Lena já havia organizado a bandeja com o café da manhã, os paninhos dos bebês estavam limpos e dobradinhos, e tudo ao redor parecia em paz.
Ela se sentou ao lado da amiga na poltrona e a observou em silêncio por alguns segundos. Britney ainda estava com os olhos marejados, como se a emoção da madrugada não tivesse passado completamente. Lena sorriu e perguntou com carinho:
— E então, Bri... Como foi? Conta pra mim... Tudo o que você sentiu.
Britney respirou fundo. Seus olhos brilharam. A voz saiu embargada, mas serena:
— Foi... surreal, Lena. Eles são tão pequenos, tão frágeis. Quando a dona Helena os colocou entre os meus s***s, eu senti como se o mundo inteiro tivesse parado. Eles ficaram ali, tão quietinhos... e mesmo sem falar nada, eu sentia como se estivessem me dizendo: “Mamãe, a gente te ama”. Eu chorei tanto. Mas foi diferente... não foi de tristeza... foi de amor. Foi como se, pela primeira vez, eu tivesse certeza de que estava fazendo algo certo. Eu fiquei ali sentindo o coraçãozinho deles batendo... E por um instante, eu me senti inteira. Pela primeira vez na vida, Lena, eu me senti suficiente.
Lena, com os olhos úmidos, segurou a mão da amiga e apertou com delicadeza.
Britney continuou:
— Eles são tão dependentes de mim agora... mas eu não quero que eles cresçam presos a mim. Eu quero ser tudo para eles, mas sem aprisioná-los. Eu quero que eles cresçam livres, felizes. Eu quero que eles se orgulhem da mãe que têm. Quero que eles saibam que, mesmo com todos os erros que eu cometi, eu lutei por eles. Mesmo sem saber quem era o pai... mesmo com o medo, com tudo contra mim... eu lutei. Eu não desisti.
Ela olhou para Lena, buscando aprovação. Lena respirou fundo e, com a voz firme e serena, respondeu:
— Bri… agora falando sério. Os teus filhos foram a maior bênção que você poderia receber. E que bom… que bom que você teve a maturidade de não os tirar. Mesmo sem saber quem era o pai, mesmo sozinha, você os escolheu. E, amiga, eu te garanto: tudo isso que você está fazendo... você vai ter um retorno muito grande.
Britney engoliu em seco. Uma lágrima solitária escorreu.
— Você acha que... que Deus me perdoou por tudo que eu fiz de errado?
Lena sorriu com ternura.
— Eu não acho, eu tenho certeza. Deus não só te perdoou, Bri… como te deu dois presentes.
— Dois?
— Sim, dois anjinhos. E mais: Ele também te deu três irmãs tortas. Porque eu, Nisse e Lana somos tuas irmãs de alma agora. E você ainda ganhou de brinde a minha mãe, que já te considera uma filha. E o teu pai... ah, Bri, o teu pai... ele não deixou de cuidar de você nem por um segundo.
Brittany sorriu em meio às lágrimas.
— E... e a minha mãe?
A pergunta ficou no ar. O sorriso de Lena se apagou um pouco. Ela desviou o olhar, com a voz interna já se preparando para o que estava por vir...
Quando o Amor Ensina
Brittany ajeitou-se melhor na poltrona, ainda com os olhos marejados e um leve sorriso nos lábios. Voltou o olhar para a amiga, com uma expressão carregada de dúvidas.
— Lena, a Dona Helena me disse que o papai vem todos os dias me ver. Você sabe se a mamãe já veio aqui?
Lena hesitou por um instante. Foi sincera, como sempre.
— Olha, Bri... eu não posso te falar com certeza. Quando tudo aconteceu, eu ainda estava em período de provas na faculdade. Eu não consegui vir aqui no hospital. Só comecei a vir mesmo a partir de ontem. Então, eu não vi ninguém... Mas, sinceramente, eu acredito que ela tenha vindo sim. Talvez em horários que a gente não estava aqui.
Brittany suspirou, pensativa.
Lena continuou com cuidado:
— E olha, se ela não apareceu ainda na tua frente, pode ser que esteja esperando o momento certo. Ou talvez... talvez o teu pai esteja evitando que ela chegue perto, para não te estressar. Você sabe como a sua mãe é, né?
Brittany assentiu lentamente.
— É... você tem razão. Do jeito que ela é, e o tanto que meu pai tem sido protetor, ele deve estar mesmo fazendo isso por mim.
Lena sorriu com leveza e aproveitou para trazer uma notícia melhor.
— Ah! E a propósito... a Lana ainda não casou, viu?
— Sério? Eu achei que o casamento já tinha sido.
— Não. Como ela teve aquele probleminha de pressão, decidiram adiar. E sabe por quê? Ela disse que só vai casar quando você sair do hospital com os bebês. Ela quer você presente no casamento dela.
Os olhos de Brittany encheram-se de emoção mais uma vez.
— Nossa, que presente eu ganhei. A amizade da Lana e de vocês. Eu achava que não sentia falta de pessoas sinceras na minha vida. Mas a verdade é que a sinceridade... e uma amizade verdadeira... são tudo o que a gente precisa.
Lena apertou a mão da amiga, e com um sorriso de admiração, comentou:
— E você sabia que está linda? Mais forte? Você está com uma beleza de mulher que venceu a dor. Está diferente e para a melhor.
Brit sorriu, meio envergonhada.
— Pois é aquele padrão de magreza sumiu. Eu acho que depois da gravidez eu me encontrei de verdade. Eu quero manter esse corpo. Só preciso tirar essa barriguinha aqui, né? Porque essa barriguinha, sinceramente, não me pertence!
As duas riram.
Lena, com um olhar maroto, completou:
— É, essa barriguinha realmente tá com hora marcada para sair.Mas esse “peitão” aí, cheio de leite, ah... esse pertence, sim! A você... e aos meus sobrinhos!
Brittany gargalhou pela primeira vez com leveza desde o parto.
— Ah, Lena você não presta!
— E você precisava mesmo de alguém que não presta como eu por perto! — retrucou Lena, piscando.
Elas riram juntas, e naquele instante, entre confidências, risos e verdades ditas com amor, Brittany percebeu: ela não estava mais sozinha. Ela tinha amigas, irmãs de alma, afeto, tinha colo. E tinha filhos que a faziam querer ser a melhor versão de si mesma todos os dias.
A Verdade que se Aproxima
Lena terminou de ajeitar a bandeja do café da manhã no colo de Brittany, que ainda sorria após a conversa carinhosa com ela. O aroma suave de pão com manteiga e café com leite enchia o quarto com um conforto quase doméstico.
— Bri... você vai tomar café rapidinho? — perguntou Lena, com um tom gentil, mas um pouco mais sério. — É que a psicóloga pediu ontem que, quando eu chegasse, eu fosse até ela pra avisar que eu estava aqui. Ela quer conversar com você hoje. Disse que viria umas nove... mas resolveu adiantar.
Brittany assentiu com um aceno suave da cabeça.
— Tudo bem... pode ir lá. Eu vou tomayndo meu café aqui.
— É só um instante — garantiu Lena, saindo do quarto com passos firmes, mas o coração apertado com o peso do que sabia que estava por vir.
Seguiu pelos corredores do hospital até a ala dos consultórios. Ao encontrar a porta da psicóloga, respirou fundo antes de bater.
Toque, toque.
— Pode entrar — respondeu a voz suave da doutora.
Lena entrou com cautela.
— Bom dia, doutora — cumprimentou, mantendo a postura respeitosa. — Eu sou a Lena... amiga da Brittany.
— Ah, sim. Eu lembro de você. Sente-se, por favor — disse a profissional, com um leve sorriso.
Lena, no entanto, permaneceu de pé.
— Não vou tomar muito do seu tempo. Eu vim só te dar um aviso. A Brittany perguntou hoje se a mãe dela já veio visitá-la. Ela perguntou à dona Helena, que respondeu que não sabia, porque estava sempre na UTI neonatal. Depois ela perguntou pra mim... e eu... eu inventei uma desculpa.
A doutora arqueou levemente as sobrancelhas, interessada.
— Que tipo de desculpa?
— Disse que só tinha começado a vir ontem, então não saberia dizer se a mãe dela esteve aqui antes. Eu sei que não é certo esconder, mas... ela tá tão bem hoje. Dormiu, se alimentou, está emocionalmente mais estável. Mas não vai dar pra esconder por muito tempo, né?
A psicóloga pousou a caneta sobre o bloco de anotações, pensativa.
— Você tem razão, Lena. O silêncio também adoece. E agora que ela está mais receptiva, talvez seja mesmo o momento certo para introduzir esse assunto com muito cuidado.
— Ela não falou com revolta. Foi uma pergunta doce, curiosa, quase infantil. Ela quer saber. Mas não imagina que a mãe está na UTI, em coma...
A doutora respirou fundo, a expressão profissional mesclada com empatia.
— Obrigada por me avisar. Eu vou passar lá dentro de uns trinta minutos. Assim ela termina o café e ainda fica com você por perto quando eu chegar. Vai ser importante ter um apoio emocional ao lado dela.
Lena assentiu, aliviada.
— Tudo bem. Agradeço a senhora por me ouvir. Vou avisar que daqui a pouco a senhora passa lá.
— Faça isso. E, Lena? — chamou a doutora antes que a jovem saísse. — Obrigada por estar com ela. Isso vai fazer toda a diferença.
— É o mínimo. A Brittany não está mais sozinha.
Com o coração mais leve, Lena deixou o consultório e voltou em passos firmes, mas serenos, já se preparando para acolher a amiga no que viria a seguir.