####LIÇÃO DE HUMILDADE

1317 Words
Enquanto isso, na casa de Drew, o silêncio confortável da manhã era preenchido apenas pelo som dos pássaros no jardim e o leve barulho da água da fonte no quintal. Maris estava sentada em sua cadeira de rodas, na varanda coberta, vestida com um robe creme de algodão macio. Seu rosto, antes tão carregado de maquiagem, agora trazia apenas um toque de batom nude, e os cabelos, que tantas vezes estiveram em penteados elaborados, estavam presos em um coque simples e elegante. Ela parecia outra mulher. Estava diferente. Mais serena. Mais leve. Ao lado dela, Drew observava pela janela, com um misto de orgulho e esperança no olhar. Maris vinha se transformando dia após dia, e naquele momento, ao saber quem estava prestes a chegar, o coração dela batia mais rápido — mas não por orgulho. Era nervosismo. Era emoção. Era gratidão. A campainha tocou. Drew se aproximou da porta, abriu com delicadeza e sorriu. — Teresa... entre, por favor. Teresa entrou com passos hesitantes. Estava elegante como sempre, mas com uma expressão séria, contida. Seus olhos vasculharam a sala até encontrarem Maris — e ela precisou de um segundo para reconhecer aquela mulher ali. Maris sorriu com humildade. — Obrigada por ter vindo. — disse com a voz baixa, mas firme. Teresa se aproximou lentamente. Estava esperando frieza, ou talvez um pedido ensaiado. Mas o que viu ali foi verdade. — Eu... estou surpresa. — confessou. — Eu sei. — Maris respondeu. — Surpresa por ainda estar viva, por estar aqui... e por estar tentando ser alguém melhor. Eu não posso apagar tudo o que eu disse, tudo o que eu fiz, Teresa. Mas eu posso, com toda sinceridade, pedir perdão. Ela estendeu os braços com certa dificuldade, abrindo espaço para um gesto simples, mas carregado de significado. — Me dá um abraço? Teresa sorriu levemente ao ouvir o pedido de abraço e retribuiu o gesto com ternura. Ficou em silêncio por alguns segundos, olhando nos olhos de Maris, e então disse: — Drew me disse que você está aproveitando a segunda chance. Eu quis ver com meus próprios olhos... e, sim, você está. Ela se levantou com doçura, como quem carrega um alívio na alma, e antes de se afastar, completou com um brilho bem-humorado no olhar: — Eu trouxe uns quitutes para tomarmos um chá da tarde juntos. São os mesmos que faço para os meus netos e para algumas clientes... Eu quero que você prove e me diga o que acha. Afinal, você é uma socialite, né? Pode me dar uma opinião sincera. Trouxe um bolo de laranja com geleia de laranja artesanal, croissant fresquinhos, e mais algumas coisinhas... Espero que você goste. Fiz com o coração. Ela piscou com leveza e soltou uma risadinha suave. — E olha, não é à toa que eu tenho esse corpinho. Eu faço... e eu como! Maris sorriu, encantada, e disse com os olhos marejados: — Você é linda, Teresa. Linda por dentro e por fora. Teresa segurou de leve a mão dela, com carinho, e respondeu: — E você está se tornando linda de um jeito que vai muito além do espelho. Maris apertou o botão de campainha ao lado da poltrona. — Pode pedir à governanta que traga o lanche, querida. Prefere suco ou chá? — perguntou, voltando-se para Teresa com um sorriso acolhedor. — Chá, por favor. Cheguei aqui um pouco nervosa — confessou Teresa. Maris riu baixinho. — Nervosa? Quem estava nervosa era eu! — brincou. Depois, dirigiu-se à funcionária: — Arrume, por gentileza, as delícias que a nossa convidada trouxe numa bandeja bonita e traga para nós no jardim de inverno. Minutos depois, a bandeja de prata chegou — bolo de laranja com geleia artesanal, croissants folhados, muffins altos e dourados. O aroma cítrico misturava-se ao perfume suave das rosas que enfeitavam a mesinha. Maris provou a primeira garfada do bolo e arregalou os olhos. — Teresa, onde você estava escondida? Meu Deus do céu, que delícia! E esses muffins… nunca comi nada igual. Teresa corou, satisfeita. — Receita brasileira. Você nem imagina o quanto é difícil encontrar certos ingredientes aqui, mas eu dou um jeito. Maris limpou delicadamente os cantos dos lábios com o guardanapo e, de repente, seus olhos brilharam com uma ideia. — Teresa, quero lhe fazer uma proposta. Que tal abrirmos um bufê? Você cuidaria dos doces e das sobremesas; eu organizaria os eventos. Mesmo nesta cadeira de rodas, eu posso coordenar tudo — contatos é o que mais tenho, e talento culinário é o que não lhe falta. Podemos ganhar muito dinheiro — e, mais importante, divertir-nos muito. Teresa hesitou por um segundo, surpresa, mas logo sorriu. — Você acha mesmo que daria certo? — Não só acho — Maris respondeu, estendendo a mão em sinal de parceria —, como quero que aconteça. Vamos fazer disso a nossa segunda chance. Teresa apertou a mão de Maris, os olhos marejados. — Então… que este chá seja o brinde ao nosso novo começo. E, ali mesmo, entre gole e gole de chá fumegante e risadas suaves, as duas selaram uma promessa de recomeço, amizade e empreendedorismo — tão doce quanto o bolo de laranja que as unira naquela tarde. Maris ainda saboreava o muffin de banana com nozes quando seu olhar brilhou com uma ideia. — Teresa, me acompanha até o escritório? Quero te apresentar uma proposta formal — disse com um sorriso travesso. Teresa a empurrou na cadeira de rodas com carinho até a porta de vidro que dava acesso ao pequeno escritório aconchegante da casa. Maris pediu que chamassem Drew. Quando ele entrou, relaxado e curioso, ela foi direta: — Drew... eu quero abrir uma delicatessen. Um lugar charmoso, elegante, acolhedor... onde eu organize eventos e a Teresa comande os doces e as delícias. Você investiria? Ele ergueu uma sobrancelha, surpreso, e murmurou: — Mas você está... numa cadeira de rodas. Maris soltou uma risada leve e respondeu com firmeza, tocando os braços do marido: — E antes, com as duas pernas funcionando, eu não fazia nada de útil. Agora, com as rodas, eu sinto que posso fazer mais, inspirar mais e... trabalhar de verdade. Você topa entrar com capital como nosso sócio? Depois devolvemos cada centavo. Drew a olhou com orgulho e respondeu sem hesitar: — Com todo prazer. Eu serei o investidor de vocês duas. Maris voltou-se animada para Teresa: — Então, Teresa... vamos começar a procurar o local. Mas antes que Teresa respondesse, Drew completou: — Esperem! Lembram daquela loja vazia que temos em frente ao shopping? Tem espaço suficiente para colocar mesinhas charmosas, um balcão elegante, um ambiente estilo francês... Seria perfeito. E vocês ainda podem pegar eventos por encomenda aos poucos. Maris deu um tapinha entusiasmado na perna coberta com manta: — Teresa, a Brittany está quase saindo do hospital. Vamos encomendar o projeto a ela. Ela vai amar. Vai ser a nossa arquiteta oficial. Vai deixar tudo lindo, você vai ver! Ela segurou a mão de Teresa. — Aceita, amiga? Teresa assentiu com os olhos brilhando. — Claro que aceito! Estou emocionada. Drew, com tom firme e generoso, completou: — Maris e Teresa, eu vou investir cem por cento. Mas o lucro será todo de vocês duas, dividido meio a meio. Eu darei um ano de carência. Vocês só começam a me pagar depois de doze meses. A loja e a decoração ficam por minha conta. Não quero presenteá-las com isso, porque quero vê-las aprendendo a serem administradoras de verdade. Teresa sorriu com determinação: — O que eu mais sei é administrar meu dinheiro. Maris deu uma risada encantada: — Então eu vou aprender com você, minha sócia. E naquele pequeno escritório, com cheiro de bolo no ar e promessas trocadas em meio a olhares de confiança, nascia mais do que um negócio — nascia uma nova chance, um recomeço corajoso, e uma amizade que se transformava em sociedade.
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