Aparências e Verdades (versão correta e literária)
Lisbeth respirou fundo, ajeitou a blusa com discrição e caminhou até a gerente com a dignidade de quem se recusa a revidar ofensas.
— Senhora Badge — chamou com delicadeza. — A cliente da seção de enxoval solicitou ser atendida por alguém mais… qualificado. Poderia assumir o atendimento?
A gerente ergueu os olhos do tablet. Bastou o tom contido de Lisbeth para compreender toda a situação — sem necessidade de explicações.
— Entendi. Já estou indo — respondeu com firmeza, levantando-se com elegância. — Está tudo bem com você?
— Está sim, senhora. Irei até a copa tomar um copo de água e retornarei em seguida.
— Está certo. Respire fundo, está bem? O dia ainda está começando. E já recebemos uma cliente como essa…
— Sim… mas cliente é cliente, não é mesmo?
Lady Badge riu com leveza.
— Vá lá. Deixe que eu cuido disso.
Lisbeth agradeceu com um aceno e retirou-se até a copa, com o coração comprimido e a respiração pesada. Precisava de um instante para recompor-se. Não por fraqueza, mas por autocontrole.
Enquanto isso, na sala de atendimento, Lady Badge aproximava-se da cliente com a postura firme e o sorriso profissional que só os anos de experiência conferem.
— Boa tarde, senhora. Meu nome é Lady Badge, sou a gerente da loja. Fui informada de que gostaria de um atendimento exclusivo. Em que posso lhe ser útil?
A mulher, altiva, respondeu com um sorrisinho arrogante:
— Até que enfim… Já estava a ponto de desistir. Achei que nesta loja só houvesse gente comum.
Lady Badge manteve a compostura.
— Temos uma equipe qualificada, senhora. Inclusive, a vendedora que a atendeu inicialmente é uma das mais competentes da casa. Mas estou à sua disposição.
Na copa, Marina entrou discretamente, encontrando Lisbeth ainda de pé, segurando o copo com as duas mãos, como quem busca firmeza no gesto mais simples.
— Está melhor? — perguntou em tom gentil.
— Estou, sim — respondeu Lisbeth, contendo as emoções. — Só precisava de alguns minutos para respirar e manter a serenidade.
— Não precisa se apressar. Se quiser, permaneça mais um pouco. Ninguém aqui vai lhe cobrar nada. Você trabalha como poucas.
Lisbeth sorriu com os olhos.
— Agradeço, Marina. Mas já estou indo. Preferi me retirar um pouco a perder a compostura.
As duas se olharam por um breve instante. Havia respeito mútuo ali. E admiração silenciosa.
Sim, compostura.
Era isso que ela escolhera ter, todos os dias.
Mesmo diante da humilhação.
Mesmo sendo julgada pela aparência.
Mesmo quando ninguém via.
Lisbeth caminhou em direção à copa da loja, com passos firmes e expressão neutra, mas por dentro lutava contra o incômodo que aquele atendimento lhe causara. A educação e a paciência eram dons que ela exercitava todos os dias — por necessidade, por dignidade e, sobretudo, por amor à irmã. Mas havia momentos, como aquele, em que até os mais fortes sentiam a alma cansar.
Na copa, abriu o pequeno armário, pegou um copo e serviu-se de água fresca. Bebeu devagar, permitindo que o líquido acalmasse seu corpo e refrescar sua mente.
— Vai passar — murmurou para si mesma, encarando o próprio reflexo no micro-ondas. — É só mais uma cliente. Só mais uma.
Enquanto isso, na vitrine principal, a gerente — senhora Beatrice, mulher experiente, elegante e respeitada por toda a equipe — se aproximava da cliente, que folheava um catálogo com ar entediado.
— Boa tarde, senhora. Fui informada de que a senhora preferia ser atendida por mim — disse Beatrice, com um sorriso profissional e polido. — Em que posso ajudá-la?
A mulher a olhou de cima a baixo, como se analisasse até mesmo o tecido da blusa da gerente, e então assentiu levemente com a cabeça, como quem finalmente se sentia à altura de suas expectativas.
— Eu quero montar um enxoval exclusivo. Tudo com o melhor que vocês tiverem. E não quero perder tempo com vendedoras amadoras.
Beatrice manteve o sorriso discreto, embora sentisse a vontade de corrigir aquela petulância. Porém, como profissional que era, apenas respondeu:
— Claro, senhora. Temos uma linha premium recém-lançada que, acredito, será do seu agrado. Podemos começar por aqui?
Enquanto a cliente era conduzida, o homem ao lado dela — claramente desconfortável com a situação — caminhava alguns passos atrás. Seus olhos buscaram, discretamente, o corredor por onde Lisbeth havia saído. O constrangimento era visível.
Mais atrás, uma das colegas de Lisbeth, Lady Badge, comentou em voz baixa com outra funcionária:
— Você viu como ela tratou a Lis? Deus me livre. Ainda tem coragem de desfilar com aquela arrogância toda.
— E o homem? — cochichou a outra. — Claramente está ali por obrigação. Você percebe no olhar. Tem nojo das atitudes dela. Se bobear, nem são casados de verdade. Dizem que ela apareceu grávida do nada e jurando que o filho é dele…
— Ah, o clássico golpe do ventre… — sussurrou Lady com ironia. — E mesmo assim, você viu o olhar dele quando ela destratou a Lisbeth? Deu pra ver que ele não compactua com isso.
Minutos depois, Lisbeth retornou à loja, recomposta. Ainda com o rosto sereno, mesmo com o coração um pouco abatido. Ao cruzar com Lady, recebeu um olhar cúmplice e um comentário sutil:
— Deixa pra lá, Lis. Gente assim não merece nem resposta. Você é muito maior do que esse tipo de gente.
Ela apenas sorriu.
— Obrigada, Lady. E obrigada por me defender, mesmo que eu não tenha ouvido.
— Nós somos uma equipe, né? E, sinceramente? Quem te conhece sabe do profissional exemplar que você é.
Lisbeth respirou fundo e voltou para sua seção. O dia m*l havia começado, mas ela sabia que, independentemente dos desafios, cumpriria seu papel com a mesma dedicação de sempre. Porque, para ela, aquilo não era apenas um emprego. Era sua chance de construir um futuro — digno, honesto e cheio de amor — para si e para a irmã.
A tarde passou como um sopro, e apesar do início turbulento, Lisbeth manteve sua postura profissional até o fim. Atendeu outros clientes com o mesmo zelo, anotou sugestões de peças em falta no estoque e organizou os pedidos que deveriam ser enviados para o e-commerce.
Quando o relógio marcou dezoito e trinta, ela olhou discretamente para o celular no bolso. Laurinha já devia estar brincando na casa da vizinha, como sempre acontecia nos dias em que Lisbeth tinha horário estendido. Respirou fundo, assinou o relatório de encerramento e caminhou até o vestiário.
— Vai direto pra casa? — perguntou Lady, enquanto guardava os próprios pertences.
— Vou sim. Estou só no pó da rabiola hoje. — Ela riu baixinho. — Mas estou indo com o coração em paz.
— Fez a tua parte com graça, Lis. E ainda ganhou a admiração de um magnata daqueles. Tem gente que nunca vai entender o valor disso — comentou a colega.
Lisbeth deu um meio sorriso e respondeu com simplicidade:
— Eu não espero que o mundo mude por minha causa, Lady. Mas se cada um agir com dignidade no seu pequeno pedaço, já é alguma coisa.
Pegou a bolsa surrada, ajeitou a alça nos ombros e se despediu. Do lado de fora, o céu começava a se tingir de laranja-rosado. O vento soprava ameno, e ela agradeceu silenciosamente por não estar chovendo — afinal, o caminho até o terminal de ônibus era longo.
Chegou em casa já depois das sete e meia da noite. A vizinha, dona Mercedes, sorriu ao abrir a porta do apartamento ao lado.
— Ela está na sala vendo desenho. Comeu tudo, tomou banho, só falta você.
— Ai, dona Me, mais uma vez, muito obrigada. Não sei o que faria sem a senhora.
— Já falei, menina. Tua mãe foi minha amiga por vinte anos. Enquanto eu puder, a Laurinha vai ter aqui um pedaço do coração dela. Agora vá lá. Ela está doida pra te mostrar um desenho novo.
Lisbeth entrou, e Laurinha correu para os braços dela como se não a visse há dias.
— Manaaa! Eu fiz um desenho novo! Eu, você e os três bebês da princesa Lana!
Ela riu, agachando-se para abraçá-la.
— Três? Tudo isso?
— É! Um menino, uma menina e outro que pode ser um coelho mágico!
— Ai, meu Deus. — Lisbeth caiu na risada. — Vem, vamos jantar. Hoje tem cuscuz e ovo frito. Com direito a suco de laranja!
Depois do jantar simples, Laurinha tomou seu leitinho e, como de costume, fez a oração na beirada da cama:
— Deus, obrigada pelo dia de hoje. Obrigada pela mana ter recebido ajuda dos anjos dela. E obrigada porque o moço que falou com ela hoje parece o papai do céu de terno. Amém.
Lisbeth conteve a emoção e beijou-lhe a testa.
— Dorme com os anjos, meu bem.
Mais tarde, já deitada, com o corpo exausto e a alma inquieta, Lisbeth olhou para o teto. Pensava em tudo o que acontecera: a humilhação, o gesto de reparação, o reconhecimento silencioso, a semente de esperança.
"Será que um dia tudo vai mudar?", pensou. "Será que um dia eu vou poder olhar para trás e dizer: valeu a pena cada ônibus, cada lágrima, cada plantão extra?"
Mas antes que qualquer pensamento mais profundo a dominasse, adormeceu — profundamente, docemente, como há muito tempo não acontecia.
E ali, no silêncio do seu quarto modesto, uma coisa era certa: a justiça que nasce do amor é semente plantada no invisível. E cedo ou tarde, floresce.