a mãe com um pedido silencioso de compreensão.
— A senhora poderia me explicar melhor... para que eu entenda de verdade?
A mãe sorriu com ternura e assentiu.
— Sim, minha filha. A Terra é uma escola. Uma escola de almas. E mais que isso: é um hospital para espíritos adoecidos, como todos nós já fomos um dia. A cada existência que Deus nos concede, temos uma nova oportunidade de aprender, de amar, de perdoar, de crescer. E como numa escola, somos constantemente avaliados — não por castigos ou prêmios exteriores, mas pelas consequências naturais das nossas escolhas.
Ela pegou a mão da filha com carinho.
— Quando cometemos erros, eles não nos definem. O que nos define é o que fazemos depois desses erros. Se aprendemos com eles. Se buscamos reparar o m*l que causamos. Se temos humildade para dizer “eu errei”, e coragem para pedir perdão e recomeçar.
— Então... não basta rezar?
— Não, filha. A prece é um bálsamo, é luz que nos liga ao Alto. Mas ela precisa ser acompanhada de ação. A fé sem obras é morta, como disse o apóstolo Tiago. Deus é justo e misericordioso, mas não é cúmplice da nossa estagnação. Ele quer o nosso progresso, a nossa vitória interior. E é por isso que nos dá a vida — uma, duas, dez, mil vezes, se preciso for.
Maris abaixou o olhar, emocionada.
— Eu falhei tanto, mamãe... Em tantos momentos eu soube que estava sendo orgulhosa, egoísta, injusta. Mas continuei. Ignorei. E agora...
— Agora você está reconhecendo. E isso, minha filha, já é um passo imenso. Há espíritos que passam séculos sem admitir um erro. Você está aqui. Você está estudando. Você está sentindo. Você quer mudar. Então, sim, você está passando por uma das lições mais difíceis da vida: a lição do arrependimento verdadeiro.
Ela se inclinou e deu um beijo na testa da filha.
— A escola da vida ensina com a dor, com a perda, com a separação, com a renúncia. Mas também com o amor, com os reencontros, com a fé, com o perdão. Somos alunos eternos. Mas Deus é um Pai tão bom que nunca reprova ninguém — Ele apenas permite que repitamos a lição, até aprendermos.
Maris sorriu, chorando.
— E eu quero aprender, mamãe. Mesmo que doa. Eu quero ser alguém melhor.
— E será, filha. A jornada está apenas começando.
Maris estreitou os olhos, pensativa. A lembrança de tantas pregações que ouvira na infância e na juventude a fez franzir a testa, confusa.
— Mamãe... lá na Terra, as igrejas dizem que quando a gente morre, a gente dorme. Que ficamos aguardando o tal do julgamento final. Como se a alma ficasse num sono profundo até Deus nos chamar. Mas aqui... aqui eu vejo espíritos trabalhando, estudando, ajudando, resgatando outros... Aqui tudo é movimento, é vida. Por que que lá eles ensinam isso pra gente? Por que que na Bíblia não explica isso claramente?
A mãe sorriu, com doçura, como quem acolhe uma criança em sua primeira descoberta.
— Porque tudo, minha filha, vem por etapas. O conhecimento espiritual também segue esse princípio. A humanidade é como uma criança crescendo: primeiro engatinha, depois anda, depois corre. Assim também é o espírito: ele desperta aos poucos. Cada povo, cada crença, cada tempo tem a revelação que é capaz de suportar.
Ela se aproximou da filha e continuou com voz calma:
— Até quando Jesus veio, muitos não estavam prontos. Aceitaram Ele como Salvador?
Maris abaixou a cabeça, murmurando:
— Não... Eles o crucificaram.
— Pois é. Jesus veio como um farol, uma luz divina em meio à ignorância. E ainda assim, muitos preferiram permanecer na escuridão. Então, tudo precisa ser ensinado com paciência, no tempo certo. Deus respeita o livre-arbítrio e o tempo de amadurecimento de cada alma.
Ela tocou o ombro da filha.
— A Terra é uma escola, sim. Mas, dependendo da consciência do espírito, essa escola pode ser um templo de luz, onde se aprende com alegria... ou uma escola de dor, onde se repete lições com sofrimento. E, em alguns casos, se torna até uma prisão — quando o espírito se recusa a aprender, se rebela contra a lei do amor, e se amarra aos próprios erros.
— Uma prisão? — repetiu Maris, surpresa.
— Sim, filha. Prisão invisível, mas real. O orgulho, a inveja, o ódio, a vaidade... são algemas que impedem a alma de evoluir. Mesmo encarnado, o espírito pode estar preso — nas emoções doentias, nos vícios, nas ideias fixas, nas revoltas. Por isso Jesus disse: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” Mas essa verdade só se revela a quem quer ver. A quem deseja abrir os olhos do espírito.
Maris deixou as lágrimas rolarem livres pelas bochechas.
— E eu... estava presa, mamãe? Mesmo viva?
A mãe não hesitou.
— Sim, minha filha. Você vivia numa prisão emocional, envolta em orgulho e mágoa. Mas agora você está acordando. E Deus é tão generoso que, mesmo sem merecer, Ele nos dá novas chances. Você está tendo uma agora. Use-a com sabedoria.
A filha assentiu em silêncio, com o coração leve pela primeira vez em muitos anos.