Plano Espiritual – Continuação
Maris estava sentada num banco de madeira clara, debaixo de uma árvore com folhas douradas que balançavam suavemente ao toque da brisa. O céu era de um azul leitoso, sereno, e flores nasciam espontaneamente ao redor dos seus pés. Ela respirava mais aliviada ali, como se a dor que sentia antes tivesse sido levada pela luz.
De repente, ela fechou os olhos e sentiu um calor familiar invadir o peito. Uma energia suave, como um abraço invisível, cercou seu corpo. E então... ouviu.
— Maris... seja forte. Você vai vencer essa.
Era a voz de Patrick, firme e afetuosa.
Logo depois, uma outra voz, doce, quase embargada pela emoção:
— A senhora vai voltar... e vai conhecer os seus netinhos. A Brittany ainda não sabe do acidente... pois agora ele é uma mãe zelosa. E a senhora precisa voltar para cuidar deles, dona Maris.
Ela abriu os olhos assustada, olhou ao redor e se levantou, emocionada.
— Mamãe... — ela chamou, procurando pela figura que sempre surgia quando mais precisava. — Eu ouvi... eu ouvi a voz deles. O Patrick... a Lana... Eles falaram comigo. Eu ouvi claramente. Eu senti como se estivessem perto de mim. Isso é real?
Sua mãe se aproximou, com aquele sorriso calmo de quem conhece os segredos do universo.
— Sim, minha filha. Você está começando a despertar para as sutilezas do plano espiritual. O que você sentiu foram vibrações de amor. A prece, o carinho sincero, a esperança de quem nos ama, tudo isso cria uma energia tão intensa que atravessa os planos.
— Mesmo depois de tudo o que eu fiz? Mesmo com todo o m*l que eu causei?
— Sim, Maris. Eles ainda oram por você. Porque o verdadeiro amor não guarda rancor. E mesmo que você não seja mãe da Lana, nem sogra de Patrick, eles escolheram amar você como ser humano. A Lana, com o coração puro, está ligada a você por fios que a espiritualidade entende... talvez de outras vidas, talvez por missão.
Maris começou a chorar silenciosamente.
— Eu não mereço...
— Ninguém merece o amor, minha filha. O amor é uma dádiva. Um presente de Deus. E quando ele chega, ele não pergunta se somos dignos — ele apenas nos transforma.
Ela olhou para cima, o brilho da luz celeste tocando seu rosto com doçura.
— Eles disseram que vou conhecer meus netinhos...
A mãe sorriu e segurou suas mãos.
— Isso vai depender da sua escolha. Do seu esforço em se curar aqui dentro. Do desejo sincero de se perdoar e de mudar. A vida é generosa, mas a renovação começa por dentro. Eles acreditam em você... e agora, você precisa acreditar também.
Maris fechou os olhos e, pela primeira vez, não se sentiu sozinha. Havia amor. Havia fé. E talvez... só talvez... ainda houvesse tempo
Maris secou os olhos com as costas da mão, inspirou fundo e olhou para a mãe com olhos brilhantes de vontade.
— Mamãe... a senhora acha que podemos continuar o estudo do Livro dos Espíritos?
A mãe sorriu com ternura, como quem esperava por esse pedido.
— Claro que sim, minha filha. Ontem paramos, se não me falha a memória, no capítulo 9. Agora iremos para o capítulo 10.
Maris então se levantou, ainda com certo esforço, e disse:
— Vou lá no quarto buscar o livro...
Antes que ela desse um passo, sua mãe levantou a mão com calma e disse:
— Não precisa, filha. Aqui... o pensamento é força criadora. E quando estamos em harmonia com as Leis Divinas, podemos plasmar aquilo que é útil ao espírito.
Diante dos olhos surpresos de Maris, surgiu entre as mãos da mãe uma cópia luminosa do Livro dos Espíritos. A capa era igualzinha à que ela vira na Terra, mas brilhava com uma leveza sutil, quase etérea.
— Como... como a senhora fez isso?
— Quando a mente se alinha com o amor e a sabedoria, minha filha, criamos com o pensamento. Um dia, se você continuar trilhando o caminho do bem e da renovação, também conseguirá. Agora sente-se. Vamos ao capítulo 10.
Maris assentiu, maravilhada. Sentou-se ao lado da mãe em um banco sob a árvore dourada, e começou a ler em voz alta, como quem pergunta e deseja aprender:
— Capítulo X – Vida Espírita.
Pergunta 222. O que é a alma no intervalo das encarnações?
Ela olhou para a mãe, esperando.
A mãe, com a voz doce, explicou:
— É um espírito errante, que aspira a um novo destino, esperando o momento de reencarnar. Ou seja, quando desencarnamos, não ficamos em estado de repouso eterno, como muitos pensam. A alma continua viva, ativa, refletindo sobre suas ações passadas, sobre os aprendizados e os erros. A erraticidade é uma etapa de estudo, de reequilíbrio, e também de preparação para uma nova missão.
Maris refletiu.
— Então... é como se a gente tivesse um intervalo entre uma escola e outra?
— Exatamente, minha filha. Um intervalo necessário, para que o espírito se fortaleça, aprenda, e esteja pronto para continuar sua evolução.
Maris respirou fundo e continuou:
— Pergunta 223. A alma conserva a sua individualidade depois de deixar o corpo?
A mãe assentiu antes mesmo de responder:
— Sim, minha filha. A alma nunca perde sua identidade. Ela continua sendo você — com seus sentimentos, suas recordações, seu caráter. Claro, com o tempo, o espírito pode evoluir, tornar-se mais sábio e mais amoroso, mas a essência... essa continua.
— Isso me consola tanto... — sussurrou Maris. — Saber que eu ainda posso ser eu, e ainda assim mudar.
A mãe sorriu, acariciando o cabelo dela com suavidade.
— Deus não nos quer perfeitos. Ele nos quer dispostos a evoluir.
Maris olhou o livro com mais reverência agora. Como se estivesse finalmente compreendendo o tesouro que tinha nas mãos.
— Mamãe, a senhora acredita que eu posso... um dia... ser como a senhora? Trabalhar aqui, ajudar outros espíritos?
— Se você continuar com esse coração aberto, com essa sede de mudança... sim, minha filha. Você pode se tornar uma grande servidora da luz. Mas tudo começa dentro de você.
E as duas permaneceram ali, mergulhadas no estudo e no amor.
Maris fechou o Livro dos Espíritos por um instante e olhou para a mãe com os olhos marejados. Havia algo diferente nela, uma leveza que não sabia explicar.
— Mamãe... eu tenho sentido algo tão estranho aqui. Desde que eu vim para esse lugar, parece que... que eu voltei a ser uma criança. É como se toda a vaidade, o orgulho, a ambição... tivessem se dissolvido. Eu me sinto... carente, desprotegida... mas ao mesmo tempo... pura. Eu nunca me senti assim desde que cresci.
Ela fez uma pausa e tocou o próprio peito.
— É como se... eu estivesse voltando àquele tempo em que a senhora e o papai me educavam. Em que eu confiava, em que meu coração era limpo. Mas por falar nisso... por que eu não vi mais o papai? Eu só o vi no dia em que acordei nesse lugar, depois da parada.
A mãe de Maris sorriu com ternura, mas também com reverência.
— Ah, minha filha... o seu pai é um trabalhador incansável na espiritualidade. Ele é um socorrista no umbral.
— Umbral? — Maris franziu o cenho, assustada. — Ele está no umbral?
— Sim, mas não como um sofredor. Seu pai é um servidor da luz. Ele atua nas regiões mais densas do umbral, resgatando espíritos em sofrimento, aqueles que não conseguiram aceitar a desencarnação ou que ainda estão presos ao ódio, ao vício, à revolta. Ele os encaminha aos postos de socorro espiritual, onde são acolhidos, tratados e orientados.
— Mas... não é perigoso?
— Sim, filha. É um trabalho difícil, pesado, muitas vezes doloroso. Mas seu pai é forte, tem luz própria. Ele foi preparado para isso. Espíritos como ele não se deixam abalar pela energia do lugar, porque são sustentados pelo amor incondicional e pela fé no bem. Quando ele pode, ele vem aqui. Naquele dia, ele fez questão de estar presente ao seu despertar. E mais tarde... ele virá novamente.
Maris baixou os olhos, pensativa.
— Eu nunca imaginei isso. Eu achava que meu pai estava em algum lugar... sereno. Mas ele está enfrentando as sombras.
— Sim, filha. Porque é nas sombras que a luz se mostra mais necessária. E você... um dia também poderá ajudar, se continuar nesse caminho.
— Eu gostaria de vê-lo de novo...
— Ele virá, minha filha. No tempo certo. Por ora, concentre-se na sua cura. Esse sentimento que você está tendo — de pureza, de retorno à sua essência — é sinal de que o tratamento espiritual está surtindo efeito. Você está resgatando a sua verdadeira natureza, aquela menina que ainda habita dentro de você e que foi silenciada pela dor, pela ilusão, pela soberba.
— Eu quero que ela viva de novo... quero ser ela.
A mãe segurou a mão da filha com firmeza e amor.
— Então a deixe florescer, Maris. O amor é a chave. E o conhecimento, o caminho. Vamos continuar?
Maris assentiu com os olhos brilhando de esperança.