Maris estava deitada no leito espiritual, as mãos sobre o ventre onde ainda sentia a dor fantasma do ferimento físico. Seus olhos estavam marejados, mas agora havia luz neles. Luz de entendimento. De desejo sincero de mudança.
Ela olhou para a mãe, pensativa.
— Mamãe... tem uma coisa que me veio agora à mente. A Brittany... ela fez tanta coisa errada. Mas, quando descobriu a gravidez, ela mudou. Ela se tornou uma pessoa completamente diferente. Será que essa mudança foi real? Ou será que ela está apenas fingindo? Representando?
A mãe sorriu, serena.
— Não, minha filha... A mudança dela é verdadeira. Aqueles dois espíritos que ela carrega no ventre não chegaram por acaso. Eles já estavam comprometidos com ela, desde outra existência.
Maris arregalou os olhos.
— Comprometidos? Como assim?
— Numa vida passada, Brittany os rejeitou. Ela os abortou. Foi uma escolha difícil, carregada de dor, e que trouxe consequências. Nessa encarnação, ela pediu para recebê-los novamente. E prometeu que os amaria, que os protegeria... mesmo sem o pai. Mesmo sozinha.
A mãe se aproximou, passou a mão nos cabelos da filha, como quem acalma a alma.
— E ela está cumprindo. Ela está sendo mãe. Está sendo luz. Porque se arrependeu e quis reparar.
Maris fechou os olhos por um instante, absorvendo tudo aquilo. Depois, sussurrou:
— E a Lana... e a família dela... Eles são tão diferentes de mim... tão bons...
A mãe então se ergueu, com doçura, e falou firme:
— Você sabia que a sua vida foi salva pelo sangue da mãe da Lana?
Maris arregalou os olhos, surpresa.
— O quê?
— Sim, filha. Quando você foi levada ao hospital, após aquele ataque, os médicos descobriram que seu tipo sanguíneo era raríssimo. A única pessoa que pôde doar... foi a Teresa, a mãe da Lana. Ela doou o sangue dela para te salvar.
Maris engoliu em seco.
— A Lana... não pôde?
— Não. Ela está grávida. E mesmo assim, a mãe dela — uma mulher simples, obesa, como você tantas vezes zombou — foi quem te deu uma segunda chance. O sangue dela corre nas suas veias agora.
Maris começou a chorar, desabando.
— Eu... eu humilhei aquela família. Disse horrores... E mesmo assim...
— Porque elas são espíritos de luz, minha filha. Elas não devolvem o m*l com o m*l. Elas curam com amor. E a Teresa, com aquele gesto, selou o seu resgate. O seu renascimento começou ali, naquela transfusão. Você carrega dentro de si o sangue de uma mulher nobre. Não por status, mas por espírito.
A mãe então se aproximou mais, sentando-se na beira do leito.
— Quando você voltar para o corpo... se aproxime delas. Peça perdão. Mas, acima de tudo, aprenda com elas. Humildade, generosidade, compaixão.
Maris segurou firme a mão da mãe.
— Me fala mais, mamãe... sobre esses resgates... sobre a reencarnação. Por que tudo isso está acontecendo comigo?
A mãe sorriu com ternura e começou a explicar:
— A reencarnação é a oportunidade que Deus nos dá de evoluir, de consertar o que erramos, de reatar laços rompidos. Cada vida é uma página. Cada dor, uma lição. Cada encontro, uma chance de aprender e crescer.
Ela apontou para os livros na mesa ao lado.
— Os espíritos que hoje estão ao seu redor — Brittany, Lana, Teresa, até mesmo Patrick — todos estão ligados a você por fios invisíveis, que vêm de vidas passadas. Alguns laços são de amor, outros de reparação. E tudo que você está vivendo agora é fruto do que foi plantado antes... e oportunidade de plantar o novo, o bom.
Maris respirou fundo.
— Eu quero aprender tudo, mamãe. Eu quero me curar de verdade. Me ajuda?
— Estou aqui, minha filha. E você vai aprender. Vai estudar. Vai ouvir. E um dia, você mesma será uma voz de esperança para outras almas perdidas.
Maris sorriu entre lágrimas. Pela primeira vez, sentia que havia esperança. Que podia renascer.
Maris voltou a abrir os olhos naquela enfermaria serena e banhada por uma luz suave. O aroma das flores próximas à cabeceira ainda preenchia o ar, e sua mãe estava sentada ao seu lado, com o Livro dos Espíritos aberto sobre as pernas.
Com a voz mais firme, Maris perguntou:
— Mamãe… posso fazer mais uma pergunta? A quarta pergunta do livro…
A mãe sorriu com ternura, assentindo com a cabeça.
— Claro, minha filha. Faça quantas quiser. O conhecimento liberta e ilumina.
Maris respirou fundo e leu em voz alta:
> "Onde se pode encontrar a prova da existência de Deus?"
A mãe dela segurou sua mão com carinho e respondeu:
— A resposta que os Espíritos deram a Allan Kardec foi simples e profunda:
> "Num axioma que aplicais às vossas ciências: Não há efeito sem causa. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem, e a vossa razão vos responderá."
Ela continuou com serenidade:
— Maris, quando você vê uma flor desabrochar, o mar obedecer à lua, o coração bater sem que você diga a ele o que fazer... tudo isso é efeito. E todo efeito tem uma causa. A causa de tudo que é belo, ordenado, de tudo que excede a nossa compreensão humana... é Deus.
— Então Deus está em tudo…? — sussurrou Maris, com os olhos marejados.
— Sim, minha filha. Inclusive dentro de você. É por isso que sempre haverá uma nova chance. Porque você carrega a centelha d'Ele. Mas para que ela brilhe, você precisa se permitir curar. Perdoar. Amar.
Mensagem da autora para os leitores:
Queridos leitores,
Se você chegou até aqui, quero te agradecer. Essa parte da história é mais do que ficção. É uma ponte entre o que somos e o que podemos ser. Falar de Deus, da espiritualidade e da reencarnação é uma forma de lembrar que todos merecemos recomeçar. Até mesmo aqueles que erraram muito — se houver arrependimento verdadeiro, amor e vontade de crescer.
A Maris, que tanto feriu, agora começa a enxergar a verdade. E essa verdade está disponível para todos nós. Não importa sua religião, sua história ou seus erros: Deus te ama. E o amor d’Ele é a maior resposta que existe.
Com carinho,
Tônia Fernandes
(Autora, mãe, avó, artesã e eterna aprendiz da vida e do amor)