####Como Contar a Verdade

1383 Words
Às quatro e meia da tarde em ponto, Dreew já estava novamente no hospital. O semblante mais fechado que antes. Não por angústia — essa já estava ali desde o primeiro dia — mas pela firmeza de quem decidiu que, mesmo sendo difícil, a verdade precisa ser dita. Só que da forma certa. Na recepção do setor clínico, ele se aproximou da bancada e avisou: — Boa tarde. Poderia avisar à doutora Lisandra, psicóloga? Diga que o senhor Dreew já se encontra no hospital. A recepcionista fez a ligação com a calma de quem já conhecia bem a rotina daquele nome. — A doutora pediu que o senhor suba até o consultório dela. Quarto andar, sala 402. Dreu assentiu com um aceno silencioso e seguiu. Dra. Lisa o aguardava com o mesmo semblante sóbrio e acolhedor. Vestia um jaleco claro por cima de um vestido discreto, e mantinha as mãos sobre o colo, cruzadas com delicadeza. Assim que ele entrou, levantou-se. — Boa tarde, senhor Dreew. Que bom que pôde voltar. — Boa tarde, doutora. Obrigado por me receber... Eu sei que seu tempo é precioso, mas eu realmente preciso de sua ajuda. Ela indicou a cadeira diante de sua mesa. Sentaram-se frente a frente. — Estou aqui para isso. Por favor, me diga como posso ajudar. Dreew respirou fundo antes de começar. A voz saiu baixa, mas firme. — Minha ex-esposa... está em coma há exatamente quinze dias. A Maris. — Sim, estou acompanhando o caso com a equipe médica — ela assentiu, atenta. — Minha filha... Brittany. Ela está no mesmo hospital, só que em outra ala. Está com os dois filhos recém-nascidos internados na UTI neonatal. São gêmeos. Ela se recusa a sair daqui. Está hospedada no hospital desde que deu à luz. E... ainda não tem nem trinta dias que as crianças nasceram. Dra. Lisa inclinou levemente o corpo para frente, ouvindo com atenção genuína. — Ela não sabe o que houve com a mãe. Por mais que elas estivessem distantes... ainda são mãe e filha. Eu tenho medo de contar. Medo de como isso pode afetar emocionalmente o puerpério, o leite, a saúde dela. Mas eu também sei que ela merece saber. Só não sei como dizer. Lisa levou alguns segundos antes de responder. Escolheu as palavras com o cuidado de quem lida com almas frágeis. — Senhor Dreew, sua preocupação é válida, e é admirável que o senhor esteja pensando não só no impacto emocional, mas também físico e materno. O pós-parto é um momento extremamente delicado para uma mulher. O vínculo com os filhos, a oscilação hormonal, o estresse... tudo pode ser afetado por uma notícia tão forte. — Por isso mesmo — ele continuou — eu gostaria de pedir... que a senhora conduza essa conversa. Que vá até ela, que prepare emocionalmente. E, se possível, seja a senhora a dar a notícia. Eu estarei ao lado. Não vou deixá-la sozinha. Mas não quero que minhas palavras a machuquem mais do que a situação já vai machucar. A psicóloga assentiu, demonstrando empatia. — Entendo perfeitamente. E agradeço pela sua confiança. Numa situação como essa, o mais adequado é que eu faça a abordagem inicial. Irei conversar com sua filha, sondar emocionalmente como ela está. E, se perceber que há espaço seguro, irei introduzir a informação com cuidado. Não serei direta demais, mas também não deixarei margem para insegurança ou fantasias. Ela parou por um instante e olhou nos olhos dele. — Quando chegar a hora certa, eu direi. E o senhor estará presente, como apoio. O senhor é o pilar dela neste momento. Sua presença vai ser essencial. Dreew engoliu em seco. Assentiu com um aceno silencioso. — Obrigado, doutora. Eu... não sei se teria forças para fazer isso sozinho. — E não precisa — ela sorriu com leveza. — Vamos fazer juntos. Com respeito, com verdade e com amor. Primeiro Contato O corredor da ala da UTI neonatal parecia mais silencioso do que o habitual. As luzes suaves, o ar controlado, o vai-e-vem dos profissionais de enfermagem… tudo girava em torno da vida que m*l começava a existir ali dentro. Dra. Lisa caminhava com passos calmos, o jaleco bem passado, a prancheta discreta em mãos. Ao chegar à porta do pequeno quarto reservado à família de Brittany, bateu suavemente. — Pode entrar — respondeu uma voz jovem, mas cansada. A psicóloga abriu a porta com delicadeza. Encontrou Brittany sentada em uma poltrona próxima à incubadora onde estavam os gêmeos. Ela usava uma camisola azul claro, os cabelos presos em um coque improvisado, o semblante abatido, mas com os olhos fixos nos filhos com uma força quase sagrada. — Boa tarde, Brittany — disse Lisa, sorrindo gentilmente. — Eu sou a doutora Lisa, psicóloga hospitalar. Vim apenas para uma visita breve, tudo bem? Só para saber como você está se sentindo nesse momento. Brittany piscou algumas vezes, surpresa. — Claro pode entrar. Eu não estou acostumada com visitas assim. — É parte do nosso acompanhamento de rotina, especialmente em situações de puerpério com internação neonatal. Sei que é um momento delicado, e estamos aqui para dar suporte emocional também. A jovem fez que sim com a cabeça, desviando os olhos para os filhos. — Eles nasceram antes da hora, mas estão reagindo bem, segundo os médicos. Eu fico com medo de dormir e perder alguma coisa, sabe? — É natural sentir isso. O vínculo materno é forte. E você tem demonstrado uma dedicação impressionante. Está aqui desde o nascimento? — Desde o primeiro dia. Eu não consigo ir embora. Eu não quero que eles acordem e eu não esteja aqui. Mesmo que eles ainda não vejam muito eu sinto que eles me sentem. Lisa anotou mentalmente: vínculo afetivo intenso, presença constante, sinais de exaustão emocional, mas nenhum indício de delírio ou instabilidade grave. — E você tem conseguido descansar, comer direito? Brittany deu um pequeno sorriso, com ironia suave. — Quando dá. Eu como qualquer coisa e durmo quando o corpo apaga. Mas... não me importo. Eles são tudo pra mim agora. A psicóloga cruzou as pernas e deixou a prancheta de lado, focando apenas no olhar da jovem. — Brittany, posso te fazer uma pergunta mais pessoal? — Pode. — Como está o seu coração? Além do cuidado com os bebês, como você está? Brittany hesitou por alguns segundos, como se essa pergunta fosse a primeira que tocava nela de verdade nos últimos dias. — Eu estou cansada. Mas tô tentando ser forte. Às vezes me sinto sozinha. Às vezes sinto falta de coisas que nem sei explicar. Mas não quero pensar em mim agora. Quero pensar neles. Lisa sorriu com ternura. — Entendo. E você está fazendo o que qualquer mãe faria: priorizando a vida que gerou. Mas lembre-se pra cuidar deles, você também precisa estar inteira. Mesmo que um pouquinho de cada vez. Brittany assentiu, emocionada, os olhos marejando. — Obrigada, doutora. Foi bom conversar com alguém. Normalmente todo mundo só fala dos bebês. — Eu estarei por aqui, tá bem? E se quiser conversar de novo, é só me chamar. Cuidar de você também faz parte da recuperação deles. Levantou-se, com calma. — Eu vou deixar você com eles agora. Vou continuar acompanhando de longe... e nos vemos em breve. Ao sair do quarto, Lisa seguiu até sua sala. Anotou tudo no prontuário clínico com atenção. Ela havia encontrado uma jovem emocionalmente abalada, mas ainda em estado de lucidez e afeto pleno. Ela sabia que ainda não era hora de dar a notícia sobre a mãe. Mas o momento estava sendo preparado, passo a passo. Mais tarde, ao deixar o hospital, pegou o celular e fez uma ligação rápida antes de entrar no carro. — Senhor Dreew? Aqui é a doutora Lisa. — Sim, doutora? Como foi? — A Brittany está frágil, mas estável. Completamente dedicada aos filhos, muito emocionalmente envolvida. Eu não falei nada ainda. — Certo... — Amanhã, antes do senhor visitá-la, venha até minha sala. Quero conversar com o senhor antes. Acredito que precisamos alinhar bem a forma como será feito. — Estarei aí. Às nove da manhã. — Combinado. Boa noite, senhor Dreew. — Boa noite, doutora. E obrigado. Ela desligou e olhou para o céu já escurecido. "A verdade dói, mas quando dita com amor, ela cicatriza."
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