A mãe de Maris a conduziu pelos corredores do plano espiritual como quem guia uma criança pela primeira vez à escola. O ambiente continuava florido, calmo, com sons que pareciam harpas ao longe. Maris sentia que cada passo ali deixava para trás uma parte da mulher orgulhosa que um dia fora.
— Hoje — disse a mãe com doçura — você vai visitar uma ala diferente. Você não será apenas ouvinte, mas participante. Vai doar um pouco do que está aprendendo. É uma forma de devolver, de começar sua reconstrução.
— Mas... eu? — Maris hesitou. — Eu ainda nem me perdoei direito, mãe. Como posso ajudar alguém?
A mãe parou diante de uma porta e pousou a mão no ombro dela.
— Filha, escute: ninguém precisa estar completamente curado para ajudar. Às vezes, é justamente o que está ferido que compreende melhor a dor do outro. Você já ouviu, refletiu, chorou… agora é hora de dar um passo.
Maris assentiu em silêncio. A porta se abriu. Do outro lado, havia uma sala ampla, cheia de camas espirituais — semelhantes às camas hospitalares da Terra — onde jaziam espíritos enfraquecidos, alguns vagos, outros mergulhados em tristeza profunda. Eram espíritos que haviam se suicidado, assassinado, causado dores intensas… e agora estavam em expiação.
— Eles não conseguem nos ver — explicou a mãe. — Ainda não têm lucidez suficiente. Mas sentem quando alguém se aproxima com compaixão. É como um aroma suave, uma brisa. Você só precisa orar com eles. Ficar perto. Tocar a alma, sem palavras.
Elas caminharam até uma cama onde uma mulher soluçava baixinho, mesmo em estado semi-inconsciente. Maris sentiu um aperto no coração.
— O que houve com ela?
— Tirou a própria vida após perder o filho único num acidente. Nunca mais quis viver, e alimentou o ódio contra Deus. Está em processo de desintoxicação espiritual. Vai levar tempo.
Maris estendeu a mão. Tocou os cabelos daquela mulher com um gesto que nunca tivera antes: ternura.
— Mãe, me ajuda a orar por ela?
— Sempre, filha. Vamos juntas.
As duas fecharam os olhos. A prece que saía dos lábios de Maris era simples, sem grandes palavras. Mas era verdadeira. Era sincera. Era a sua primeira caridade.
Ao final da oração, a mulher do leito soltou um suspiro longo, como quem libera uma dor retida. E um pequeno ponto de luz surgiu no alto da cabeça dela. A mãe de Maris sorriu:
— A luz entrou. Ela ainda tem um longo caminho… mas você foi a semente.
Maris chorou, mas dessa vez, chorou em paz.
— Isso… isso é fazer a diferença?
— Isso é começar a amar — respondeu a mãe, abraçando-a.
E assim, naquele plano entre a vida e a morte, entre o orgulho e o renascimento, uma nova Maris começava a nascer.
Se desejar, podemos mostrar o retorno dela ao leito físico, ao lado de Patrick e Lana, ou continuar mais um pouco na missão dela no plano espiritual antes de voltar. Deseja seguir ainda com mais um trecho da sua jornada no espírito?
A mãe de Maris levou-a a outro setor da colônia, onde os prédios tinham formas arredondadas, com cúpulas translúcidas que brilhavam como madrepérola sob a luz que não vinha do sol, mas de uma fonte invisível. Os jardins em volta exalavam aroma de jasmim e lavanda, e o ar parecia cantar em silêncio.
— Aqui, filha, é o setor das palestras de serviço e regeneração. Espíritos que desejam retornar ao corpo físico passam por aqui para aprender sobre o valor da humildade, da responsabilidade, do tempo que foi perdido e das oportunidades que ainda virão.
Maris passou por uma ala onde muitos espíritos estavam sentados, atentos a um auditório. Uma mulher de vestes douradas falava com voz firme e amorosa:
— “Caridade não é dar o que sobra. É dividir o que ainda dói, mesmo quando o orgulho pede silêncio.”
— “A maior caridade é aquela feita com humildade, sem esperar glória, sem esperar retorno. Caridade é a ponte entre a alma e o perdão divino.”
Maris ouviu aquilo e se sentou ao lado de sua mãe. Ficou em silêncio, absorvendo cada palavra como um bálsamo. Quando a palestra terminou, ela virou-se para a mãe, os olhos brilhando de emoção:
— Mamãe… como eu posso fazer caridade? Como eu… eu que fui tão egoísta, posso fazer algo bom?
A mãe a olhou com um sorriso repleto de ternura:
— Minha filha… a caridade começa na intenção. O arrependimento verdadeiro já é caridade com a própria alma. Quando você voltar — e você voltará —, poderá começar com os pequenos gestos: respeitar, ouvir, compreender, estender a mão. Não é preciso grandes feitos. Um coração disposto a amar já é um instrumento nas mãos de Deus.
— Mas… eu ainda sou pecadora. Eu machuquei tanta gente… e se me rejeitarem?
— A verdadeira caridade não se preocupa com o que os outros pensam, mas com o que você faz. Jesus perdoou publicanos, mulheres adúlteras, ladrões… e nenhum deles era perfeito. A perfeição não é requisito para amar. O amor é o caminho para a perfeição.
Maris sentiu um nó na garganta. As palavras da mãe eram bálsamo e ferro ao mesmo tempo. Doíam, mas curavam.
Ela se levantou devagar, caminhou até um altar de flores e ajoelhou-se. Não havia cruz. Não havia santos. Apenas luz e silêncio.
— Meu Deus… eu não te conhecia como agora. Me ajuda… me deixa voltar. Me deixa amar.
Aquela súplica silenciosa subiu como incenso invisível, e uma névoa branca envolveu Maris por alguns instantes. Ela não viu, mas sua mãe viu: um mentor havia pousado a mão sobre sua cabeça e sussurrado, em vibração pura:
— A semente foi regada.
A jornada ainda era longa… mas o caminho agora estava traçado.
Se desejar, podemos continuar com o próximo estudo do Livro dos Espíritos ou narrar o retorno parcial dela ao corpo, com pequenos sinais de melhora no hospital. Qual caminho seguimos agora?
No hospital, enquanto a manhã ainda engatinhava entre as frestas da cortina branca do quarto privativo, os aparelhos começaram a emitir leves variações no ritmo. Um “bip” mais firme, uma linha que oscilou sutilmente no monitor cardíaco. A enfermeira que fazia a ronda parou ao lado do leito de Maris e franziu o cenho. Checou os parâmetros, confirmou os batimentos cardíacos estabilizados, e observou o nível de oxigênio. Havia uma alteração suave… mas positiva.
Ela anotou no prontuário e chamou um dos médicos de plantão.
— Doutor, temos uma leve melhora nos sinais da paciente do quarto 309. Ainda está em coma profundo, mas o padrão neurológico indica reação mínima. Os olhos moveram-se durante o sono induzido. Reflexo involuntário, talvez.
O médico se aproximou e observou Maris atentamente. Com uma lanterna, iluminou seus olhos — pupilas ainda sem resposta.
— Reflexo, sim. Mas também pode ser um indicativo de que há atividade no córtex. Vamos ajustar a medicação. Deixe tudo registrado. Se continuar assim, poderemos reavaliar o coma induzido nos próximos dias.
— A senhora está lutando, não é? Nós estamos aqui. Está tudo bem. Continue lutando.
Como se sua voz atravessasse dimensões, no plano espiritual, Maris — ainda envolta na névoa de luz — estremeceu levemente e sentiu a energia daquela mão familiar. Ela não sabia explicar, mas algo dentro dela se aquecia. Algo como… esperança.
E então, bem de leve, como um sussurro no silêncio, uma lágrima brotou no canto do olho esquerdo de Maris e escorreu pela lateral de seu rosto imóvel.