Chá de Realidade

941 Words
Era quase hora do almoço quando Patrick chamou Shirley à porta da sala. — Pode sair pra almoçar, Shirley. E se puder, traga meu almoço, por favor. Vou ficar por aqui, preciso revisar os relatórios e não vou ter tempo de sair. — Claro, doutor. Quer o chá e o remedinho também? — Melhor. A dor de cabeça ainda está me vencendo. Shirley saiu e se juntou às outras secretárias no refeitório. O burburinho estava quente. Os corredores da empresa fervilhavam com a fofoca do escândalo. E no meio do almoço, não poderia ser diferente. Harry e Louis apareceram, bandejas em mãos, e se sentaram com as meninas. — E aí? — disse Louis, já entrando no clima. — Me diz uma coisa, como é que o Hamilton destrói o casamento dele por causa de um espeto de gafanhoto? Todos riram. — Aquela Barbie do cemitério — completou Harry, fazendo careta. — Minha nossa, esqueleto humano! E ainda chamava a Lana de barril de banho. Ah, me poupe! — Vocês viram a esposa do Hamilton? — comentou Shirley. — Uma mulher linda, elegante, fina. Se ela continuar com ele, é muita otária. — Fora dos escritórios, meninas, esqueçam os “doutores”, aqui somos só Harry e Louis — disse Louis, piscando para Lana, que corou levemente. As risadas foram interrompidas por Shirley. — Lana, o Patrick pediu pra levar o almoço dele. Você pode fazer isso pra mim, por favor? Leva também o chá e o remédio. Ele deve estar pior com essa dor de cabeça. — Claro — respondeu Lana, com gentileza. Ela pegou a bandeja com o almoço, o chá calmante e a cartela de analgésico, e foi até a sala de Patrick. — Toc, toc. — — Pode entrar — respondeu ele com a voz baixa. Ela entrou devagar e viu Patrick recostado na cadeira, pálido, os olhos vermelhos de cansaço. — Aqui está seu almoço, o chá e o remédio. A Shirley pediu pra eu trazer. — Obrigado. Não estou conseguindo me concentrar. A cabeça parece que vai explodir. — Quer ajuda? — ela perguntou, sem pensar. Ele ergueu uma sobrancelha. — Você entende disso aqui? Ela se aproximou, olhou rapidamente os relatórios e sorriu. — Sim, senhor. Se quiser, posso revisar enquanto o senhor descansa um pouco. Depois é só o senhor dar uma última olhada. Patrick suspirou, aliviado. — Faça esse favor, Lana. Eu vou deitar ali no sofá do anexo. Como, escovo os dentes e volto… me chama daqui uma hora? — Pode deixar, doutor Patrick. Ele sorriu levemente, com gratidão. Pegou o chá, tomou o remédio, almoçou rapidamente e foi descansar. Lana ficou ali, sentada à mesa dele, revisando com cuidado cada detalhe, com uma compaixão no peito e um carinho que crescia sem pedir licença. Ela não sabia ainda, mas aquele almoço ia marcar o início de algo novo. Talvez não só nos papéis da empresa, mas também nos papéis do coração. Lana seguia concentrada, os olhos saltando entre colunas, gráficos e planilhas. O silêncio da sala ajudava, e ela se espantava com a organização do material — ou melhor, com a falsa organização. Havia algo ali que não se encaixava. Conforme ela avançava, foi notando pequenas incongruências. Valores repetidos. Transferências quase invisíveis. Números redondos demais para serem coincidência. Quando Patrick voltou, já havia se passado pouco mais de uma hora. Ele apareceu mais calmo, com os cabelos um pouco bagunçados e o olhar descansado. — Lana? — ele chamou suavemente. Ela se levantou. — O senhor descansou bem? — Sim. Bem melhor, obrigado. Você conseguiu revisar? Ela assentiu, mas seu semblante estava sério. — Dr. Patrick, eu encontrei umas coisas que… talvez o senhor queira verificar pessoalmente. Ele se aproximou, atento. Ela abriu os arquivos, mostrando os pontos destacados. — São alterações sutis. Se não observar com muita atenção, passa despercebido. Mas veja bem… aqui, aqui e aqui — ela apontou com o marcador digital. — Pequenos desvios. Valores arredondados demais, em datas muito próximas. E, somando tudo, ultrapassa os nove milhões e setecentos mil dólares. Patrick ficou em silêncio por alguns segundos, assimilando. — Como isso passou pelo financeiro? — Eu me perguntei a mesma coisa. Mas pode ter sido uma distração… ou conivência. São fraudes em microparcelas, mas frequentes. E vejam o gráfico de movimentação — ela abriu outra planilha —, essas oscilações anormais começaram há alguns meses. De forma gradual, mas constante. Patrick estava boquiaberto. — Lana… do jeito que eu estava hoje, eu não ia perceber nem se me gritassem no ouvido. E esses documentos… são justamente os que eu vou apresentar hoje na reunião da diretoria. Ele respirou fundo e olhou para ela com mais atenção. — Você é formada em quê mesmo? — Economia. Só estou finalizando o estágio obrigatório para poder receber o diploma. Patrick soltou um leve sorriso, com ares de quem acabara de tomar uma grande decisão. — Lana Ferreira, a partir de hoje você está oficialmente contratada. Pode continuar como estagiária, se preferir, até o certificado sair, mas seu salário será de contratada. E mais: quero você como minha assistente direta. Ela arregalou os olhos, surpresa. — S-sério? — Mais do que sério. A empresa precisa de olhos como os seus. E eu também. Ela corou, engolindo em seco, e apenas assentiu com um tímido "obrigada". Enquanto ele recolhia os papéis e preparava a pasta para a reunião, olhou para ela de relance. Um brilho diferente nos olhos, algo entre gratidão e admiração. E foi ali, entre cifras ocultas e verdades reveladas, que nasceu o primeiro fio de ligação entre Lana e Patrick. Um fio tênue, mas inquebrável.
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