Pensando

880 Words
O jantar chegou ao fim com risadas moderadas, mas os pensamentos estavam longe de tranquilos. Patrick levantou-se primeiro, ajeitando o blazer com os ombros ainda pesados. — Eu vou indo, pessoal. Preciso organizar umas coisas para o trabalho. A mãe se levantou também e o abraçou com ternura, mas seus olhos denunciaram uma preocupação discreta. — Pense com carinho, meu filho. Às vezes, Deus fala com a gente pelas pessoas, sabia? Patrick beijou o rosto dela. — Eu sei, mãe. E hoje Ele falou por mais bocas do que eu esperava. Despediu-se dos pais, da irmã, dos amigos — até do Louis, que já estava cochilando no sofá — e saiu em direção ao carro com a cabeça a mil por hora. No trajeto até o apartamento, dirigiu em silêncio, deixando o rádio desligado pela primeira vez em semanas. Queria ouvir a si mesmo. E o que ouviu... não foi nada confortável. Ao chegar no prédio, entrou no elevador e olhou para o próprio reflexo no espelho inox. Ainda estava arrumado, bonito, bem-sucedido. Mas o olhar… estava perdido. Ao entrar no apartamento, largou a chave na bancada da cozinha e afrouxou a gravata. Caminhou devagar até a sala, jogando-se no sofá sem acender nenhuma luz. Só a penumbra da cidade iluminando levemente os contornos do seu rosto cansado. “Virgem por opção... Integridade… Ela tem para dar, vender e emprestar.” A frase da Patrícia ecoava na mente dele com uma força estranha. Nunca tinha parado para pensar que, no meio do caos atual, alguém escolhesse isso por convicção — e não por medo, repressão ou religião. Só… respeito por si mesma. Pensou em Cindy. Lembrou da ligação mais cedo. Do desprezo com que ela tratou uma funcionária. Das palavras frias. Da forma como ela se portava como se tudo fosse um palco para exibir o próprio ego. “Aquela moça tem nome. E merece respeito.” As próprias palavras que dissera mais cedo agora ardiam na memória. Onde ele tinha se metido? O que ele estava sustentando? Olhou o celular. Notificações de Cindy. Mensagens. Nenhuma ele quis abrir. “A Lana tem quase um metro e oitenta, é linda, tem o cabelo castanho, olhos verdes…” Ele não sabia nem como era a voz dela. Mas já sabia que a presença dela o afetava mais dois que a da própria noiva. Pegou o celular novamente. Abriu a galeria de Patrícia, a foto que ela mostrara no jantar ainda estava ali. Três jovens sorrindo numa biblioteca. Nada demais. Nada sensual. Nada artificial. Mas era tudo o que ele não encontrava na própria vida. Suspirou fundo. Colocou o celular de lado. E naquele silêncio, sentiu pela primeira vez em muito tempo… que talvez estivesse noivo da mulher errada. Patrick acordou com o rosto meio afundado na almofada do sofá. Tinha adormecido ali mesmo, sem forças para ir até a cama. A noite anterior ainda pairava sobre ele como um nevoeiro persistente — e não era o vinho, era a consciência. Espreguiçou-se devagar, olhou em volta e bufou. Celular no modo silencioso, mas cheio de notificações. Várias de Cindy. Algumas mensagens de voz, três ligações perdidas e uma selfie que ele ignorou completamente. “Bom dia, amor. Sonhou comigo?” “Vai me ignorar agora? Tá com raiva ainda?” “A gente precisa conversar. Você me trata como se eu fosse qualquer uma.” Ele jogou o celular de novo no sofá. Levou as mãos ao rosto e passou os dedos pelos cabelos, frustrado. O sábado estava claro, o céu azul lá fora, mas nada parecia leve dentro dele. Foi até a cozinha, pegou uma caneca de café e ficou olhando pela janela. A imagem da Lena era insistente — os olhos verdes, o cabelo castanho na altura da cintura, o jeito firme e sereno descrito por Patrícia. “Virgem por opção. Personalidade. Integridade.” As palavras dançavam na cabeça dele como uma música que não dava pra ignorar. — O que é que eu tô fazendo com a Cindy… — murmurou para si mesmo, apoiando o cotovelo na bancada de mármore. Foi até o quarto, pegou o notebook e sentou-se na cama. Pensou em escrever um e-mail. Em terminar tudo. Mas algo dentro dele o fazia hesitar. Era medo do escândalo? Medo da mídia? Ou medo de admitir que tinha se enganado? Antes que pudesse decidir, o interfone tocou. Ele caminhou até o aparelho e atendeu, já desconfiando. — Senhor Patrick, a senhorita Cindy está aqui embaixo. Deseja que eu autorize a subida? Ele cerrou os olhos. Respirou fundo. E respondeu com calma: — Não. Diga que hoje não posso recebê-la. E que ligo mais tarde, se possível. — Perfeitamente, senhor. Desligou. Encostou a testa no vidro da sacada e sorriu, cansado. — Se possível… — repetiu em voz baixa. Ele não queria magoar ninguém. Mas também não ia mais se esforçar para viver um papel. O sábado m*l tinha começado, mas Patrick já sabia: ele precisava de ar. De verdade. De leveza. De alguém que não gritasse, que não competisse, que não desdenhar dos outros. Ele só não sabia ainda... que em breve cruzaria com Lana — de verdade — e descobriria que o que ele achava que era atração, era só a superfície de algo muito mais profundo.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD